Sociedade

Nizan Guanaes e Oded Grajew: quem
ganha esse debate sobre São Paulo?

DANIEL LIMA - 31/01/2012

Senhoras e senhores, eis um grande espetáculo. Lado a lado dois expoentes paulistanos. À minha direita (mais que sintomática, como todos verão) o grande publicitário Nizan Guanaes, presidente do Grupo ABC. À minha esquerda (mais que sintomática, como todos verão), Oded Grajew, empresário, coordenador-geral da secretaria executiva da Rede Nossa São Paulo e presidente emérito do Instituto Ethos, além de idealizador do Fórum Social Mundial. Em quem as senhoras e os senhores apostam suas fichas como melhor retratista de nossa Capital, a cidade de São Paulo?


 


Vamos começar o debate concedendo dois minutos para Nizan Guanaes:


 


 O Brasil tem que parar de ser modesto consigo mesmo, que a natureza não o foi. Ela nos deu atributos maravilhosos e nós fomos criando em fogo brando, um país à altura. A maior criação do Brasil chama-se São Paulo, e calma porque isso quem diz não sou eu, é o IBGE. Da escala humana à escala financeira, São Paulo nos lidera. Mais de 10% das riquezas produzidas no Brasil são produzidas nesta cidade. Que família do país não tem um parente trabalhando aqui? São Paulo é a grande metrópole do hemisfério Sul no século do hemisfério Sul. Se São Paulo não tem mar, São Paulo tem um mar de ideias. O planejamento do Brasil passa tanto pelas torres da Faria Lima e da Berrini quanto pelos prédios da Esplanada dos Ministérios. A cidade faz aniversário amanhã, no melhor momento de sua história, duplamente presenteada pela globalização e pela interiorização da nossa economia.


 


Agora, vamos à primeira participação de Oded Grajew:


 


 Um estudo da Rede Nossa São Paulo divulgado recentemente apresenta o quadro de desigualdade em São Paulo. Os dados da cidade mais rica do Brasil são vergonhosos. São Paulo é dividida em 31 subprefeituras e em 96 distritos. A população média de cada subprefeitura supera os 350 mil habitantes. Em cada distrito há mais de 110 mil habitantes (eles são maiores do que 95% das cidades brasileiras). Verificamos em vários distritos a ausência de equipamentos públicos. Alguns exemplos: em 44 distritos não há nem sequer uma biblioteca municipal, 56 distritos não mantêm nenhum equipamento esportivo público e 59 não têm nenhum centro cultural. Isso sem mencionar 1,3 milhão de paulistanos que vivem em favelas e os milhões que, em função da sua baixa renda, têm enorme dificuldade de ter acesso à cultura, ao esporte e à moradia. Em 26 distritos, não há nenhum leito hospitalar. Segundo pesquisa Irbem/Ibope, o tempo médio de marcação de consulta nos serviços de saúde públicos é de 52 dias. Entre a marcação e a realização de exames, gasta-se 65 dias. Entre a marcação e a realização de procedimentos mais complexos, como cirurgias, são necessários 146 dias. Muita gente pobre, que depende do sistema público de saúde, certamente morre no meio do caminho.


 


Depois da primeira exposição de Oded Grajew, as senhoras e os senhores têm a volta de Nizan Guanaes:


 


 O novo ciclo de desenvolvimento do Brasil tem tudo a ver com a cidade. Seu supermundo financeiro de bancos, corretoras, seguradoras e Bolsas de Valores comanda o vigoroso processo de financeirização da economia nacional e de sua integração crescente e lucrativa com os mercados globais. Essa conexão duplamente intensa, com o país que pulsa em suas veias e o mundo que pulsa em nossa volta, faz a cidade evoluir sempre de pilha nova, com carga máxima, conectada pelas antenas de seus 11 milhões de habitantes/seguidores. Uma energia que muitas vezes espanta, no bom sentido, os estrangeiros que vêm descobrir a "maior cidade desconhecida do mundo". Por isso é preciso equipar São Paulo para que a Copa de 2014 seja uma justa, mesmo que tardia, exposição da metrópole ao mundo. São Paulo precisa se posicionar com firmeza no cenário global como centro financeiro e de serviços não só no Brasil, mas na América do Sul, da África ocidental... O mundo é plano para grandes ideias e grandes cidades.


 


Agora, senhoras e senhores, a réplica de Oded Grajew:


 


 As desigualdades são enormes. No item emprego, por exemplo, a diferença entre o melhor distrito (Itaim Bibi) e pior (Marsilac) é de 2.218,6 vezes -- cerca de 300 mil empregos no primeiro distrito, apenas 136 no segundo. Para ter acesso ao trabalho, quem ganha até um salário mínimo fica, em média, duas horas ao dia no transporte público. Milhões de paulistanos precisam percorrer enormes distâncias para ter acesso ao trabalho, à saúde, à cultura e ao esporte. Assim, no item mortes no trânsito, a diferença entre o melhor (Barra Funda) e o pior (Marsilac) é de 32,2 vezes. No item mortalidade infantil, a diferença é de 13 vezes (Cambuci e Jaguará); em gravidez na adolescência, de 24 vezes (Moema e Marsilac); e em homicídios, de 28,5 vezes (Barra Funda e Pinheiros são os melhores, o Brás é o pior). A diferença entre a melhor (Capela do Socorro) e pior subprefeitura (Itaim Paulista) no item área verde por habitante é de 176,3 vezes. Na porcentagem de domicílios sem ligação com esgoto, a diferença é de 44 vezes (Sé e Cidade Ademar). Por que aquilo que se atingiu nos melhores distritos não pode ser atingido em todos?


