O futuro reservado ao Brasil no mundo globalizado e tecnológico não é de todo ruim, se é que isso pode servir de consolo para quem sempre acreditou que Deus é brasileiro. Com atraso endêmico na educação, o País permanecerá ainda por muitos anos no bloco intermediário das nações que não desenvolvem tecnologias de ponta, mas recebem investimentos para aplicá-las e até aprimorá-las. Teremos, sim, algumas poucas possibilidades imediatas de ser protagonistas.
A indústria aeronáutica, que coloca nossos aviões nos céus do Primeiro Mundo, apesar de a Embraer importar mais de 80% dos componentes por falta de similares fabricados no Brasil, é o melhor exemplo. Mas dificilmente teremos novas oportunidades de vôos solos na indústria automobilística, uma das principais locomotivas da economia do País, dominada agora pelo moderno conceito de carro mundial.
O contraponto aos aviões da Embraer é o Gol, da Volkswagen, último veículo com marca exclusiva da engenharia brasileira. Projetado, desenhado e desenvolvido por engenheiros que trabalham no centro de pesquisas da montadora em São Bernardo, no Grande ABC, o Gol representará o fim de uma era quando sair de linha.
Nunca como agora o Brasil teve tantos motivos para lamentar profundamente não ter educado suas crianças como deveria. O desperdício de recursos humanos, representado em 1999 por dois milhões de meninos e meninas que ficaram fora da escola — sem contar milhares que desistiram de estudar durante o ano letivo –, pesa toneladas contra o País na balança do desenvolvimento científico e tecnológico.
No mundo globalizado, onde tudo corre a mil por hora, a tendência é tornar-se intransponível o fosso que separa conhecimento e dependência. Tratado durante anos como se fosse possível ser revertido num piscar de olhos, esse atraso consumou-se na carne do País como marca gravada a ferro e fogo.
Números da Oxfam, organização não-governamental do Reino Unido sediada em Oxford, confirmam a trágica exclusão. O Brasil ocupa o 48º lugar no ranking do desenvolvimento mundial em educação, atrás de países mais pobres e menos desenvolvidos como Cuba (5º), Cabo Verde (13º), Irã (15º), México (21º), Chile (24º) e Egito (34º).
“O Brasil tem mesmo de lamentar, e muito, o atraso na educação” — afirma em tom de pesar o físico argentino Ivan Chambouleyron, há dois anos no cargo de pró-reitor de Pesquisa da Unicamp (Universidade de Campinas).
Reconhecido no Exterior por pesquisas na área de energia solar, Chambouleyron diz que a economia planetária só fará aumentar a dependência científica e tecnológica do País. “Sei que a análise é pessimista, mas não existe no mundo país avançado com o grau de desigualdade social do Brasil. Estamos condenados a ser fregueses de tecnologia, apenas um mercado consumidor. Vamos pagar royalties para o Primeiro Mundo. Teremos poucas oportunidades de atuar como protagonistas na área científica, exclusivamente por falta de recursos humanos. Existem cabeças pensantes no País, mas não suficientes para um projeto de futuro. Cada criança que não frequenta escola é uma inteligência cerceada, uma perda irreparável” — analisa o professor.
Uma prova dessa triste realidade está na edição de março/abril de 2000 do Jornal da Unicamp, que dedica reportagem especial a uma das maiores realizações de cientistas brasileiros em todos os tempos: o Projeto Genoma-Xylella, que recentemente fez o sequenciamento genético da bactéria xylella fastidiosa, causa da doença conhecida como amarelinho, que ataca laranjais paulistas e responde por prejuízo anual superior a US$ 100 milhões.
Vale a pena reproduzir o que diz ao jornal o cientista João Setúbal, um dos responsáveis pelo Laboratório de Bioinformática da Unicamp, o mais moderno da América Latina: “… o Projeto Xylella e a rede montada para executá-lo criaram condições para que no Brasil se faça pesquisa em genômica de mesmo nível que nos grandes centros do Primeiro Mundo… Há, entretanto, um problema importante a ser resolvido: embora nossa capacidade de sequenciamento seja comparável à de grandes centros, nossa capacidade de análise das sequências geradas está muito limitada. E isso se deve basicamente à escassez de profissionais em bioinformática… No Brasil, temos pouquíssimos profissionais competentes nessa área. Se não houver um esforço de formar mais profissionais, correremos o risco de gerar muitas sequências e não ter como fazer ciência com elas”.
