Imprensa

Reformismo solapado (34)

DANIEL LIMA - 08/03/2007

Considero a edição abaixo, de Capital Digital Online, uma das mais importantes entre tantas à frente da Redação do Diário do Grande ABC. Especialmente porque, de forma sucinta, faço balanço de sete meses de atuação de um total contratado publicamente de 60. Quando insisto em dizer que havia contrato público com o Diário do Grande ABC de que desempenharia a função de diretor de Redação por no mínimo 60 meses, quero dizer exatamente o seguinte: o contratante não honrou o compromisso e, entre outros prejuízos evidentes, desrespeitou a comunidade regional que se fez representar no Conselho Editorial, preparado por este profissional e que tomou posse exatamente no dia seguinte ao 21 de fevereiro de 2005, data da edição de Capital Digital Online que segue.


Grande ABC, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005


Um abecedário de evolução
da Redação em sete meses


Estamos completando hoje, 21 de fevereiro, sete meses de ações no Diário do Grande ABC. São 11,6% da trajetória do plano plurianual de recuperação editorial do veículo que, em 2008, quando o Planejamento Estratégico Editorial estará consumado em sua primeira fase, terá completado o cinquentenário.


Entendo que no cômputo geral, entre avanços e recuos permanentes — mas não tão pronunciados e irritantes quanto nos primeiros meses –, os resultados são positivos. De forma sucinta, elencamos alguns pontos que possibilitaram essa melhoria. Convém ressaltar, entretanto, que o resultado ainda está muito longe do que pretendemos.


Transcrevo, na sequência e de improviso, sem nada preliminarmente anotado, mas tudo fruto de memória colocada em xeque no final da noite deste domingo em meu escritório domiciliar, o que chamaria de “Abecedário de Evolução” da Redação do Diário nesse período.


a) A regionalidade editorial é nossa doutrina. As cinco editorias que chamaria de “quentes”, cujas ações têm compromisso com o dia seguinte, estão assimilando a necessidade de transformar em protagonistas os agentes regionais, não os alienígenas que nos chegam por meio de agências de notícias. Era muito cômodo trabalhar sem vínculos tácitos com manchetes regionais, porque não se tinha responsabilidade com as transformações sociais.


b) As reuniões de pauta são mais objetivas e estão fundamentalmente relacionadas ao produto que vai sair no dia seguinte, não a virtualismos que não se cristalizam. O enfoque de regionalidade retirou qualquer sombra de dúvida sobre o que pretendemos. A conclusão parece de obviedade estonteante, mas quem viveu a Redação nesses anos todos sabe distinguir o passado do presente.


c) Aos poucos a contextualização de informações transforma o jornal não em veículo insosso de notícias, mas em compromisso permanente com a informação qualificada, metabolizada, aprofundada. Poderia citar mil exemplos, mas basta a manchete de hoje: transformamos um assunto eminentemente policial em texto sociopolicial. Agregar valor à informação e, com isso, retirar o trabalho jornalístico do critério raso de notícia, eis o nosso desafio permanente. Parece simples, mas a catequese exige martelamento constante.


d) Os repórteres estão sendo prestigiados. Eles trabalham pelas manchetes e, inclusive, participam de reuniões de pauta quando especialmente chamados. Introduzimos essa novidade porque o compartilhamento do texto com outros executivos de Redação é decisivo para avaliação mais adequada do que poderemos levar aos leitores. Ninguém melhor do que o repórter que está apurando a matéria para traduzir os acontecimentos que vão virar notícia. E ninguém melhor do que os principais executivos de Redação para hierarquizar as matérias que os leitores vão consumir no dia seguinte.


e) O banco de horas virou sucata. Ainda não atingimos a eficiência que exijo, mas acabou a industrialização de horas. A redação era uma casa sem dono, onde, sem controle, o que mais se produzia era um amontoado de créditos contra a empresa e, muito pior que isso, uma desprezível lógica de improdutividade. Há uma extensa lista de abusos, desrespeitos, oportunismos e despautérios resultante da absoluta incompetência de gerenciamento do banco de horas que, felizmente, está, se não controlado, pelo menos distante da barafunda de até então.


f) Os editores e os secretários passaram a exercer controle mais rígido da qualidade do produto a partir do nascedouro da pauta, não mais no fechamento da edição diária. Ainda apresentamos buracos, ainda estamos longe do ideal, mas houve sensível melhora. Para que os leigos entendam: a linha de produção redacional não tinha monitoramento e o que decorria do trabalho era praticamente publicado no dia seguinte.


