Aos poucos, acossado por este jornalista e por opositores ao liberou geral no mercado imobiliário, Milton Bigucci, presidente eterno da Associação dos Construtores, entidade de baixíssima representatividade, exceto nas páginas de jornais, tenta consertar erros históricos de avaliação sobre verticalização urbana. Como não é fácil dar um giro de 180 graus, ou mesmo de 45 graus, deixa pegadas incriminatórias de improvisos interpretativos.
Num artigo publicado ontem no Diário do Grande ABC, o dirigente da Associação dos Construtores volta a abordar a mobilidade urbana, expressão pouco usual no dicionário de quem enxerga torres residenciais e torres comerciais sob ângulo estritamente econômico-financeiro. Em resumo, desancou mais uma vez a política rodoviarista verde e amarela, que infla as metrópoles de veículos de passeio, principalmente.
O objetivo de Milton Bigucci é simples e direto, embora sem elementos de estilo textual que prendam a atenção, apesar de estranhamente integrar a Academia de Letras da Grande São Paulo: ele quer desviar o foco metropolitano dos exageros e da libertinagem do mercado imobiliário, demonizando o setor automotivo.
Insiste Milton Bigucci, mesmo nas maltrapilhas linhas, no conceito de verticalização como ferramenta de gestores públicos que deveriam (agora sim ele escreve com mais acuro, voltado para a sistemicidade da vida urbana) planejar mais adequadamente o uso e a ocupação do solo, principalmente com investimentos na melhoria da infraestrutura pública. Tudo para o mercado imobiliário deitar e rolar. Como se sabe, Milton Bigucci é opositor empedernido das chamadas operações urbanas, que reduziram a margem de construção imobiliária para, em seguida, dar certa elasticidade, desde que contrapartidas dos empreendedores (sempre repassadas aos compradores) canalizem recursos a investimentos em ativos públicos. Nada mais justo, como se sabe.
Megatorres na Província
Adepto de primeira hora e de leitura apressada do conceito de verticalização, Milton Bigucci chegou ao desplante de recentemente sugerir que em vez de torres de 20 pavimentos, seria adequado seguir os passos de algumas das maiores metrópoles mundiais (Tókio, Nova York, entre outras) e aprovarem até 80 pavimentos na Província do Grande ABC. Entende o dirigente mercadista que quanto mais gente residindo e trabalhando num espaço territorial concentrado, melhor a qualidade de vida.
Está redondamente enganado, mesmo se considerando as grandes metrópoles bem servidas em transporte coletivo e outros requisitos indispensáveis à civilização moderna, entre outros ferramentais que minimizam excessos da densidade demográfica. No caso específico da Província do Grande ABC, então, nem se fale. A maioria dos empregos está fora do Município de origem dos assalariados. Santo André é um caso emblemático, após sofrer grave viuvez industrial, mas não há exceção à regra. A barafunda do trânsito regional é autoexplicativa e autocondenatória das fragilidades do Poder Público e das entidades de classe na configuração de um diagrama humanístico de mobilidade urbana.
Milton Bigucci desperdiça oportunidades de pinçar alguns especialistas em urbanismo que produzem montanhas de textos sobre verticalização. Provavelmente escaldado com a possibilidade de ser desmascarado na pregação corporativista. Isso indica que não é um dirigente privado fora de órbita, porque se o fizesse, daria um caminhão de vantagens a este jornalista, por exemplo. Estou de olho nele assim como em outras fontes de informações que repassam barbaridades a jornalistas nem sempre cuidadosos e também a publicações quase sempre dependentes de supostas vantagens publicitárias que o mercado imobiliário proporciona. Milton Bigucci tem algo como licença para manipular publicamente dados nem sempre corretos do mercado imobiliário regional.
Um exemplo de que uma manchete jornalística nem sempre apropriada pode induzir a erros crassos de avaliação, tanto quanto fomentar seletivamente a tentativa de consolidação de teses furadas, foi o que a Folha de S. Paulo publicou nesta última terça-feira. "Arquiteto vê arranha-céus como aspiração urbana" é uma manchete e tanto, convenhamos. Ainda mais que anabolizada pela linha auxiliar, "Para Daniel Libeskin, superpopulação exige verticalização das cidades".
É ou não é verdade que Milton Bigucci poderia pegar essa matéria e transplantá-la ao reformado site da Acigabc, a Associação dos Construtores do Grande ABC? Talvez até o tenha feito, quem sabe. Vou consultar aquele endereço eletrônico enquanto escrevo. Quem sabe responda já a essa dúvida? Feita a consulta, descubro que as notícias do site da Associação dos Construtores estão defasadas. O calendário congelou em 31 de janeiro último.
Espaços públicos
Voltando ao assunto, o arquiteto Daniel Libeskin é defensor dos arranha-céus. Ele incluiu cinco em seu projeto de reurbanização do Marco Zero, local dos sete edifícios destruídos nos atentados de 11 de setembro. Mas, observa, igualmente importante, que metade do terreno foi preservado a espaços públicos, explicou a Folha de S. Paulo.