O Laboratório de Bioinformática da Unicamp trabalha agora no Projeto Genoma-Câncer, que reúne especialistas de universidades paulistas com financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Conteúdo político
Vem de longe o despreparo do País para o avanço científico, movido a falta de estímulo governamental e visão caolha do futuro. Eram concorridas as reuniões anuais da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) nos anos 70, auge da ditadura militar. Repercutiam dentro e fora da comunidade acadêmica internacional e das universidades brasileiras. Não era o conteúdo da pesquisa científica nacional, entretanto, que sobressaía, apesar do esforço da comunidade pensante e estudiosa em produzir.
O que merecia destaque nas primeiras páginas de jornais e revistas era o conteúdo político-ideológico de discursos que rangiam dentes contra o regime ditatorial instalado pelo golpe de 1964. Nomes de peso como o educador Paulo Freire, o economista Celso Furtado e o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, na época considerado um pensador de esquerda, encontravam nas reuniões da entidade campo fértil para criticar a submissão do País ao capital internacional e pedir reformas urgentes no ensino, para que milhares de crianças abandonadas pelo governo tivessem acesso às salas de aula.
Passados 30 anos, os encontros da SBPC sobrevivem praticamente restritos à comunidade científico-acadêmica e não têm tanta repercussão no Exterior. O fato de terem perdido impacto com o fim da ditadura, varrida na segunda metade da década de 80, é apenas um lado da questão. Nem faz diferença o pedido feito há alguns anos pelo agora presidente Fernando Henrique Cardoso para que fosse esquecida sua obra de cientista social — que inclui propostas para a economia brasileira nunca colocadas em prática.
A outra face da questão é que realmente faz a estrutura balançar. A ciência não progride no País porque a educação está a anos-luz de atingir meta estabelecida pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). O cidadão brasileiro passa em média apenas seis anos da vida na escola, metade do tempo ideal estabelecido pela Unesco para que um país supere a linha da pobreza. Esses seis anos representam dois a menos do que exige a (nunca cumprida) Constituição brasileira como período mínimo de escolaridade.
É uma minoria privilegiada de jovens brasileiros — um em cada 15 entre 20 e 24 anos — que consegue transpor as portas da universidade. E é uma minoria menor ainda que irá dedicar-se à pesquisa científica. Apesar de ter aumentado consideravelmente os investimentos em Educação nos últimos anos — de 3,6% do PIB (Produto Interno Bruto) em 1980 para 6% projetados para este ano –, o Brasil continua atrás de países desenvolvidos como o Canadá (7,3% do PIB) ou em desenvolvimento como o Zimbábue (8,5% do PIB).
É trágico conferir que 870 milhões dos seis bilhões de habitantes da Terra são analfabetos e que a eles estão incorporados 15% dos adultos brasileiros que não sabem ler ou escrever. Dados levantados pelo Banco Mundial indicam que as desigualdades na Educação crescem na mesma proporção que as sociais. Países ricos, que concentram 20% da população do planeta, respondem por 83% dos recursos mundiais destinados ao ensino. Aos países pobres, habitados por 80% da população planetária, sobram os 17% restantes. Esses recursos equivalem a pouco mais de 5% da soma de todos os PIBs.
Saber se o Brasil tem condições de acabar ou não com a exclusão no ensino é a grande questão. Há indícios de que se esforça. Em 1999 atingiu percentual de Primeiro Mundo e atendeu plenamente a meta estabelecida pela Unesco, ao colocar 95,4% das crianças entre sete e 14 anos em escolas de Ensino Fundamental.
Mas é ilusório imaginar que a criança irá desenvolver-se simplesmente porque conseguiu transpor a porta da sala de aula. Pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) põe às claras o conteúdo social da questão ao constatar que escolaridade e renda são irmãs siamesas. Regiões de maior poder aquisitivo têm maiores índices de escolaridade. Mas não apenas isso. Um em cada dois estudantes que passam por estreito funil e chegam à universidade desiste do curso por falta de condições financeiras para pagar a mensalidade. A universidade pública deveria dar prioridade aos menos afortunados. Infelizmente não é o que acontece.
Os números do Brasil universitário, onde rico estuda de graça e pobre paga, são alarmantes. Apenas 12% dos jovens entre 18 e 24 anos completam o Ensino Superior. Nos Estados Unidos e no Canadá esse índice está acima de 95%. Na Argentina e no Chile, países com menor poder de fogo econômico, respectivamente 36% e 26% dos jovens entre 18 e 24 anos conquistam o diploma universitário.
