Economia

Correndo atrás
do prejuízo

DA REDAÇÃO - 05/06/1997

Tacada de marketing ou visão de modernidade? Jogada política ou sincera intenção de passar a limpo o beligerante sindicalismo que estigmatizou o Grande ABC? Nenhum item deve ser desprezado nesse coquetel já batizado de nova era dos Sindicatos -- os dois principais deles no País, os metalúrgicos do ABC e os metalúrgicos de São Paulo - tentando mudar de figurino desde o mês passado. A saia, porém, é mais justa do que imaginam.


 


Depois de os excessos trabalhistas e a nova ordem globalizante deixarem o Grande ABC engolindo poeira com a fuga de empresas atrás de custos mais baratos, sobretudo com mão-de-obra, seu mais poderoso Sindicato anuncia estar de mãos estendidas para negociações e parcerias. O 2º Congresso da categoria, filiada à combativa CUT, encerrou-se em meados de maio com uma até então impensável proposta às lideranças para reduzir o número de greves.


 


Ao mesmo tempo, na Capital, a Força Sindical subia ao palco para roubar a cena com uma inusitada barganha de mais empregos, menos salários e impostos. Os donos do Tesouro, governo federal na proa e Estado de São Paulo no timão, já declinaram do convite alegando a notória indigência de caixa, que não permite um centavo sequer de renúncia fiscal.


 


Por trás de todo o barulho, porém, há de tudo. Desde transformações profundas até encenações para a mídia. Os metalúrgicos do ABC acabaram fazendo um mea-culpa sobre seu quinhão de responsabilidade na evasão de indústrias e investimentos da região. Ao inchar ao longo dos anos o Custo ABC com mão-de-obra cara, muitas vezes à custa de cenas de faroeste com invasão de empresas e arrastões com cordas para intimidar companheiros, o Sindicato deixou o parque produtivo vulnerável demais para a abertura comercial.


 


A infra-estrutura esgotada e a guerra fiscal que se seguiu foram a pá de cal nos planos de atratividade da região. Agora o trabalhismo corre atrás do prejuízo, tentando proteger o parque remanescente da concorrência.


 


O presidente do Sindicato, Luis Marinho, não define a nova postura como de revisão, mas de evolução. Não assume sozinho a responsabilidade pelas agruras das empresas da região. Divide o ônus com o obsoleto Porto de Santos e a precariedade da malha viária e rodoviária. Mas demonstra elogiável dor na consciência sindical, ao dizer que as greves tornaram-se impopulares, caras e ineficientes tanto do ponto de vista trabalhista quanto capitalista.


 


Foi mais longe, ao afirmar ser preciso redespertar a vocação de desenvolvimento do Grande ABC, com abandono das armas do antagonismo e ações para atrair investimentos que preservem e criem empregos. Uma forma de aproximação com as empresas está nos comitês de base, organismos pelos quais diretores do Sindicato vão estar mais presentes dentro das empresas.


 


"Serão canais permanentemente abertos para resolução de problemas, a fim de que as pendências não se acumulem e cheguem ao ponto de só serem solucionadas com paralisações" -- define Marinho.


 


Neutralizando radicais


Há quem interprete nos novos comitês uma forma de os diretores sindicais, com perfil de líderes mais modernos, neutralizarem a ação de radicais que ainda sensibilizam as bases. Marinho afirma que, comprovadamente, onde há diálogo, as greves evaporam. Cita o acordo automotivo de 1992, a partir do qual não se registrou nenhuma grande paralisação em montadoras do Grande ABC.    


 


Na verdade, os cálculos derrotaram a greve como paradigma para conquistas. Cada dia parado custa 3,3% do salário mensal, ou 2,75% do rendimento anual, número salgado demais diante de aumentos reais que não chegam a isso com a estabilidade monetária, reconhece Marinho. Mais do que cálculos, a globalização enfraqueceu os Sindicatos diante de conceitos de redução de custos e mais produtividade, pois a luta por conquistas sociais e salariais cedeu lugar à batalha pelo emprego. Só na base metalúrgica do Grande ABC foram ceifadas 100 mil vagas e calculam-se em mais de mil as empresas que bateram em retirada ou fecharam.


 


Números do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo são eloquentes sobre o refluxo das greves porque a conjuntura não mais as permite. A quantidade de dissídios por greve, que chegou a 401 em 1994, caiu para 256 no ano passado e não deve ultrapassar a 170 este ano. No Grande ABC, as paralisações sofreram verdadeira lipoaspiração: 653 em 1980, apenas 149 no ano passado.


 


Principal linha auxiliar dos Sindicatos, o Dieese, Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas, confirma essa tendência de que o trabalhador faz greve hoje para receber, não para aumentar salários. Das 67 paralisações em janeiro, 66% tiveram como origem atrasos salariais.


 


Não se pense, entretanto, que as greves serão sepultadas. "São importantes para forçar negociações junto a empresários que não atingiram nosso grau de maturidade" -- diz Luis Marinho, reivindicando como contrapartida às novas ações dos metalúrgicos que também as empresas sejam flexíveis. Entenda-se por isso maior grau de participação dos funcionários nos rumos das organizações, qualidade de condições de trabalho, qualificação profissional, maior distribuição de renda e divisão de resultados.