Esse é ponto que Milton Bigucci e eventuais outros propagandistas da verticalização desconhecem ou fingem desconhecer. Qual ponto? A reserva de metade do terreno para espaços públicos. O que os construtores desalmados querem e fazem quando o Poder Público é negligente ou muito mais que isso, porque negligente é pouco quando há milhões de reais em jogo, é gozar de liberdade completa para produzirem o caos urbano que pode ser visto ainda só na forma, não na integridade de ocupação, no entorno do Paço Municipal de São Bernardo. Aquela selva de torres que se estão erguendo nas imediações, sobremodo no terreno das antigas instalações da Tecelagem Tognato, é o símbolo maior dos anseios de Milton Bigucci e de todos os construtores ávidos por lucro desvairado. O estrangulamento do trânsito nas imediações – ah! esses carros malditos, dirá Milton Bigucci -- será compulsório.
Daniel Libeskin é um prato cheio de suporte à verticalização responsável e elencadora de atributos à qualidade de vida. Por isso não custa reproduzir ao menos algumas das questões abordadas pela Folha de S. Paulo:
Folha de S. Paulo -- O senhor é defensor dos arranha-céus. Muitas torres hoje se propõem a condensar uma cidade, com andares para trabalhar, morar, fazer compras. Isso não tira a vida das redondezas?
Daniel Libeskin -- Eu acho que, dada a explosão populacional e o esgotamento dos recursos naturais, temos que controlar o crescimento urbano. Não há outra forma de fazê-lo senão verticalizando as cidades, construindo edifícios altos. Claro que a função da arquitetura é projetá-los de maneira bonita, inventiva, que tenha em mente os seres humanos, e não metal e vidro. A questão não é a altura do edifício, mas o tamanho da aspiração que ele representa. Essa é a diferença sobre construir arranha-céus que não são bem-sucedidos e arranha-céus que dão uma contribuição para as pessoas e para a cidade.
Folha de S. Paulo -- Uma das críticas feitas hoje a cidades modernistas, como Brasília, é que elas não têm vida nas ruas...
Daniel Libeskin -- O modelo está ultrapassado. Os arranha-céus do Marco Zero somarão nove milhões de metros quadrados, mas minha intenção foi não só criar belos edifícios mas também boas ruas, com luz, sem vento, o tipo de riqueza de vida urbana das grandes cidades.
Folha de S. Paulo -- Como o seu projeto do Marco Zero traduz isso?
Daniel Libeskin -- Claro que milhares de pessoas vão trabalhar naqueles edifícios incríveis, mas também pensei nas pessoas que estarão nas ruas, no metrô. Por isso, metade do espaço disponível será público. Essa é a arte das cidades, não fazer apenas edifícios glamorosos, para poucos, mas algo fantástico culturalmente para todos.
Folha de S. Paulo -- No Brasil existe enorme déficit de moradias para os pobres. Como lidar com isso?
Daniel Libeskin -- Não se pode tirar dos cidadãos os direitos de acesso à moradia, a serviços, à cidade. Em muitos lugares, áreas degradadas se transformaram, com planejamento e justiça social, em bairros com vitalidade. Não vejo por que no Brasil seria diferente.
Novas reformatações?
É possível que, depois desse texto, Milton Bigucci comece a reformatar ainda mais o que vem reformatando aos poucos, porque sabe que caminha na contramão dos anseios da sociedade quando o assunto é morar e trabalhar com mais qualidade de vida. Esperar que a Associação dos Construtores faça alguma coisa pela causa dos pobres, senão jogá-los o mais distante possível dos nacos imobiliários, é acreditar
Verticalização no conceito de Milton Bigucci é empinar indefinidamente os lucros imobiliários. E que os custos dos impactos na mobilidade urbana fiquem reservadas exclusivamente às montadoras de veículos e aos investimentos públicos. Quem considera essa avaliação exagero, procure em todos os cantos algum documento assinado pela Associação dos Construtores (ou seja, pelo eterno presidente Milton Bigucci) que ao menos resvale na produção de ativos imobiliários sob aspectos sociais. Ou que procure em organismos públicos alguma contribuição da entidade para humanizar o deslocamento diário de milhares de trabalhadores, por exemplo.
Quem quiser conhecer mais e melhor Milton Bigucci tem um manancial enorme de textos neste CapitalSocial. Inclusive as tentativas judiciais que encetou para calar este jornalista. Ou para lhe provocar rombos financeiros.
Diferentemente dos imprevidentes jornalistas que ainda outro dia entrevistaram o presidente do Corinthians, estou preparado para enfrentar Milton Bigucci em qualquer arena democrática, até mesmo na sede da Associação dos Construtores, num embate de regras compartilhadas entre os oponentes. E não entendam essa assertiva fora do contexto de completo respeito aos leitores. Os convidados deixo por conta dele. Tomara que apareçam os poucos associados.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!