Economia

Velha indústria regional segue a
comer poeira de investimentos

DANIEL LIMA - 15/02/2012

Somente os ignorantes de pai e mãe acreditam que o futuro da Província do Grande ABC ainda passa pelo setor de transformação industrial tradicional, força-motriz da classe média que se forjou aqui. O que temos no setor industrial é o quase tudo que restou das grandes mudanças ocorridas nos anos 1990, principalmente, e o que teremos no futuro é o que possivelmente não encontrará vantagens ao debandar dessa encalacradíssima geografia metropolitana dominada pelo mercado imobiliário ganancioso, manipulador e inconsequente.


 


Estamos fadados a ficar não necessariamente com o que nos interessa para o desenvolvimento econômico sustentado, mas com o que é possível no cada vez mais brutal campeonato nacional de investimentos. Fomos rebaixados à Segunda Divisão de novos empreendimentos. Ou quem sabe à Terceira Divisão. Só nos mantemos na Primeira Divisão Industrial por conta dos investimentos do passado, mas, como se sabe, passado também vira museu.


 


Embora os jornais sejam imprecisos e os sindicatos nem sempre revelem o movimento das pedras, estamos perdendo indústrias envelhecidas a cada dia. Outro dia foi a vez da Porcelana Schmidt, em Mauá. E assim vamos indo embora. Sem peças de reposição. Exceto de dinheiros investidos em atualização das grandes indústrias, principalmente do setor automotivo.


 


O golpe do Rodoanel Sul


 


O Rodoanel Sul, vendido como a melhor esquina do País, não passa de conto da Carochinha que os políticos expõem para êxtase dos idiotas de plantão -- principalmente os apressadinhos da mídia e os legisladores loucos por manchetes.  A obra foi boa mesmo para gente que se locupletou de informações privilegiadas.


 


A indústria de indenizações é um caso para o Ministério Público atuar. Muita gente graduada não resistiria a uma devassa. Mas o que preferem mesmo é cultuar a obra como grande lance de integração logística regional. Pura bobagem. Uma pesquisa bem feita mostraria que o grande fluxo de caminhões dirige-se à Baixada Santista ou mesmo para a Jacú-Pêssego. Somos apenas instrumento de passagem lateral a multiplicar o ônus ambiental.


 


Vamos continuar dependendo demais de empregos gerados pelo setor automotivo, protegidíssimo pelo sindicalismo. Acentuaremos nossa doença holandesa. O envelhecimento da matriz industrial da Província ganhou fôlego de renovação bastante seletivo, por conta de investimentos de sobrevivência das montadoras de veículos e das indústrias de autopeças que lhes servem diretamente. Quem está fora desse gueto pena um bocado. E essa é a grande maioria das indústrias de pequeno e de médio porte.


 


Todos os dias os jornais impressos anunciam novos investimentos industriais no País e raramente, para não dizer jamais, a Província do Grande ABC consta dos radares. Vejam os leitores as manchetes de três notícias publicadas ontem. As duas primeiras no jornal Valor Econômico, a terceira na Folha de S. Paulo. Depois explicaremos por que não são apenas essas manchetes que inquietam. Há muito mais armadilhas:


 


 GM confirma fábrica de transmissões na cidade de Joinville


 Log que triplicar área de galpões em 2012


 Honda terá centro logístico de R$ 190 mi


 


Como notarão os leitores, as razões que levaram essas empresas a investimentos fora da Província do Grande ABC e da metrópole paulistana são distintas, mas se entrecruzam. Competitividade é a palavra mágica. E por competitividade se entenda tudo, inclusive a fuga seletiva da carga tributária escorchante que, passa governo, entra governo, ninguém consegue reduzir.


 


Primeiro sobre os investimentos da General Motors em Santa Catarina. Alguns trechos selecionados:


 


 A General Motors fechou acordo com o governo de Santa Catarina para investir na sua segunda fábrica no Estado. Um protocolo de intenções com a Prefeitura de Joinville deverá ser assinado no dia 23, encerrando uma longa negociação entre a montadora americana e o governo catarinense. Segundo informações de autoridades de Joinville, os recursos na unidade, que produzirá conjunto de transmissões, somarão cerca de R$ 500 milhões, com a criação de 700 empregos diretos. (...) A segunda fábrica da GM em Joinville deverá contar com incentivos fiscais por meio de dois programas estaduais (...) e ainda um pacote de benefícios da Prefeitura de Joinville. (...) Os programas estaduais envolvem, principalmente, a postergação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que o empreendimento gerará. (...) Já o programa municipal (...) trata de isenção de Imposto sobre Serviços (ISS) durante o período da obra e isenção por cinco anos de dois impostos sobre o imóvel: o Imposto Predial, Territorial e Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Transmissão Intervivos de Bens Imóveis (ITBI). Isto é, do percentual de ICMS gerado pela empresa e que retornará ao município, está previsto que uma parte voltará para a própria GM na forma de crédito.


