Sociedade

Veja como uma falsa democracia
levou Dotto à presidência da Acisa

DANIEL LIMA - 30/01/2012

O publicitário, diretor e acionista do Diário do Grande ABC, Evenson Dotto, conquistou a presidência da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) contando com o suporte estatutário de uma falsa democracia eleitoral. O jornal do qual seu pai, Maury Dotto, foi fundador, escondeu dos leitores informações que descredenciam uma decantada jornada fortalecedora do empresariado da cidade.


 


Nada que surpreenda, porque o Diário do Grande ABC lembra um biquíni -- é especialista em esconder o principal e mostrar o acessório. A verdade precisa ser exposta sobre a vitória de Evenson Dotto, que, como muitos na região, conta com MBA da Strong, uma franquia da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em Santo André. Vejam alguns pontos principais:


 


 O voto múltiplo, excrescência da democracia representativa, determinou a vitória do candidato apoiado pelo Diário do Grande ABC.


 


 A relação de associados aptos a votar foi manipulada nos dias que antecederam à disputa para dar uma folga à movimentação da chapa vencedora. Instrumentalizou-se uma gordurinha estratégica, segundo denunciam fontes da própria Acisa.


 


 A Coop do executivo Antonio José Monte fez um jogo de faz-de-conta para favorecer a chapa vencedora, cuja estrutura de marketing foi comandada pela mesma empresa de publicidade que controla as contas da cooperativa de consumo.


 


 O discurso pós-vitória de Evenson Dotto, de fortalecimento do pequeno comércio, foi um manobra de fundo marqueteiro previamente elaborada para encobrir uma verdade irretocável: os grandes negócios o levaram à presidência. Os detentores de votos múltiplos sufocaram os portadores de votos simples.


 


 A moralidade e a ética da disputa foram para o lixo quando se lançou mão de um empresário condenado pela Justiça como cabo eleitoral de peso econômico, no caso Sérgio De Nadai.


 


Divisão, não união


 


Resumo dessa breve ópera: ao contrário do que tenta fazer crer o suspeitíssimo Diário do Grande ABC, o pós-eleitoral na Acisa não foi e não é o mar de rosas de parceirismos que brotariam do abraço supostamente fraternal entre Evenson Dotto e o candidato derrotado, Flávio Martins.


 


Há mais hipocrisia do que supõem os leitores -- para revolta dos derrotados que não apareceram nas fotos porque deixaram a sede da Acisa entre decepcionados e indignados. Tanto que Flávio Martins passou a ser visto com desconfiança pelos próprios correligionários. Ele teria sido condescendente demais com as ações dos adversários, das quais era conhecedor. Preferiu o silêncio, inclusive porque ingenuamente imaginou beneficiar-se. Voto múltiplo significa que a Acisa não distribui igualitariamente o peso de cada associado quando as urnas se abrem. O estatuto, desacostumado com a democracia, porque as sucessões até então eram controladas nos bastidores por acordos que encaminhavam candidatura de consenso, prevê associados de primeira classe e associados de segunda classe.


 


Tanto é verdade que os 59 votos de primeira classe do Bradesco (isso mesmo, 59 votos) foram decisivos. Um executivo do maior banco privado do País, que conta com 59 CNPJs diferentes como associados da Acisa, chegou, de helicóptero, ciceroneado por dirigentes do Diário do Grande ABC, e, depois de reunir-se com Evenson Dotto, exerceu o direito a votos que valem muito mais que quase dois ônibus lotados de pequenos comerciantes.


 


Evenson Dotto venceu a disputa por 241 votos a 170 destinados a Flávio Martins. Uma diferença de 71 votos. Só o Bradesco assegurou um a cada quatro votos a Evenson Dotto. Quem ousar chamar essa contabilidade eleitoral de democracia não merece passar pela fila dos verdadeiros democratas.


