Promessa feita, promessa cumprida: apresentamos na sequência o que chamaria de Agenda para o Desenvolvimento Sustentável do Mercado Imobiliário. Tomei essa providência entre outros motivos porque é preciso atingir o fígado da irresponsabilidade social que marca a atuação da Acigabc, a Associação dos Construtores do Grande ABC, comandada há mais de duas décadas pelo empresário Milton Bigucci. É um chute certeiro no vácuo de comprometimento de uma instituição que trata diretamente com um produto da cesta básica de cidadania.
O que os leitores vão encontrar na sequência é uma exposição breve, espécie de vitrine. O detalhamento implicaria em aprofundamentos que tornariam o agendamento do mercado imobiliário porta aberta à dispersão. Optamos pela síntese na expectativa de que, quem sabe, algumas almas bondosas resolvam comprar a ideia.
No fundo, no fundo, não acreditamos nisso. Pelo menos enquanto prevalecer no mercado imobiliário a ideologia mercadista que ignora completamente a sociedade. Sempre com o aval de uma quase totalidade da Imprensa sujeita demais a pressões de investimentos publicitários.
Essa Agenda de Desenvolvimento Sustentável do Mercado Imobiliário é um ensaio inaugural de trabalho jornalístico que se estenderá por muito tempo, porque decidi direcionar a lupa crítica ao tecido espacial submetido aos caprichos de gente mais que insensível à qualidade de vida: gente que se esgueira nos escaninhos do setor público para turvar o futuro que sempre haverá de chegar.
Insistimos na afirmativa de que o que se segue é apenas uma amostra breve que demandaria aprofundamentos. Não há qualquer inconsistência à execução dessas medidas. Basta arregaçarem as mangas. Infelizmente, esse é o grande nó nas questões que envolvem essa importante atividade econômica: poucos se propõem ao menos a acreditar que há uma correlação estreitíssima de origem e efeito entre uma nova e invasora torre de apartamentos que se constrói numa avenida já entupida e a consulta médica agendada para investigar aquela dorzinha que insiste em incomodar a região torácica.
A humanização da sociedade, principalmente em regiões metropolitanas já tão degradadas pela ganância imobiliária e pela leniência dos gestores públicos, haverá um dia de ganhar formas que não sejam de reverência ao concreto armado e às fachadas suntuosas que desumanizam as relações sociais.
Mapeamento do IPTU residencial, comercial, serviços e industrial.
Explicação – Não basta contar com números orçamentários genéricos de arrecadação do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Esse é um modelo defasado, antiquado e insolvente adotado pelos administradores públicos. O IPTU deve ser escarafunchado de tal modo que se tenha completa radiografia dos valores médios por áreas geográficas de cada Município. Só assim será possível captar prováveis distorções que beneficiariam grandes proprietários em detrimento de outros, ou mesmo de disparidade em situações semelhantes. Parte dos recursos amealhados pelas prefeituras poderia ser destinada à vinculação do desenvolvimento econômico e social dos respectivos bairros, num processo de personalização do tributo, tornando-o mais visível aos contribuintes no sentido de retorno da intervenção pública.
Composição de Conselho de Ética contando com representantes da sociedade civil.
Explicação – O organograma da Associação dos Construtores não pode prescindir de instância que exerça severa vigilância ética sobre a gestão de uma atividade com forte imbricamento social. Um Conselho de Ética formado por instâncias da sociedade, entre as quais a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o Procon, dinamitaria práticas corporativistas que sequestram valores de cidadania.
Políticas proativas para disciplinar a contratação de agentes de distribuição de material propagandístico em vias públicas.
Explicação – A gravidade de situação já detectada e muito além do que se apresenta oficialmente é suficiente para que a medida seja tomada imediatamente. Manter menores de 16 anos nas ruas como frágeis braços de aluguel na distribuição de panfletos de promoção do mercado imobiliário é um convite às emboscadas da criminalidade, como alertam especialistas. Lugar de criança e adolescente é na escola.
Mapeamento completo de áreas industriais disponíveis.
Explicação – Faltam estatísticas que identifiquem a realidade do estoque de áreas industriais que possam ser catalogadas à atração de novos investimentos. Um banco de dados com informações e características desses espaços é o primeiro passo a empreitadas de várias tonalidades econômicas, entre as quais o encaixe de valores por metro quadrado. O reino da especulação viceja aonde há escuridão de informações.
Gradualismo na utilização da mecânica de aplicação de outorgas onerosas.
Explicação – A introdução do anteparo de outorgas onerosas para atenuar impactos ambientais e viários de edificações excessivamente verticalizadas ainda está longe do ponto ideal. O adicional financeiro exigido para elevar o índice de construção com consequente investimento dos valores em serviços públicos, não é de todo resolução amenizadora dos impactos dos grandes empreendimentos imobiliários. Está certo que a redução dos limites de construção em relação à área física de determinado terreno significa avanço nas relações do Poder Público e o mercado imobiliário, mas é possível melhorar. O gradualismo sugerido é simples: o peso financeiro das outorgas onerosas seria menor na medida em que os endereços pretendidos pelos investidores imobiliários se afastassem de uma lista previamente definida de corredores viários mais intensamente disputados. Ou seja: contrapartidas financeiras seriam abrandadas quanto mais os empreendimentos imobiliários se afastarem das áreas comercialmente mais nobres.