Fornecedor de cérebros
Sob o ponto de vista exclusivamente científico, o Brasil é fornecedor de cérebros para o Primeiro Mundo, apesar de concentrar volume expressivo de pensadores formados em universidades da América Latina.
Levantamento da USP (Universidade de São Paulo) indica que nos últimos 15 anos o País elevou de 0,4% para 1% o índice de participação em pesquisas científicas mundiais. Por esse número é possível perceber a largura do fosso que separa o desenvolvimento científico do Brasil e do Primeiro Mundo.
Transformações que mudaram radicalmente produtos, conceitos, processos de produção e estratégias de mercado e logística marcaram os últimos 10 anos, período que coincide com a globalização da economia. O aumento do índice para 1% é muito pequeno. Significa que praticamente só absorvemos tecnologia.
Ivan Chambouleyron ministra cursos de doutorado para cientistas formados no País que atuam nos principais centros da Europa e dos Estados Unidos. “Órgãos internacionais de pesquisa constituem uma rede cultural que não desperdiça potencialidades. A rede é estruturada para captar as grandes cabeças. No Brasil, infelizmente, acontece o contrário. Nosso sistema é perverso do ponto de vista de aproveitamento do potencial humano. O conteúdo político ainda é forte por aqui. Indicações e apadrinhamentos valem mais que capacidade. No Exterior, a filtragem de talentos é permanente, sobressaem-se os mais capazes. Não tem essa de recomendação de deputado” — assinala o professor.
Sem quantidade de mão-de-obra capacitada para atuar em laboratórios de ponta, que efetivamente produzem inovações, o Brasil terá mesmo de se contentar em ficar no bloco intermediário da globalização. Corporações multinacionais — ou transnacionais, como se diz hoje — investem em pesquisa nos países de origem por dois principais motivos: dispõem de cérebros e equipamentos de primeira linha em quantidade, e garantem soberania tecnológica às nações onde nasceram.
A indústria farmacêutica é caso exemplar, observa o pró-reitor de Pesquisa da Unicamp. “Trata-se de grandes grupos multinacionais que aproveitam nossos recursos naturais como plantas, testam produtos em laboratórios de nossas universidades apenas para coletar resultados e nos deixam na total dependência tecnológica. Essas pesquisas, que demandam bilhões de dólares, determinam que tipos de produtos químicos teremos de digerir. Nós, os brasileiros, somos apenas consumidores, pagamos pela novidade, pela marca e nem temos idéia de como é composto o preço. Temos de pagar e pronto” — constata o cientista.
Chambouleyron reconhece que, ao testar produtos desenvolvidos em centros do Primeiro Mundo, a ciência brasileira acaba por reter alguns conhecimentos importantes. E isso é atrativo para investimentos estrangeiros. É por isso que as montadoras de veículos mantêm centros de pesquisa no País, apesar de desenvolverem modelos de padrão mundial no Exterior. Aos centros de pesquisa nacionais cabem tarefas como adaptar os veículos às condições de legislação e trafegabilidade das ruas e estradas do Brasil.
Sabe-se, por exemplo, que aqui os amortecedores precisam ser reforçados para aguentar a profusão de buracos e saliências do solo causados por erosões. Materiais utilizados originalmente nos veículos produzidos no Primeiro Mundo precisam ser substituídos por outros mais resistentes quando adaptados ao Brasil.
Números de estudo realizado pelo economista Marcos Pochmann, do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), dão conta da concentração da qualidade no Primeiro Mundo gerada pela globalização: 70% da produção mundial de computadores é controlada por apenas 10 empresas. Outro clube fechado de apenas 10 empresas responde por 82% de todos os veículos que rodam no planeta. Os setores de processamento de dados e indústria petroquímica são quase que totalmente dominados por oito empresas cada.
O estudo de Pochmann (Globalização e Emprego: o Brasil na Nova Divisão Internacional do Trabalho) ressalta ainda que entre 1990 e 1998 os postos de trabalho qualificados foram reduzidos em 12,3% no Brasil, em números absolutos. Nesse período, cresceram 14,2% as ocupações menos qualificadas.
