O Clube dos Prefeitos custou a tomar uma medida ousada, caso da restrição a caminhões em determinados horários nos principais eixos viários da Província do Grande ABC, mas acabou não resistindo às pressões: o lobby industrial especialmente dos Ciesps (Centros das Indústrias Paulistas, com unidades municipais) que praticamente ignoram a sociedade, e o calendário eleitoral, porque ninguém é de ferro, falaram mais alto. Sem contar o reforço da dialética dos opositores, que se utilizaram de controvérsias sobre a longevidade dos efeitos das medidas aplicadas na vizinha Capital, mantidas pelo prefeito Gilberto Kassab mesmo sob pressão muito mais intensa. Por isso que a Capital é Cinderela e nós somos Gata Borralheira.
Estava pronto para escrever este artigo nesta manhã de quarta-feira quando li a matéria do Estadão sobre o assunto, depois de todos os jornais da região publicarem reportagens no dia anterior. O professor da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), Jaime Waisman, num breve comentário (o Estadão adota sistema complementar de leitura para levar aos leitores mais que a simples informação, algo que pretendia implantar no Diário do Grande ABC em 2005, quando montei o Conselho Editorial da publicação com 101 especialistas em várias áreas, todos sumariamente desconsiderados após minha saída) simplesmente me roubou as palavras.
Não custa reproduzir o texto do especialista, que confirma nossa situação de Província sem limites para se perpetuar como Província. Sob o título "Imediatismo terá um preço a ser pago", escreveu Jaime Waisman:
Caminhões rodando pela cidade durante o dia todo, em todos os lugares, é um fenômeno brasileiro. É algo do século passado, Atualmente, você vai para as grandes cidades do mundo e não enxerga caminhões trafegando pelas ruas. Trata-se de uma questão de programação. É evidente que isso pode acarretar mais custos, por se ter de trafegar durante a noite e de madrugada, mas trata-se de uma tendência mundial. Por isso, a decisão da Prefeitura de São Paulo de restringir a circulação de caminhões está correta e seguindo a linha das grandes cidades do mundo. Esse pessoal que tomou a decisão de cancelar a restrição do ABC precisa se conscientizar de que eles fazem parte da Grande São Paulo, com 20 milhões de habitantes. Como aspiramos ser uma grande metrópole mundial se continuam a pensar como 100 anos atrás?
Orlando Morando nos bastidores
Por mais que a direção do Clube dos Prefeitos venha a público apresentar justificativas para a marcha à ré na decisão encaminhada em novembro do ano passado, fica difícil engolir a vitória dos lobbistas industriais e eleitorais. Há gente graúda que participou ativamente dos bastidores sem botar a cara à publicidade porque não lhe ficaria bem perante o eleitorado.
O deputado estadual Orlando Morando, autor de impressionante caradurismo chamado Lei da Ficha Limpa para quadros públicos do Estado de São Paulo, justamente Orlando Morando, vejam só, integrou ativamente os bastidores da rebelião industrial, porque tem compromissos com o setor de transporte de carga. É um direito como cidadão e mesmo como político decidir arregaçar as mangas em defesa de potentados de financiamento eleitoral, mas não lhe fica bem, justamente ele que tanto gosta de botar a cara ao público, com campanhas de outdoors que infestam a região, mover-se anonimamente nessa questão.
Mas isso é o que menos interessa nessa questão toda. Lamenta-se que o Clube dos Prefeitos, conglomerado de autoridades públicas que dava sinais de vitalidade sob a presidência do prefeito de Diadema, Mário Reali, tenha se precipitado ou se acovardado no caso dos caminhões que atravancam as ruas e as avenidas da região em horários incompatíveis com a produtividade do trabalho.
A derrota infligida pelos industriais sempre dispersos em suas unidades de representação corporativa que não passam de escritórios burocráticos porque todo o poder se concentra na Capital, na Avenida Paulista, é a derrota da sociedade -- por mais que estudos domésticos minimizem a importância das restrições ao uso de caminhões. Estudos, aliás, que não batem com trabalhos análogos no Primeiro Mundo, onde a liberalidade de uso de veículos pesados em horários nobres não integra o cardápio de qualidade de vida urbana.
Rodoanel e mercado imobiliário
Duas questões interligadas aos congestionamentos incentivados pelo uso de caminhões passaram ao largo do noticiário e mesmo de eventuais análises sobre o recuo do Clube dos Prefeitos. Primeiro, o trecho sul do Rodoanel praticamente pouco alterou a produtividade da economia da Província do Grande ABC. Segundo, a farra do boi do mercado imobiliário a ocupar insanamente os principais eixos viários dos municípios incrementa desperdícios sociais e econômicos que não podem ser esquecidos quando se discutirem questões relacionadas à mobilidade urbana.
Depois de arrumar sarna para se coçar, a direção do Clube dos Prefeitos deve mesmo agora é acelerar os resultados do plano estratégico contratado para detectar a realidade do sistema viário da Província do Grande ABC e encaminhar as soluções possíveis. Essa é uma das melhores iniciativas que o Clube dos Prefeitos ofereceu em duas décadas de gestão coletiva pífia porque finalmente se observa a região como um todo e também a integração com a Capital e a Região Metropolitana.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?