 


Agora, para completar esse debate, senhores e senhores, chamamos para a tréplica o publicitário Nizan Guanaes:


 


 São pouquíssimas as metrópoles do mundo que contam com área tão extensa de massa cinzenta, com mistura tão completa de profissionais competentes, cada vez mais especializados. É um ciclo virtuoso: os serviços de alta qualidade atraem trabalhadores de alta qualificação e remuneração, que buscam mais serviços de ponta, como cultura, saúde, educação, luxo e alta gastronomia, que por sua vez atrairão consumidores de outras cidades e países. São Paulo hoje tem capital humano e capital financeiro para encubar qualquer empreendimento. Os galpões industriais que ficaram vazios com a transferência das indústrias da cidade para outras regiões do Estado e do país são rapidamente reocupados por atividades criativas e comerciais. A relativa menor atividade industrial (porque a cidade segue potência fabril) foi compenada pela maior atividade cultural, de feiras e de eventos. A cena de restaurantes de São Paulo é mais animada que a de Nova York nestes dias. O mercado imobiliário e o mercado publicitário, para ficar apenas em dois setores, atraem investimentos do mundo todo. Não saí de Salvador para vir para São Paulo. Saí para ir ao Rio trabalhar com Roberto Medina, o criador do Rock in Rio. Mas acabei chegando à metrópole paulista pelas mãos de outro gênio, Washington Olivetto, e aqui me desenvolvi em plenitude, prosperei como tantos outros migrantes e imigrantes. Amo trabalhar e em São Paulo o trabalho sempre foi muito valorizado. Isso tem muito valor. Porque dos grandes problemas dessa sociedade tão demandada é o desrespeito ao trabalho. Assim, quando as pessoas querem te ofender, elas dizem "esse cara só pensa em trabalho". Quando querem ofender São Paulo, dizem a mesma bobagem: que a cidade só é boa para trabalhar. Mas o que mais uma cidade precisa ser? Se é boa para trabalhar, o resto é consequência. Existe uma enorme onda de liberação do afeto reprimido por São Paulo. A firmeza com que a população aderiu à Lei Cidade Limpa mostrou isso. O amor (por São Paulo) está no ar. Se bem cultivado, vai nos transformar.


 


Agora, senhoras e senhores, a tréplica de Oded Grajew:


 


 Mais de 174 mil crianças, basicamente de famílias pobres, estão sem creche. No item analfabetismo, a diferença entre a melhor e pior subprefeitura é de 2,4 vezes. O abandono e a distorção entre a idade e a série são, respectivamente, 52 e 42 vezes menores no ensino privado do que no ensino público. Educação de qualidade, fundamental para o acesso à cidadania e ao trabalho mais bem remunerado, é, portanto, privilégio da população de maior renda. Não é por acaso que todas as grandes lideranças religiosas, sociais e humanas sempre lutaram pela justiça social. Do ponto de vista ético, moral, social e econômico, não há nada mais insustentável, danoso, antiético, vergonhoso e degradante em uma sociedade do que a desigualdade. Ela está na origem de todos os problemas que afetam a qualidade de vida da população. O quadro de desigualdades completo, com 91 indicadores, está no site www.nossasaopaulo.org.br. Queremos que ele seja útil aos cidadãos na cobrança dos seus direitos e que sensibilize os candidatos nas eleições de 2012. É necessário que eles elejam a justiça social como prioridade dos seus programas (mesmo sabendo que as pessoas de menor renda não financiam campanhas eleitorais). Do próximo prefeito, esperamos que o plano de metas que, por força de lei, ele deve apresentar 90 dias após a posse, tenha como eixo principal a redução da desigualdade.


 


Incluídos e excluídos


 


Os textos que reproduzi foram publicados em dias diferentes na Folha de São Paulo. Um intervalo de cinco dias, para ser exato. O primeiro, de 24 de janeiro último, assinado por Nizan Guanaes sob o título "Existe amor em São Paulo". O segundo, de Oded Grajew, dia 29, sob o título "São Paulo desigual".


 


Acompanho atentamente a carreira e as intervenções públicas desses dois ativos paulistanos que vivem em mundos completamente diferentes. Guanaes é um agente enviado por todos os triunfalistas verde-amarelos. Brilhante, extremamente comunicador, reproduz em seus textos o mundo fashion que habita, uma bolha de prosperidade, riqueza e luxo. Oded Grajew é o símbolo do inconformismo, da prospecção de medidas que reduzam os acintosos muros que separam a sociedade entre uma minoria de incluídos badalados e uma imensa leva de excluídos esquecidos.


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