g) As pressões externas, formadas basicamente por gente que pretende se locupletar com o jornal, foram retiradas do radar de preocupação. Ainda existe uma ou outra fonte mais abusada que tenta vender gato por lebre, mas estamos atentos. O jornal não pode ficar refém de forças externas, sejam quais forem. Muitas estão aí apenas para desmoralizar nossa imagem, descaracterizar nossas lutas.


h) Melhoramos o índice de qualidade dos textos, mas, infelizmente, estamos anos-luz do desejado. Isso não significa que não atingiremos a meta. Quando a Redação estiver dotada de equipamentos que possam ser chamados de tecnologicamente saudáveis, passaremos a imprimir novo ritmo de cobrança. O modelo de copidescagem na própria tela de computador será aposentado porque é comprovadamente estúpido.


i) As editorias de Economia e de Política Regional continuam as menos efetivas em equilíbrio de qualidade, mas já avançaram bastante. Entendo perfeitamente as dificuldades que a maioria dos profissionais encontra para dar vazão a novos saltos, porque é preciso desativar as bombas de uma cultura conservadora que transformava a Política Regional em extensão de Câmaras de Vereadores e, na Economia Regional, em rebotalho de coberturas oficiais, de repercussões sempre com as mesmas e viciadas fontes. O deslocamento dos secretários Eduardo Reina, Marcelo Moreira e Fausto Siqueira para as duas editorias, incorporando novas funções, ajuda a explicar os ganhos de qualidade. Mas queremos muito mais. Felizmente, já não publicamos números fraudulentos, já não construímos fantasias macroeconômicas, já não damos vez a maquiagens estatísticas.


j) O Caderno Cultura & Lazer tem respondido a contento às demandas de regionalidade de cobertura de eventos e também avança no questionamento de atividades públicas na região. Temos, entretanto, comentado com os responsáveis pelo setor que ainda não atingimos o que espero. Precisamos que o caderno seja crítico também no dia-a-dia, não apenas ou principalmente nas edições de domingo. Quanto mais o jornal se posicionar sobre o acervo cultural na região, mais o poder público será tentado a tratar a pasta com mais interesse. Em termos comparativos, Cultura & Lazer apresenta a melhor performance média entre todas as editorias.


k) Também estou satisfeito com o Caderno de Esportes, mas valem as mesmas observações relacionadas ao Cultura & Lazer. Precisamos apurar a função mais crítica e, principalmente, retirar o excesso de torcida das matérias relativas aos clubes da região. Não precisamos exagerar em adjetivos para provar que queremos o melhor dos nossos times. A Folha de S. Paulo é a melhor referência de caderno esportivo.


l) Setecidades, com o suporte de Rita Camacho e também de Lola Nicolas, tem apresentado sistêmico quadro de melhoria. A editora Cláudia Fernandes destaca-se pelo cuidado editorial. A equipe é jovem, com evidentes dificuldades de compreender o grau de importância do noticiário que produz, mas temos esperanças de que o amadurecimento será um presente para todos. Uma equipe bem estruturada e com exemplos de chefia competente acaba por desabrochar sempre. Setecidades lida diariamente com uma elasticidade de problemas do cotidiano, por isso exige cuidados redobrados.


m) Demos um show de cobertura nas eleições, no Carnaval e na morte de Luiz Tortorello, momentos mais complicados nesse período pelas características específicas de cada temário. Respondemos a essas demandas com muito empenho.


n) Também estamos nos saindo muito bem em temários especiais, como a cobertura de tudo que se relacionar de importante no Consórcio Intermunicipal de Prefeitos. Colocamos o Rodoanel no temário regional e os nossos homens públicos estão correndo atrás da bola. Essa é a principal função do jornalismo cidadão: ancorar o que de fato interessa à comunidade regional.


o) Também estamos dando show de responsabilidade regional com a permanente pauta da Universidade Pública Federal do Grande ABC. Não vamos dar folga a ninguém. Depois de aprovada, vamos brigar por currículo decente, que favoreça o desenvolvimento econômico da região. O jornal tem coberto com bastante interesse e competência esse assunto, principalmente porque conta com setorista exatamente para chutar a bola em gol, no caso Andreia Catão.