Completa transparência administrativa, incluindo-se atividades empresariais dos dirigentes da entidade.
Explicação – Os dirigentes da Associação dos Construtores são agentes sociais, por conta do envolvimento público do setor. Por isso, suas atividades empresariais não podem dissociar-se de base ética que os iniba, quando não os impeça, do acesso a privilégios que a interlocução com o setor público possibilita em tratativas institucionais de uso implicitamente particular.
Comitê misto de avaliação das relações entre agentes econômicos e mutuários de imóveis.
Explicação – Há elevado número de problemas que envolve o mercado imobiliário, denunciado aos agentes de proteção dos consumidores de produtos e serviços. O mercado imobiliário é um dos maiores destinatários de queixas de mutuários. Por isso, tratativas de resoluções que envolvam os dois lados dessa mesa de permanentes embates precisam ganhar foro específico de representantes dos dois segmentos. Tudo, entre outras razões, para racionalizar medidas profiláticas, eliminando efeitos de dispersão e baixa resolutivamente que decisões entre as partes beligerantes procuram solucionar nem sempre com a força do argumento e dos direitos previstos.
Organização estatística do valor do metro quadrado na venda de imóveis novos e usados.
Explicação – Os anúncios de compra e venda de imóveis novos e usados colocam no mesmo saco produtos completamente diferentes. Características físicas e localização são praticamente ignoradas na formulação de preços. Tratam o mercado imobiliário de cada Município como tecido homogêneo. Na realidade são pontos muitas vezes complemente distintos. Um banco municipal do valor do metro quadrado para venda de imóveis usados e novos que leve em conta entre outros pontos a localização geográfica poderia permitir entre outros benefícios maior velocidade de venda e drástica queda do grau de especulação que a barafunda patrocinada pelos agentes imobiliários fomenta. Se alguém convencer um potencial comprador que dois imóveis semelhantes em características físicas podem ser avaliados no mesmo patamar financeiro embora estejam em bairros completamente distintos, o primeiro de classe média tradicional e o segundo de classe média emergente, o banco de dados não teria sentido algum.
Organização estatística do valor do metro quadrado na locação de imóveis novos e usados.
Explicação – Os mesmos princípios que regeriam o mercado de venda de imóveis novos e usados poderiam ser introduzidos no banco de dados de imóveis à locação. É preciso especificar as diferenças para estabelecer valores distintos. E isso só é possível com o suporte de agentes imobiliários de campo, os corretores. Ninguém melhor do que eles para acompanhar em tempo real o andar da carruagem do mercado imobiliário.
Pesquisa anual para aferir o manancial de questões que movimentam o mercado imobiliário.
Explicação – A produção de questionário detalhado que seria aplicado principalmente pelas imobiliárias poderia detectar, anualmente, tendências microeconômicas do mercado imobiliário de cada um dos municípios da Província do Grande ABC. É possível antecipar alguns movimentos de construtoras e incorporadoras a partir dos radares informativos dos corretores que atuam no front, longe portanto dos gabinetes refrigerados. Muitas demandas saltariam às pranchetas dos pesquisadores.
Projetos para a ocupação harmoniosa dos principais corredores viários e seus entornos.
Explicação – A febre do mercado imobiliário longe está de apresentar sintomas de loucura. Muito pelo contrário: os investimentos são planejadamente executados para obterem o maior índice possível de retorno financeiro. Os principais corredores viários são o centro dos ataques, intensificando-se medidas de elevação do preço do metro quadrado como mecanismo retroalimentador de novos empreendimentos. A participação do Conselho de Ética no aprofundamento de análises de especialistas que seriam recrutados para mergulhar nas entranhas dos investimentos correria na mesma raia de responsabilidade na aprovação de cada projeto nas instâncias públicas. Os impactos sociais e ambientais de cada lançamento imobiliário nos eixos viários mais suscetíveis à demanda veicular seriam detalhadamente medidos de modo a não se incorrer no agravamento do quadro de desastre associado à massificação de veículos.
Plano Estratégico para dar completa transparência à aprovação de empreendimentos.
Explicação – Não se pode desprezar o potencial predatório na Província do Grande ABC na qual muitas áreas durante largos períodos de efervescência industrial foram utilizadas sem preocupação ambiental. As forças econômicas, mais organizadas e preparadas para contornar flácidas restrições de organismos públicos voltados à avaliação do solo, não podem jogar sozinhas o jogo do mercado imobiliário, sob pena de se repetirem novos casos do Condomínio Barão de Mauá, o mais emblemático reduto de prevaricação, e também do Residencial Ventura, em Santo André. Uma lista completa de áreas suscetíveis a investigações permanentes e igualmente sujeitas a inspeção cuidadosa para aprovação de projetos de ocupação é o ponto de partida para obstar a supremacia de interesses mercantis em detrimento da cidadania.
Plano Estratégico à organização dos mananciais.