 


Agora vamos para os principais trechos da matéria sobre os investimentos da Log:


 


 A Log Commercial Properties -- controlada da MRV Engenharia para ativos de renda, como centros logísticos, escritórios e pequenos centros comerciais -- pretende elevar sua área construída de galpões em mais de três vezes em 2012. De olho na demanda por parte de transportadoras, operadores logísticos e pequenos industriais, a Log pretende chegar ao fim do ano com 500 mil metros quadrados de Área Bruta Locável (ABL) de centros logísticos já erguidos, ante o portfólio já entregue pela empresa de 165 mil metros quadrados. (...) A Log está desenvolvendo também distrito industrial em Betim (MG), com seis milhões de metros quadrados para venda de lotes industriais. O Parque Industrial Betim é o único projeto da empresa que prevê comercialização de imóveis. Serão vendidos lotes para indústrias e também desenvolvidos condomínios logísticos dentro do projeto.


 


Para completar, a notícia sobre os investimentos da Honda:


 


 A Honda Logistic Inc., braço da montadora japonesa Honda na área de transportes e logística, vai investir R$ 190 milhões na construção de um novo centro de distribuição e logística de peças para automóveis e motos. Em 2011, a marca perdeu mercado e registrou queda de 26,5% nas vendas de carros no Brasil com os problemas de logística e abastecimento de peças após o terremoto seguido de tsunami que atingiu o Japão no começo do ano passado. O centro será construído numa área de 500 mil metros quadrados em Paulínia (117 km de São Paulo), cidade vizinha a Sumaré, onde a Honda mantém a fábrica e a produção de três modelos. (...) Conforme lei sancionada pelo prefeito de Paulínia, José Pavan Júnior (DEM), a Honda Logistic terá isenção total de IPTU e pagará alíquota de 2% (e não de 5%) sobre o ISS por 10 anos. O terreno foi doado pela Prefeitura. Em contrapartida, a empresa terá que construir duas creches e licenciar os veículos da frota no Município, além de garantir outras exigências quanto à geração de empregos.


 


Três fortíssimos petardos


 


As três notícias são autênticos petardos em direção à Província do Grande ABC. A guerra fiscal é impraticável, porque só é possível estabelecer algo semelhante ao que a Honda prepara em Paulínia e a General Motors em Santa Catarina quando não existem competidores já instalados. Caso contrário, a disputa se torna enviesada e privilegiadora a quem está chegando.


 


Quanto à logística, estamos encalacradíssimos. Somos um dos piores pedaços para investimentos em centros de distribuição e produção compartilhados. Alguns oportunistas divulgam de vez em quando suposta fertilidade para a construção de condomínios industriais, de distribuição e de serviços na região, mas tudo não passa de marketing. Um ou outro investimento de pequeno porte são transformados em salvação da lavoura.  Tudo fumaça com interesse comercial, nada mais.


 


Multiplicação de espaços para distritos industriais, como em Betim, na Grande Belo Horizonte, nem pensar. Não contamos com áreas contínuas. A Serra do Mar é uma barreira natural que não pode ser agredida. E mesmo que pudesse, porque tudo é possível neste País, inclusive a bobagem de se anunciar um aeroporto em São Bernardo, faltariam investidores de porte. Estamos escanteados na geografia de investimentos produtivos. O Rodoanel Sul tem baixa interatividade logística com a Província, porque só conta com três acessos periféricos. Diferentemente da Grande Osasco, com 14 esquinas de comunicação viária.


 


Diante de tudo isso, o que devemos fazer para evitar que a Província caia ainda mais no ranking de produção industrial do Estado e do País? Já escrevi muito sobre isso, mas a síntese é simples: um plano estratégico regional que seja tratado com prioridade semelhante a adotada pelas autoridades de Diadema e do Estado no combate ao crime, reduzindo o índice de homicídios de 108 por 100 mil habitantes em 2000 para menos de 10 no ano passado. Sem que a questão econômica seja tratada com senso de urgência e competência, não há saída. O resto é pura enganação de autoridades loucas por votos e de supostas lideranças empresariais que não cuidam do próprio terreno em que pisam.


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