 


Falta lista oficial


 


A lista oficial de votos e principalmente de votantes de primeira classe ainda não foi liberada pela presidência da Acisa, embora correligionários de Flávio Martins já tenham feito solicitação nesse sentido. Há informações que reforçam o viés de vencedor de Evenson Dotto graças aos grandes negócios e a pressões de bastidores do Diário do Grande ABC do empresário Ronan Maria Pinto, dirigente que controla o tetra-rebaixado futebol de Santo André. A Pixolé Calçados, que teria nove votos, também optou por Evenson Dotto.


 


Quem é visto como fiel da balança e mesmo como espécie de traidor da candidatura de Flávio Martins é Antonio José Monte, da Coop, cuja conta publicitária pertence à Octopus de Paulo César Ferrari, marqueteiro experiente que cuidou da campanha eleitoral de Evenson Dotto. Os 26 votos aos quais a Coop teria direito e que fortaleceriam as urnas de Flávio Martins foram reduzidos a apenas um, supostamente ao adversário de Evenson Dotto porque não influenciaria no resultado final. Monte teria tido um ataque de ética e, consequentemente, de condenação ao Bradesco e a outras empresas com mais de um CNPJ, ao abdicar dos demais votos.


 


Há quem não queira ver Monte nem pelas costas porque atribuem a decisão do voto convencional em vez do voto múltiplo apenas a falso purismo. Dizem que se tivesse mesmo a intenção de moralizar o estatuto da Acisa, colocando-o numa moldura de igualitarismo entre os associados, Monte teria provocado a reforma em tempo hábil, já que integra o Conselho Superior, organismo com poder para sensibilizar a direção executiva. Certo mesmo quanto ao delito democrático do voto múltiplo, estatutário mas abusivo em relação ao conjunto de associados detentores de voto único, é que os derrotados contavam também, de alguma forma, com essa prerrogativa. Ou, no mínimo, não deram o devido valor estratégico à aberração. O que não ameniza a situação.


 


Bradesco desequilibra


 


O reforço do Bradesco à candidatura de Evenson Dotto não estava nos planos dos derrotados. Tratou-se de uma operação de guerra deslocar um executivo diretamente de Brasília. O Bradesco não tem entranhamento social algum com Santo André e com a Província do Grande ABC. Nenhum CNPJ do Bradesco vale um CNPJ de um pequeno comerciante de Santo André quando se trata de relacionamento comunitário. Exceto se o mercado financeiro for traduzido como algo sustentável ao entranhamento social.


 


Sem a intervenção sob encomenda do Bradesco e com a Coop rompendo a promessa de votar no concorrente de oposição ao Diário do Grande ABC com a mesma tonelada de votos da eleição anterior, quando a candidatura era única, a chapa de Flávio Martins teria vencido a disputa. A chapa de Flávio Martins acreditou em Papai Noel ao fiar-se no apoio da Coop. Há fortes implicações econômicas que afastam a direção da cooperativa de ações que colidem com os interesses do Diário do Grande ABC.


 


As denúncias veladas sobre a lista de empresas aptas a votar ganham proporções epidêmicas. Pelo menos 400 nomes teriam sido suprimidos da listagem final entregue ao grupo de Flávio Martins. O tratamento teria sido diferente à candidatura de Evenson Dotto. Sem contar pagamentos de mensalidades de última hora de associados alinhados com Evenson Dotto. Gente que não contribuía com os cofres da Acisa havia muito tempo apareceu para pagar e votar. Tudo de afogadilho. Como se a Acisa fosse um clube de várzea. A permissividade estatutária é um acinte. Até o presidente Sidnei Muneratti, alvo de críticas dos dois candidatos durante a campanha eleitoral, teria cedido à pressão da candidatura de Evenson Dotto.


 


Até prova em contrário a mensagem de novos tempos na direção da Acisa não deve ser levada a sério. Evenson Dotto lançou mão dos recursos múltiplos de um empresário condenado pela Justiça por integrar uma quadrilha que roubou comida de crianças, a chamada Máfia da Merenda. É claro que me refiro a Sérgio De Nadai, que desfilou formoso durante várias horas nos corredores da entidade numa pretensa ação de cabo eleitoral.