Explicação – Deixar que áreas dos mananciais continuem entregues ao aparato decisório público, que se mostrou deficiente e comprometedor ao longo de décadas, é convite à aniquilação desse importante pedaço da geografia regional. Na verdade, muito mais que pedaço, porque envolve mais da metade do território da Província do Grande ABC. Entre as possibilidades que se descortinam surgem medidas vinculadas à aplicação de parte da contrapartida financeira da aprovação de outorgas onerosas. Um fundo de recursos oriundos desse dispositivo, gerenciado multilateralmente pelo Poder Público, Associação dos Construtores e a sociedade civil participante ativa do mercado imobiliário, poderia ser importante ponte à multiplicação de medidas que, finalmente, colocariam um pouco de ordem na bagunça generalizada de ocupação daquele território.
Mapeamento completo e divulgação permanente de áreas públicas que constam da lista de licitações.
Explicação – O universo de áreas públicas levadas a leilões é uma seara desconhecida pela quase totalidade dos contribuintes. Raramente se dá a devida publicidade à disponibilização de terrenos públicos a empresas privadas e pessoas físicas em forma de licitação. Quem conhece o mercado imobiliário jura por todos os juros que são cartas marcadas. Há deliberada performance de discrição dos estamentos burocráticos públicos que garantem a legalidade de operações. Quem mais se aproxima do Poder Público acaba se dando bem porque compra geralmente a preço de banana, sempre protegidos pelo valor venal, terrenos de destinação bastante vantajosa. Somente com transparência será possível democratizar tanto a lista de terrenos quanto as disputas dos interessados.
Formação de diretorias específicas das áreas de incorporadoras, construtoras e imobiliárias.
Explicação – Embora integrem a mesma cadeia econômica, incorporadoras, construtoras e imobiliárias trafegam por interesses específicos nem sempre conciliáveis. Ao manter sob o mesmo guarda-chuva a representação dessas atividades, a Associação dos Construtores peca pela generalidade de medidas. A descentralização departamental, com focos nas três áreas, não seria sinônimo de divisionismo, porque teria o contraponto da centralização conceitual. Tanto as questões corporativas de cada segmento, como as institucionais, direcionadas ao conjunto da sociedade, seriam mais bem apuradas, planejadas e executadas.
Conselho Permanente de acompanhamento e reforço de organismos responsáveis pela condução de políticas públicas de operação do sistema viário.
Explicação – Juntamente com o setor automotivo o mercado imobiliário é o principal agente da barafunda no sistema viário das grandes metrópoles. Como integrante da Grande São Paulo de 20 milhões de habitantes, a Província do Grande ABC vive a cada dia mais e mais complicações de trânsito. Os congestionamentos avolumam-se inclusive além dos horários habituais de começo de manhã e fim de tarde. Essa conta de qualidade de vida jamais vai fechar ou regredir sem sacrificar ainda mais os recursos públicos. Exceto se a sociedade como um todo, incluindo-se representantes do setor imobiliário, se juntar para, em conjunto, tomar iniciativas fundamentadas no dia a dia. Lavar as mãos é uma prática comodista que só encontra eco entre os simplistas que acreditam que torres de apartamentos signifiquem desenvolvimento econômico.
Prestação de contas anual em assembléia geral.
Explicação – A Associação dos Construtores não pode ser uma torre de marfim protegida contra tudo e contra todos. O que se passa com o solo urbano é responsabilidade geral. Mais que isso: hierarquizar o grau de comprometimento da sociedade no uso e ocupação do solo implica destinar ao mercado imobiliário uma porção muito acima da média geral, juntamente com o Poder Público. Exatamente por isso a entidade deve manter as portas abertas à participação social. Compartilhar decisões que afetem a sociedade é imprescindível.
Desenvolvimento de políticas para aumentar a formalização do mercado de trabalho.
Explicação – O imbricamento social do setor imobiliário e a influência que exerce nos indicadores de desenvolvimento econômico do País porque movimenta atividades que se entrelaçam dispensariam explicações à implementação de políticas de formalização de emprego no setor. Os números da informalidade entre trabalhadores da construção civil são impressionantes e precisam ser abatidos. O distanciamento da Associação dos Construtores é espécie de atestado de mutismo e surdez que favorece empreendimentos desatrelados de procedimentos previstos na Constituição Federal.
Conselho para analisar criticamente todos os entraves burocráticos ao desenvolvimento do setor, estabelecendo-se medidas em comum para toda a região.
Explicação – O emaranhado da legislação torna o empreendedorismo imobiliário campo minado, principalmente para quem não tem proximidade com o Poder Público. Nesse ponto, a disputa é desigual ao opor quem tem privilégios e quem é simplesmente um número na massa de negócios do setor. Um Conselho de Desburocratização, com a participação de representantes de todos os segmentos do mercado imobiliário e também da sociedade civil, possibilitaria muito mais que o cruzamento de informações e dados que poderiam ser sistematizados para dar celeridade às decisões. O organismo também poderia colaborar para enquadramentos legislativos que iriam muito além da quebra de barreiras, mas, também, forneceria munição à implementação de medidas que o dia a dia da atividade recomenda.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!