Nossas possibilidades
Ao considerar que a indústria aeronáutica brasileira tem possibilidade real de ser protagonista tecnológica no mundo globalizado, o cientista da Unicamp Ivan Chambouleyron leva em conta a importância que os aviões fabricados pela Embraer em São José dos Campos, Vale do Paraíba, conquistaram no Primeiro Mundo. Encarado mais sob o ângulo de poderio bélico do que de negócios, o setor aeronáutico recebeu generosos investimentos do regime militar pós-64.
“Quem diz que a Embraer não desenvolveu tecnologia própria e só copia a concorrência comete erro básico na análise. Aviões brasileiros voam nos céus de países desenvolvidos porque têm qualidade e tecnologia embarcada de ponta. Mercados do Primeiro Mundo são exigentes e permanentemente vigilantes com questões de patentes. Jamais consumiriam produtos que copiam tecnologias criadas por eles. O mundo desenvolvido compra aviões brasileiros porque são bons e atendem plenamente as expectativas, tanto quanto os demais concorrentes internacionais” — enfatiza Chambouleyron.
Outros três segmentos econômicos que o cientista vê como propícios para o Brasil ser protagonista são aços especiais, turismo e biotecnologia. O último, por causa da riqueza natural ainda pouco explorada cientificamente. É fundamental que o País comece a ser ágil desde já.
Questão relevante diz respeito a autoria de patente — e consequente retenção de tecnologia — quando produtos são desenvolvidos em multinacionais instaladas no Brasil. Caso exemplar ocorreu na maior unidade brasileira da gigante norte-americana Dana, em Gravataí (RS), onde um engenheiro brasileiro desenvolveu cruzeta para a linha de transmissão veicular que dispensa lubrificação. Até então, toda cruzeta necessitava de troca periódica de óleo para não sofrer dano.
Protótipo da peça foi levado para os laboratórios da Dana nos Estados Unidos, que desenvolveu linha completa de cruzetas que não precisam ser lubrificadas. O componente virou produto mundial, tem vida mais longa graças ao esforço do engenheiro brasileiro e ganhou uma divisão especial para sua produção nos Estados Unidos, denominada Lub For Life. A Dana concentra seus centros de pesquisa avançada nos EUA e Europa.
Investimentos em pesquisa são irrisórios no Brasil, mas aos poucos começam a aumentar. Nos últimos seis anos dobrou o aporte de recursos que se beneficiam de incentivos fiscais proporcionados pela Lei de Informática, nº 8248. Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia, foram investidos no ano passado R$ 600 milhões. A Lei de Informática isenta de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) empresas que aplicam 5% do faturamento em pesquisa, 2,3% dos quais devem ter como destino as universidades. No biênio 1998/99 a Unicamp injetou R$ 170 milhões em pesquisa. Já a Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica) apurou que multinacionais de grande porte investiram quase US$ 1 bilhão em pesquisa no Brasil em 1999.
De acordo com a entidade, essas corporações pretendem direcionar este ano, em pesquisa, 2,3% do faturamento em vendas no País. No ano passado, as mesmas companhias destinaram 1,9% das vendas para a ciência.
Grupo de 85 empresas abordadas pela Sobeet indica que reduzir custos de produção e melhorar a qualidade dos produtos são os dois principais fatores que determinam e estimulam investimentos em pesquisa no Brasil. Na sequência, as corporações informam que também aplicam recursos para desenvolver novos mercados e substituir processos de manufatura defasados ou produtos superados.
Outros itens não menos importantes figuram no levantamento da entidade como essenciais para investimentos: ampliação do mix de produtos, tornar a produção mais flexível, preservar o meio ambiente e melhorar as condições de segurança no trabalho. Como se observa, não há intenção de investir em descobertas e tecnologias de ponta.
O professor Ivan Chambouleyron critica cientistas que vêem na falta de recursos financeiros principal problema da pesquisa científica no Brasil. “A Fapesp realiza investimento satisfatório, equivalente a 1% do que o Estado de São Paulo arrecada com indústrias. A questão é que temos número insuficiente de cientistas. Essa é a grande falha no discurso dos profissionais que atuam em laboratórios” — analisa o pró-reitor da Unicamp. Chambouleyron acredita que, se o País tivesse mais cabeças pensantes, o interesse de multinacionais em investir no desenvolvimento de produtos inéditos seria proporcional.