 


Marinho garante que o Sindicato tem sido maleável com empresas encostadas na parede pela competitividade, sobretudo as de pequeno porte. Os trabalhadores são desencorajados de atos violentos e são chamados a colaborar até com produção sem receber salários por algum período. 


 


Tirar de campo o grevismo dos últimos 20 anos e substituí-lo pelo sindicalismo de diálogo também foi atitude decorrente do xeque-mate em que o trabalhismo foi colocado pela onda de mobilização que varre o Grande ABC em torno da Câmara Regional, foro que busca alternativas para o desenvolvimento econômico e social local.


 


Contendo os excessos


Mesmo com o discurso conhecido de que o sindicalismo incendiário foi necessário para quebrar a linha-dura do governo militar e dos empresários de então, as atuais lideranças já não se deixam dominar pela esquerda radical de direções passadas porque sabem que os canais de diálogo se fecham aos xiitas. Se os modernos conceitos de administração empresarial isolaram o sindicalismo em relação a reivindicações descabidas dentro da nova realidade de custos, a Câmara Regional também pretende inocular correntes que rezem pela cartilha do confronto.


 


Os Sindicatos vêm aprendendo isso. Mostrarem-se dispostos ao maior diálogo tem a ver também com o puxão de orelhas que levaram de empresários, políticos e entidades civis após a derrapagem com a manifestação de protesto contra o presidente Fernando Henrique Cardoso na inauguração, em abril, da linha do KA na Ford, um dia depois de erguerem a ponte da adesão à Câmara Regional. Foi um desgaste político desnecessário na imagem.


 


Enquanto os metalúrgicos do ABC discutiram durante seis meses para chegar às resoluções do 2º Congresso -- que ratificou a postura de acabar com o imposto e a contribuição sindicais, substituídos pelo reforço da base através de adesões voluntárias, adensou a luta pela jornada de 40 horas e fim da hora extra, além da criação dos comitês de base para levar o Sindicato para dentro das fábricas na tentativa de ampliar negociações e reduzir greves --, a Força Sindical também debruçava-se em estratégias.


 


Na ânsia de demonstrar que quer ter postura igualmente participativa, desenvolveu inúmeras simulações de como uma surpreendente jornada de apenas 30 horas semanais pode alavancar empregos e riqueza num Brasil goleado pela maior produtividade, maior poder aquisitivo e superior escolaridade dos países desenvolvidos.


 


Segundo Paulo Pereira da Silva, presidente dos Metalúrgicos de São Paulo, e Luiz Antonio de Medeiros, capitão da Força Sindical, só na indústria seriam criados 4,42 milhões de empregos se os funcionários deixassem de trabalhar 44 horas semanais e se dedicassem a apenas 30. Se todos os setores aderirem -- comércio, serviços, governo --, serão 15 milhões de novas vagas.


 


Todos, porém, têm de colaborar: trabalhadores e empresários cortariam 10% dos salários e dos lucros, respectivamente, os encargos sociais teriam de ser reduzidos em 7,18% e o governo precisaria abrir mão de R$ 9,7 bilhões em impostos, numa renúncia de arrecadação que chegaria a 37,36%.


 


Os secretários estaduais de Fazenda torceram o nariz e já saíram de campo, o governo federal empurrou com a barriga e diz que vai estudar melhor a proposta e a poderosa Fiesp, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, não se comprometeu, restringindo o acerto a apenas três de seus Sindicatos patronais: o de laminação, o de metais não-ferrosos e o da indústria de refrigeração.


 


A rival CUT, Central Única dos Trabalhadores, desdenhou de imediato. O presidente Vicente Paulo da Silva diz que, além do potencial rombo nos cofres públicos, sobretudo o da Previdência, não leva a parte alguma reduzir jornada junto com salário, porque se estará limitando o poder aquisitivo, o mercado consumidor e, por consequência, o emprego. "É dar um tiro no pé" -- completou Luis Marinho. Ambos querem jornadas menores, sim, mas com os salários preservados.


 


Colisão total


Se a proposta da Força Sindical soa surrealista pelo tamanho das horas não-trabalhadas (31% a menos) em um País que precisa produzir e ganhar escala para competir com preços menores, também bate de frente com experiências recentes. O próprio empresário Nildo Masini, que subscreveu a idéia pelo Sindicato de Laminação, admitiu que a redução da jornada fixada pela Constituição de 88, de 44 horas para 40 horas semanais, não gerou um único emprego -- ao contrário, a indústria teria enxugado 2,86% das vagas -- e só fez aumentar as horas extras. Culpou o governo, porque não deu sua cota-parte com a diminuição de impostos e encargos sociais.


 


Nada indica que isso se altere agora. Além disso, há no horizonte cenário diferenciado com o avanço das tecnologias e automação, novos conceitos de gerenciamento e terceirização, que fazem reduzir o volume do emprego industrial. Estudo da PUC, Pontifícia Universidade Católica, do Rio de Janeiro, mostra que de janeiro de 1990 a fevereiro de 1997 o emprego nas fábricas baixou 40%, enquanto o salário médio de quem restou subiu invejáveis 35%. O levantamento indica que é bastante limitado o efeito da redução da jornada na criação de novas vagas: para cada 1% a menos gasto com salário e encargos, o nível de emprego na indústria sobe tão somente 0,23%.  


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