Sociedade

E agora, quem vai denunciar o
Residencial Ventura à Justiça?

DANIEL LIMA - 22/08/2012

Uma noticia publicada pela Folha de S. Paulo de ontem, terça-feira, me leva a voltar a um assunto sobre o quanto dei uma trégua nos últimos tempos apenas por questão tático-estratégica. Trata-se do Residencial Ventura, condomínio residencial construído num amplo quarteirão que por mais de 70 anos sediou uma indústria química (Atlântis) altamente contaminadora do solo.


 


Denunciei a irregularidade nesta revista digital com amplas provas, mas até agora não ocorreu nada de efetivo, exceto uma ação judicial contra mim, perpetrada pela Incorporadora Cyrela, parceira do empresário Sérgio De Nadai (o mesmo recentemente condenado por integrar a Máfia da Merenda, uma escandalosa rede de corrupção que atingiu diretamente crianças de vários Estados). A matéria da Folha de S. Paulo me dá esperança de que pelo menos um morador do Residencial Ventura terá a coragem de impetrar ação indenizatória na Justiça, quem sabe desencadeando novos rumos na apuração.


 


Repasso, antes de voltar ao Residencial Ventura, vários trechos da matéria do jornal paulistano sob o título “Justiça manda indenizar comprador de imóvel em terreno contaminado”:


 


 A Justiça de São Paulo condenou uma construtora a pagar R$ 120 mil de indenização ao comprador de um de seus apartamentos por não tê-lo informado de que o prédio foi feito em área contaminada. Para o juiz Tom Alexandre Brandão, da 12ª Vara Cível da Capital, houve “dolosa (intencional) omissão” por parte da Helbor ao vender o Condomínium Parque Clube, em Guarulhos (Grande São Paulo). A Helbor diz que não houve má-fé, que informou que estava fazendo a descontaminação e que vai recorrer da decisão. Advogados ouvidos pela Folha dizem que, provavelmente, esse é o primeiro caso em que a Justiça atrela de forma direta uma ação por danos morais ao problema de contaminação de um terreno. (...) Segundo a advogada Cristiane Varela, do escritório Salgado Associados, seu cliente, Gilberto Romera, comprou o apartamento em 2009 mas ficou sabendo do problema da contaminação só em abril de 2011, dias antes da formação oficial do condomínio. O problema de contaminação, entendeu o juiz, foi decisivo para o atraso na entrega das chaves, prevista para fevereiro de 2011, mas que só ocorreu cinco meses depois. “Havia a determinação da Cetesb (agência ambiental paulista) de que os donos do terreno não poderiam construir, nem comercializar, nem habitar a área, antes de a descontaminação ser feita”, diz Cristiane, que além de ser moradora do condomínio, representa outros 14 clientes. “Se dúvida existia, jamais deveriam levar o processo adiante (...). Mas a ganância levou a lançar o empreendimento, omitindo todo o problema dos compradores”, diz o juiz, que aponta “flagrante violação ao dever de informação que permeia o Código de Defesa do Consumidor”. O Parque Clube está sobre uma antiga área industrial. Entre 2006 e 2007, a Helbor sabia da provável contaminação do solo e da água subterrânea, segundo a Justiça.


 


Ventura é mais escandaloso


 


O caso é semelhante ao do Residencial Ventura, em Santo André, mas muito menos grave. No caso que envolve a Incorporadora Cyrela e Sérgio de Nadai, como cansamos de relatar, houve irregularidade desde o princípio, quando, mesmo ao tomar conhecimento de um laudo técnico do Semasa (espécie de Cetesb de Santo André) que identificava contaminação naquele terreno, os empreendedores lançaram-se, na semana seguinte, à comercialização de apartamentos.


