Este texto é mais uma oportunidade para Milton Bigucci, presidente eterno da Associação dos Construtores do Grande ABC, engrossar a demanda judicial contra este jornalista, fazendo-se de vítima quando, de fato e à luz da verdade, vítimas são todos aqueles que acreditam que os comunicados daquela entidade são peça de seriedade e de responsabilidade social.
É claro que o Judiciário não poupará decepção a quem, como ele, se julga intocável e inquestionável. Afirmo com todas as letras que, mais uma vez, o dirigente classista de uma instituição com baixíssima representatividade (o número de associados é infinitamente muito abaixo do potencial das categorias que supostamente representa), está ludibriando a Imprensa da região com novos números fantasiosos sobre o mercado de imóveis novos vendidos na Província do Grande ABC.
O acinte de Milton Bigucci beira à provocação tanto quanto a ingenuidade da mídia, já que, sabedora de que a Associação dos Construtores não conta com infraestrutura física, material e metodológica para desenvolver pesquisas confiáveis, bota fé nas numeralhas expostas com ares de IBGE.
E muitos ainda acreditam!
Vamos direto ao ponto: Milton Bigucci reuniu a Imprensa na última terça-feira para comunicar que a Província do Grande ABC aumentou em 15% a venda de imóveis novos (apartamentos) no primeiro semestre deste ano, em relação ao primeiro semestre do ano passado. Demorou um bocado para o comandante da MBigucci chamar os repórteres, porque já estamos em setembro.
Pesquisa análoga na Capital, sob a responsabilidade do Secovi, virou notícia nos jornais em 9 de agosto, ou seja, quase um mês antes. Mesmo assim, ou seja, mesmo com esse referencial, Milton Bigucci abusou do triunfalismo e da ingenuidade ou da acomodação da sociedade ao proclamar os dados da região. Na Capital, muito mais pujante que qualquer outro endereço metropolitano da América do Sul, o crescimento das vendas de imóveis novos no mesmo primeiro semestre não passou de 2,6%, em relação ao mesmo período do ano passado.
Traduzindo a equação: segundo Milton Bigucci, o mercado imobiliário da Província do Grande ABC (que, segundo fontes mais que insuspeitas desta revista digital, está andando de lado faz muito tempo) comercializou apartamentos novos num volume relativo quase seis vezes superior ao da Capital. Um feito extraordinário que, a se acreditar na premissa bigucciana de que somos o paraíso nacional do setor, deveríamos também estar nadando de braçadas em todas as outras atividades. Ou alguém acredita para valer que é possível vender tão mais que a Capital sem que o dinamismo econômico não seja relativamente também bastante superior? Exceto, é claro, se estivéssemos vivendo a maior bolha imobiliária da Nação. Bolha imobiliária no sentido de excesso de oferta e de escassez de demanda já temos, mas nada que se diferencie pronunciadamente de tantas outras bolhas imobiliárias em outros territórios.
Reincidência impune
Convém lembrar que esta não é a primeira vez que Milton Bigucci faz da mídia gato e sapato de estatísticas furadas. Escrevei em 8 de março último sobre o balanço de 2011 do mercado imobiliário da região e da Capital. O Secovi registrou queda de 21,2% na venda de apartamentos novos na cidade de São Paulo durante os 12 meses do ano passado. Na Província do Grande ABC, sob o controle manipulador de Milton Bigucci, o balanço foi fantástico: crescemos nada menos que 8,57%.
É claro que existe muita coisa de equivocada nesse galinheiro estatístico. A crer na solidez dos dados de Milton Bigucci, a galinha está a correr atrás do peru, o pato quer acasalar-se com o ganso, o urubu faz pousada entre as corujas, o macaco deixou o zoológico para trocar carícias com o marreco e a andorinha cansou de ficar sozinha para atirar-se nas asas do visitante gato. Se essa suruba zoológica parece improvável, creiam os leitores que os dados da Associação dos Construtores está em patamar ainda mais ficcional.
O desaquecimento do mercado imobiliário da Província do Grande ABC – assim como de tantas outras praças – é tão intenso nesta temporada em relação à efervescência com que se comportou nos últimos anos que o mesmo noticiário que dá conta do irreal aumento de 15% das vendas de imóveis novos no primeiro semestre deste ano aponta que houve queda de 39,6% nos lançamentos. Aliás, esse tombo se assemelha ao registrado no mesmo período na Capital, segundo o Secovi, ao atingir 37,2%. O descasamento entre lançamentos e vendas envolvendo Capital e Província do Grande ABC é obra e arte de Milton Bigucci e de sua máquina de alquimias.
Preço da mentira
Quando se esmiúçam esses números relativos, percebe-se que o preço da mentira da industrialização de dados anabolizados de supostas vendas de apartamentos novos no ano passado leva Milton Bigucci a embaralhar-se também nesta temporada. Nada fica impune quando se manobram informações. O crescimento anunciado pelo presidente da Associação dos Construtores no primeiro semestre deste ano é ainda mais estonteante porque a base de cálculo são os números já inflados e artificializados do ano passado. Já os dados do Secovi sobre a Capital são mais palatáveis e verossímeis, porque são muito mais discretos nos primeiros seis meses deste ano do que os anunciados na Província do Grande ABC e, vejam bem, se alimentam de números negativos registrados na temporada passada.
Um dos argumentos da defesa judicial de Milton Bigucci para tentar retirar dos arquivos desta revista digital tudo que diga respeito às atividades institucionais do dirigente é a frequência com que dedico textos ao dirigente que comanda o noticiário do mercado imobiliário da região. Vejam só que esse vezo ditatorial pretende passar a mensagem de que Milton Bigucci é uma santidade que deve seguir longe do alcance jornalístico. Como já escrevi milhões de vezes, mercado imobiliário faz parte da cesta básica da sociedade e como tal merece todo o cuidado. Pena que a maioria da mídia, movida à publicidade do setor, cale-se ante tantos desatinos. Não é a frequência com que um veículo de comunicação se debruça sobre determinada temática ou agente temático que caracteriza suposto crime de perseguição individual desalmada e pessoal, como pretende fazer crer o defensor de Milton Bigucci. É a reincidência de desmandos, descasos, manipulações, enrolações e assemelhados que sustentam a saga jornalística em defesa da verdade factual. São inúmeros os exemplos nesse sentido. Basta entender um mínimo de jornalismo.
Como já procedi outras vezes, mais uma vez reitero a Milton Bigucci uma transparência total dos dados que supostamente coletou para dar sustentabilidade às estatísticas da Associação dos Construtores: desafio-o a debulhar todos os números ante especialistas e a representantes do Ministério Público. Ele jamais aceitará a proposta porque cairia em desgraça pública e, com isso, perderia o que resta de discurso de credulidade dirigido aos despreparados ou acovardados da sociedade, quando não aos beneficiários de seu poder econômico -- o de que sofre uma campanha de cunho pessoal.
O Brasil está longe de reunir uma ferramenta que destrinche com segurança as idas e vindas do mercado imobiliário em suas variáveis territoriais. Os modelos que estão aí são flagrantemente unilaterais, sempre sob a influência dos mandachuvas do setor e de investidores aliados. A diferença em relação à Associação dos Construtores é que aqueles são profissionais com alguma embocadura metodológica, embora frágil em cientificidade, enquanto as declarações de Milton Bigucci são resultado de um amadorismo estatístico chocante. Tão chocante que a própria classe dos construtores, cujos representantes passam longe da Associação, ficou estarrecida com o noticiário de ontem em alguns jornais locais.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!