 


Membro pouco participativo do Conselho Superior da Acisa, posição da qual já deveria ter sido apeado por conta da suposta linha de independência e rigidez da entidade, Sérgio De Nadai deverá continuar entre os integrantes da instância de coordenação institucional. A maioria o rejeita internamente, mas o apadrinhamento de Evenson Dotto inibe reações.


 


Estorvo permanente


 


Na entrevista a CapitalSocial publicada poucos dias antes das eleições, Evenson Dotto não escondeu admiração e solidariedade ao empresário das marmitas e de tantos outros ativos. Pouco lhe importa se a De Nadai Alimentação tenha entrado em concordata ou que Sérgio De Nadai corre o risco de novas condenações judiciais. A extensão da Máfia da Merenda é quilométrica e também há constrangimento entre dirigentes da entidade por ter de conviver com tamanho ônus social. É muito difícil acreditar numa gestão com peso para questionamentos ao setor público tendo Sérgio De Nadai no Conselho Superior.


 


Um outro aspecto que pesou na vitória de Evenson Dotto, da mesma forma que pesa na sofrível gestão do Saged (Santo André Gestão Empresarial e Desportiva), empresa que usurpa da história do Esporte Clube Santo André, é o amedrontamento implícito evocado à menção do nome de Ronan Maria Pinto. Há relatos de inconformismos com os rumos da disputa na Acisa, mas seria demais esperar por denúncias. A fama de ter participado da morte do prefeito Celso Daniel, uma grande bobagem industrializada pelo Ministério Público, coloca Ronan Maria Pinto como participante ativo de qualquer disputa na qual os interesses do Diário do Grande ABC estão em jogo. Como na vitória de Evenson Dotto, observada atentamente como candidatura de risco e que, portanto, exigia ação de uma força-tarefa. Perder não constava do vocabulário da empresa.


 


Independente de qualquer reação institucional, o que não seria nada excepcional porque o desempenho histórico da Acisa é uma mistificação que facilita a conquista de algumas metas, haverá em cada movimento de Evenson Dotto as digitais de Ronan Maria Pinto e do Diário do Grande ABC. Como é o caso do Saged, pobre fantasma que veste a camisa do Ramalhão mas não passa de uma empresa endividada a ignorar os reclamos dos poucos acionistas com coragem de cobrar prestação de contas. Tudo, absolutamente tudo, sob os olhares plácidos de uma sociedade igualmente acovardada.


 


O futuro da Acisa, portanto, provavelmente não será o que manchetes mais que suspeitas certamente produzirão. Possivelmente será um retrato do passado revestido de um marketing de mandraquismos explícito jamais utilizado sob planejamento de profissionais da área.


Leia mais matérias desta seção: Sociedade

Total de 1097 matérias | Página 1

21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!
20/01/2025 CELSO DANIEL NÃO ESTÁ MAIS AQUI
19/12/2024 CIDADANIA ANESTESIADA, CIDADANIA ESCRAVIZADA
12/12/2024 QUANTOS DECIDIRIAM DEIXAR SANTO ANDRÉ?
04/12/2024 DE CÃES DE ALUGUEL A BANDIDOS SOCIAIS
03/12/2024 MUITO CUIDADO COM OS VIGARISTAS SIMPÁTICOS
29/11/2024 TRÊS MULHERES CONTRA PAULINHO
19/11/2024 NOSSO SÉCULO XXI E A REALIDADE DE TURMAS
11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS
08/11/2024 DUAS FACES DA REGIONALIDADE
05/11/2024 SUSTENTABILIDADE CONSTRANGEDORA
14/10/2024 Olivetto e Celso Daniel juntos após 22 anos
20/09/2024 O QUE VAI SER DE SANTO ANDRÉ?
18/09/2024 Eleições só confirmam sociedade em declínio
11/09/2024 Convidados especiais chegam de madrugada
19/08/2024 A DELICADEZA DE LIDAR COM A MORTE
16/08/2024 Klein x Klein: assinaturas agora são caso de Polícia
14/08/2024 Gataborralheirismo muito mais dramático
29/07/2024 DETROIT À BRASILEIRA PARA VOCÊ CONHECER