 


Como expliquei detalhadamente em texto editado em fevereiro do ano passado nesta revista digital, o lançamento comercial do Residencial Ventura só poderia ser realizado após o atendimento de imensa lista de obrigações ditadas pelo Semasa, culminando, então, na expedição da Licença Ambiental de Instalação. Lançado comercialmente numa grande festa em dezembro de 2006 no próprio terreno sobre o qual se ergueram mais tarde 320 apartamentos de classe média-média, o Residencial Ventura só obteve a emissão da Licença Ambiental de Instalação em 28 de setembro do ano seguinte.


 


Esta é apenas uma das várias irregularidades do empreendimento. A velocidade com que se deu a aprovação do projeto, então, é digna de uma disputa de Fórmula-1. Qualquer especulação que correlacione as relações então muito próximas de Sérgio De Nadai e os poderes do governo do Estado não fugiria de uma bitola de racionalidade senão acusatória, por eventuais ausência de provas, ao menos explicativa à performance burocrática.


 


Inquérito esclarecedor


 


Ainda para quem acha que tudo isso é pouco e que o Residencial Ventura está longe de ser uma mancha de irregularidades mais que subjetivas, mas sim palpáveis, recorro a uma das folhas do Inquérito Civil do Ministério Público de Santo André que, à folha 75, dá espaço para o geólogo Ângelo José Consoni, responsável técnico da TCRE Engenharia. Atendendo à solicitação da Mac Cyrela Itália Empreendimentos Imobiliários, o especialista registra exatamente o seguinte, num atestado mais que condenatório à empresa contratante:


 


 A análise do Relatório Complementar de Investigação Ambiental Confirmatória apresentada pelo Empreendedor (em 18 de maio de 2007) e efetuada pelo Semasa em seis de julho de 2007, não possibilitou posicionamento conclusivo quanto à inexistência de contaminação no lote, sendo solicitada a coleta e análise do solo e da água subterrânea em pontos de amostragem adicionais, a serem definidos de modo à melhor representar as potenciais fontes de contaminação da antiga planta industrial existente no lote (tanques de solventes e de combustível), bem como o sentido do fluxo hidrogeológico do local. Tais condicionantes foram expressas na Notificação ELA/Geplan/DGA 926/07, de 27 de julho de 2007.


 


Encurtando o caminho ao entendimento: já naquele julho de 2007, quando o terreno em questão passava por investigação ambiental, depois de, no ano anterior, o Semasa apontar impropriedades, a Cyrela vendia como pão quente as unidades do Residencial Ventura sem comunicar aos adquirentes sobre o estágio de verificação do estado do solo e das águas subterrâneas daqueles quase 15 mil metros quadrados. Os mesmos quase 15 mil metros quadrados que, até então, estavam praticamente inutilizados à verticalização intensa com que foram premiados, já que a voz corrente entre os especialistas em mercado imobiliário os condenavam ao esquecimento por causa do passivo ambiental.


 


Relação íntima


 


O pecado capital da Incorporadora Cyrela e de Sérgio De Nadai, que representava os interesses da Família De Nadai no empreendimento, por conta do que convencionalmente se chama de permuta de parte da área comercializada por unidades construídas, tem estreita relação com o noticiário da Folha de S. Paulo sobre o condomínio de Guarulhos: o jogo de esconde-esconde de informações relevantes aos compradores.


 


É provável que com a sentença do caso em Guarulhos os primeiros proprietários de apartamentos do Residencial Ventura, em Santo André, não se vejam mais como compulsórias vítimas silenciosas que se transformariam em otárias caso partissem à contraofensiva em direção aos empreendedores. Com isso, trafegariam por uma nova alternativa, de afirmação da cidadania associada ao Código do Direito do Consumidor, e iriam à luta jurídica pelo resgate financeiro das perdas latentes que sofreram. Eles sabem que a pecha de condomínio em área suspeitíssima de contaminação não é exatamente um atributo de marketing à valorização financeira do espaço adquirido, realidade que ações judiciais poderiam compensar. Como em Guarulhos. 


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