O cientista enfatiza que é preciso questionar o problema sob ponto de vista global. “A sociedade também tem de participar desse processo. Precisa constituir entidades para erradicar o analfabetismo, melhorar a distribuição de renda, não permitir que uma única criança fique sem escola, ampliar a presença do jovem na universidade. O povo precisa ser ator nesse processo. De nada adianta a universidade brasileira formar uma dúzia de celebridades. Pode ser bom, mas não é suficiente. Temos brasileiros de nível internacional atuando em design, mas são poucos. Precisamos de milhares e milhares de celebridades. Aí sim teremos vez no mundo globalizado” — acredita.
Chão de fábrica
Formado em Engenharia Elétrica na Argentina, com especialização na Holanda, doutorado na França e experiência de trabalho no México, o professor Chambouleyron veio para o Brasil atraído por proposta da Unicamp para desenvolver seu projeto de conversão de energia solar e está há 21 anos na universidade. Conhecedor do quadro econômico e social do Estado de São Paulo, ele tem importante experiência vivenciada no passado para transmitir principalmente às regiões onde é marcante a presença da indústria. “O Brasil precisa de universidades tecnológicas que dêem suporte a quem trabalha na indústria. Uma universidade flexível, diferente da que existe hoje no País, que cuide de transmitir conhecimentos práticos nas horas de folga do trabalhador, no período noturno ou nos fins de semana” — expõe.
Foi justamente a tarefa de formar e aprimorar mão-de-obra especializada para o chão de fábrica que Ivan Chambouleyron cumpriu no biênio 1973/74, em Buenos Aires, época em que foi reitor da Universidade Tecnológica Nacional da Argentina. Criada em 1952 pelo então presidente Juan Perón, a universidade argentina tem campi em 24 cidades e mais de 30 mil alunos. As aulas são exclusivamente à noite e aos sábados. Só podem ser matriculados alunos que estejam efetivamente trabalhando em indústrias, sob contrato profissional. “Essa universidade forma mais da metade dos engenheiros que a Argentina produz. São os chamados engenheiros de fábrica, que atuam diretamente na produção, não ficam fechados em escritórios. Eles transmitem aos demais trabalhadores a cultura tecnológica. É a superinteligência no chão de fábrica” — relata o pró-reitor da Unicamp.
Ensinar tecnologia
A reportagem Peão Uma Ova!, publicada por LivreMercado em junho último, destacou a importância do ensino de tecnologia no chão de fábrica. Globalização, produtividade e competitividade mudaram o cenário interno da indústria e exigem reciclagem e recapacitação permanente dos trabalhadores. Não é por acaso que grandes corporações multinacionais instaladas no Brasil têm se associado a universidades para desenvolvimento de cursos específicos para moldar os funcionários à nova realidade econômica. Quando optou por instalar sua fábrica de motores em São Carlos, na Alta Mogiana, a Volkswagen considerou fundamental a disseminação de conhecimentos proporcionada pelos cursos de Engenharia e Tecnologia mantidos na cidade pela USP e Universidade Federal.
Visionários do porte do empreendedor Abraham Kasinski, que construiu a Cofap, uma das maiores fabricantes de amortecedores do mundo, há muito apregoam a importância de o Brasil desenvolver universidades voltadas ao ensino de tecnologia. Fundação que leva o nome do empresário desenvolve desde 1993 em Mauá, no Grande ABC, projeto de implantação de uma Universidade do Trabalhador em moldes parecidos com a instituição que o cientista Ivan Chambouleyron comandou na Argentina.
O centro de ensino já tem protocolados no Conselho Estadual de Educação os cursos de Química Fina, Eletromecânica, Práticas Comerciais e Secretariado Executivo. O sonho de Kasinski é formar tecnólogos que agreguem conhecimento proporcionado pelo Ensino Superior ao chão de fábrica.
Exemplo prático da integração indústria/universidade foi selado recentemente pela Ford, que tem plantas industriais no Grande ABC, na Capital e no Vale do Paraíba. A montadora assinou convênio de intercâmbio científico na área de logística com a Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras da Faculdade de Economia e Administração da USP para acrescentar novos conhecimentos aos funcionários.
O resultado, já de olho no futuro, é que será criado dentro da universidade o Centro de Pesquisa em Logística Integrada à Controladoria e Negócios com a expectativa de ser transformado, em breve, em curso de MBA (Master Business Administration). Antonio Taranto, gerente de Desenvolvimento da Rede de Distribuição da Ford e um dos idealizadores do convênio, afirma que a logística é tão importante que até interfere no projeto de carroceria de um veículo. “É preciso levar em conta a estocagem e transporte como fatores para otimização dos custos do produto” — afirma o executivo.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!