Sociedade

MBigucci: como arrematar uma
área pública à margem da lei (I)

DANIEL LIMA* - 17/10/2012

O conglomerado MBigucci, portento no mercado imobiliário da Província do Grande ABC, acresceu à coleção de estoque de terras urbanas de elevado valor financeiro uma área pública de 15.800 metros quadrados arrematada de maneira irregular. Num dos pedaços daquela área entre a Avenida Kennedy e a Avenida Senador Vergueiro se pretende construir o empreendimento Marco Zero.


 


O nome é pomposo, ostensivamente pomposo. Razões não faltam. Trata-se de localização privilegiadíssima para um empreendimento focado na modernidade de juntar apartamentos, serviços e escritórios corporativos. Para tanto, entre outras providências, foi necessário sacrificar algumas dezenas de árvores que dividiam o espaço então público com uma sede provisória dos escoteiros, um campo de futebol e alguns imóveis deteriorados e subutilizados.


 


Os prospectos que corretores distribuem são de acabamento gráfico riquíssimo, desdobrados em várias faces que detalham o projeto. A campanha de venda mereceu tratamento especial. Até um encontro de profissionais do setor com um mágico relativamente famoso nas corporações que valorizam aspectos motivais foi incluído na agenda. A MBigucci é uma empresa sólida e organizada. Conhece profundamente o mercado regional. Por isso, não tem imóveis encalhados.


 


Entre os poucos nichos e os muitos micos que infestam o mercado imobiliário regional, a MBigucci só coleciona nichos. Até os adversários mais ácidos de Milton Bigucci reconhecem as virtudes do conglomerado que ele comanda. E não são poucos os opositores. Milton Bigucci é acusado de utilizar-se da Associação dos Construtores em benefício da corporação que preside, o que torna a concorrência setorial desigual.  


 


Tripé de erros


 


Resta saber se, ante as comprovadas derrapagens legais apontadas por CapitalSocial, a MBigucci desenvolverá o projeto Marco Zero ou será obstada por medidas administrativas e judiciais. Saltam à vista pelo menos três questões que destroem a legalidade da operação.


 


Primeiro, o valor do metro quadrado que balizou a arbitragem do espaço e o arremate da MBigucci foi subestimado por laudos técnicos. A MBigucci fechou o negócio por R$ 14 milhões, pelo menos a metade do valor projetado naquele 10 de maio de 2008. A estimativa é de vários empreendedores imobiliários com amplo conhecimento em São Bernardo. O mercado imobiliário já vivia momentos de euforia naquele ano.


 


Segundo, a MBigucci se valeu de conluio com outras duas empresas, participantes do leilão, para alcançar o propósito de comprar a área na bacia das almas.


 


Terceiro, as duas empresas irregularmente associadas à MBigucci durante o leilão confirmaram materialmente a parceria em documentos bancários registrados nos arquivos da Prefeitura de São Bernardo, além de contratos paralelos firmados posteriormente para dar respaldo ao acordo informal.


 


A comercialização do empreendimento Marco Zero lançado pela MBigucci é a ponta de um novelo de problemas que passam obrigatoriamente pelo posicionamento da Prefeitura de São Bernardo e do Ministério Público. Se o propósito da MBigucci é estabelecer fato consumado para impedir qualquer medida de ordem administrativa e criminal que possa anular o processo licitatório de julho de 2008, provavelmente dará com os burros nágua. Já há movimentos à apuração dos fatos. E os fatos são cristalinos nos três vértices que se encaixam nos critérios de ilicitudes amplamente condenatórias aos procedimentos que culminaram na aquisição do imóvel.


 


Ajuntamento prévio


 


Há amplas e insofismáveis provas documentais e testemunhais de que o que se perpetrou naquele leilão foi uma encenação. A Big Top 2, empresa controlada pelo conglomerado MBigucci, juntou-se preliminarmente à Braido Incorporadora, de São Caetano, para comprar o terreno. Durante um intervalo do leilão, associou-se também à Even Incorporadora, da Capital. Tudo para evitar competição que colocasse o preço final fora de uma zona de conforto de rentabilidade máxima. É assim que funcionam as licitações públicas manipuladas. A diferença é que a maioria dos eventos passa ao largo de qualquer denúncia. As partes se acertam com enredos que causariam inveja aos telenovelistas. 