p) Adotamos para as questões mais relevantes o que chamaria de coordenadorias especiais. Trata-se de reunir um grupo de profissionais, sob o comando de um dos secretários, para atuar circunstancialmente em determinada pauta. Foi assim com Rita Camacho no Carnaval, com Eduardo Reina na posse de William Dib na presidência do Consórcio Intermunicipal e com o mesmo Eduardo Reina na cobertura do temário Rodoanel no mesmo Consórcio Intermunicipal. Juntamos, nessas ocasiões, repórteres de distintas editorias. Todos perceberam o valor do que chamamos de equipe.


q) Estamos conseguindo reduzir o intervalo de troca de fotos, um dos maiores problemas do jornal ao longo dos anos. Embora os mecanismos de controle sejam frágeis, temos contado com a boa vontade de todos os envolvidos. Mas a blitz precisa ser permanente. A Secretaria é parte integrante desse rastreamento. Não há jornal que resista à troca de fotos. Diria que uma das medidas de avaliação da qualidade editorial de um jornal diário está na frequência com que legendas e fotos não combinam. Não há nada pior que a reincidência do erro. Passa-se atestado público de incapacidade de organização.


r) O ambiente na Redação está visivelmente melhor. Tivemos de recorrer recentemente a algumas demissões, sempre em decisão compartilhada com membros da Secretaria, mas nem por isso houve trepidações. E nem deve haver, porque o que todos queremos é colocar nas ruas um jornal melhor, independente, maduro, capaz de saber distinguir crises fabricadas de crises reais.


s) Quem visita o jornal sabe que o endereço para entrevistas é o terceiro andar. Essa mudança foi indispensável para que a diplomacia diretiva do sexto andar não seja eventualmente confundida com servilismo editorial. Ganhou a Redação, ganhou a Diretoria. Quando se afasta da Redação o controle da informação, esgarça-se o tecido do distanciamento mínimo que deve prevalecer entre jornalismo e relacionamento corporativo-institucional.


t) Fizemos alguns ajustes que, entretanto, ainda não chegaram ao fim. Temos alguns profissionais menos apropriados a determinadas funções editoriais e que, portanto, exigem deslocamentos. Trata-se unicamente de certa inaptidão para desempenhar tarefas sobre as quais se lançam há muito tempo.


u) Alguns profissionais melhoraram claramente a rentabilidade editorial depois de terem sido mais continuamente levados a observar seus erros. Pior que a falta de relacionamento instrutivo é o recado mal dado, a omissão diante de erros. Há casos que pareciam insuperáveis mas que evoluíram muito e nos permitem dizer que valeu a pena ter um pouco de paciência. Só não podemos ter mais paciência com quem não consegue entender que jornalismo não é benemerência.


v) Ainda não conseguimos encaixar eficiência sustentável no acabamento do jornal que mandamos aos leitores. Perdemos qualidade em gráficos, em quadros, em parafernálias que dão suporte ao aumento da audiência do produto. Temos um vaivém que decorre de questões estruturais, mas é inquestionável que já fomos piores.


x) As coberturas de finais de semana também já foram piores, com improvisos catastróficos como os de deslocar gente que jamais viu uma bola de futebol para fazer a cobertura de jogos importantes. Entretanto, espero por novos saltos. O conceito de plantão passivo precisa ser urgentemente eliminado. Temos manancial enorme de pautas para serem exploradas.


z) Todos que apostaram numa derrocada da Redação, depois de construírem fantasias sobre o novo comando, desprezando o histórico deste profissional, simplesmente caíram do cavalo porque desprezam o princípio que mais prezo: é impossível, absolutamente impossível, fazer uma boa omelete sem ovos. Quem tem equipe tem meio caminho andado ao sucesso.


CONTEXTUALIZANDO
Creio que esta edição dispensa comentários, exceto num ponto: a transferência de entrevistas com visitantes para as dependências da Redação, no terceiro andar, em vez de o repórter ou os repórteres terem de subir ao sexto andar, onde, durante o trabalho, eram praticamente engolfados por diretores do Diário do Grande ABC. A submissão da Redação aos caprichos diretivos de outras áreas é o caminho mais curto para a desmoralização da classe de jornalistas. Sem falsa modéstia, a Redação do Diário do Grande ABC recuperou a dignidade institucional durante aqueles nove meses. Por isso que foram apenas nove meses.


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