 


A existência de um fio condutor que poderia se estender a corporações previamente aproximadas para adquirir o terreno da Prefeitura por valor muito abaixo do mercado decorreu da publicação de texto nesta revista digital sobre a intolerância do empresário Milton Bigucci com a liberdade de imprensa. O presidente da Associação dos Construtores do Grande ABC recorreu à Justiça, em São Bernardo, para retirar dos arquivos todo e qualquer material de CapitalSocial que lhe fizesse menção à frente daquela entidade. Nem o Regime Militar chegou a tanto no Brasil.


 


Milton Bigucci irritara-se com o desnudamento das fragilidades estruturais da Associação da qual é presidente há mais de duas décadas. Especificamente, irritara-se com o apontamento incisivo de artificialismos na divulgação de dados estatísticos sobre o comportamento do mercado imobiliário na região. CapitalSocial entende que a atividade de compra, venda e aluguel de imóveis faz parte da cesta básica da sociedade, porque envolve um dos maiores gastos permanentes das famílias e que, por isso mesmo, não pode ficar sujeita a manipulações de preços, a especulações despudoradas. 


 


Tratamento especial


 


Milton Bigucci foi à Justiça por entender que CapitalSocial extrapolou o direito de informar. Vitimiza-se ao atribuir a este jornalista ataques pessoais. Nada versado nas lides jornalísticas, Milton Bigucci não sabe distinguir atividades corporativas, atividades institucionais e atividades pessoais. Tampouco conta com assessoria jurídica a indicar o caminho mais apropriado para fazê-lo entender que jornalismo e assessoria de imprensa são compartimentos quase antagônicos no mercado de comunicação. O primeiro procura retratar a realidade dos fatos. O segundo procura informar supostas realidades de fatos de determinados organizações, pessoas físicas de renome, agremiações sociais, políticas, esportivas, entre outras.


 


Provavelmente mal-acostumado com a generosidade do conteúdo de assessoria de imprensa que a maioria da mídia regional lhe oferece, Milton Bigucci direcionou a força econômica que detém na tentativa de amordaçar CapitalSocial. Foi derrotado na Justiça em São Bernardo e recorreu a São Paulo, onde sofreu três reveses consecutivos, na esfera civil. Também ataca no campo criminal.


 


A descoberta da farra no leilão do terreno entre a Avenida Kennedy e a Avenida Vergueiro veio mais tarde, através de denúncia encaminhada a esta publicação digital. Não tem qualquer relação precedente com as demandas judiciais de Milton Bigucci. Não se tem notícia de interpelação judicial do empresário decorrente das denúncias sobre o empreendimento Marco Zero. 


 


Os leitores de CapitalSocial só podem ter acesso às atividades do empresário e do presidente da Associação dos Construtores porque a Justiça fez prevalecer o direito à informação. Já a vida pessoal de Milton Bigucci, à qual CapitalSocial jamais fez qualquer tipo de ilação, continua intacta. Qualquer contaminação se deve, claro, às estripulias do empresário e do dirigente classista.


 


Como evitar, por exemplo, que a atriz Adriana Esteves fique imune a hostilidades quando a confundem num supermercado com a personagem Carminha, megera da novela das nove? É assim que funciona a vida real. A diferença entre Adriana Esteves e Milton Bigucci é que a atriz sofreu abordagens nem sempre civilizadas como preço a pagar pela personagem ficcional, enquanto o empresário colhe resultados sociais de práticas reais. Não existe nada que coloque o Marco Zero num patamar de ficção. Nem que impeça algum autor de telenovela a inspirar-se no modus operandi que encaminhou o resultado final do leilão só aparentemente dentro das normas previamente regulamentadas.  


 


*daniellimalimao@hotmail.com


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