Nada menos que 56% dos paulistanos deixariam São Paulo se tivessem oportunidade. Ante isso, a pergunta é simples: fosse a pesquisa do Ibope feita na Província do Grande ABC, qual seria o resultado?
Mais importante que aferir o grau de desencanto com a região é a simples possibilidade de algum estudo estatístico ser planejado, elaborado e executado. Como se sabe, Província alguma se dá ao luxo de ouvir a voz do próprio povo. Quem se meter a pretender lançar essa métrica será esconjurado pelos triunfalistas, por aqueles que deitam e rolam nestas plagas e detestam quem coloque o dedo na ferida de nossos problemas.
Ou alguém duvida que exista uma confraria de malandros, uma rede do mal e de procrastinadores que têm como lema o individualismo agregado ao autoprotecionismo de grupos fechados, todos sob tentáculos públicos, sindicais e empresariais?
É uma pena que a Província do Grande ABC não tenha nada que se assemelhe à Rede Nossa São Paulo, ONG criada para buscar melhorias ao conjunto da população da Capital.
Nada semelhante se fez por aqui em toda a história. Nem mesmo o Fórum da Cidadania chegou próximo, quando criado em meados da última década do século passado, há 18 anos, portanto. O Fórum da Cidadania surgiu com furor revolucionário nas manchetes de jornais, mas ao poucos mostrou a cara de oportunismos e de politização partidária como apêndice do Diário do Grande ABC que, então, vivia, é verdade, uma tentativa frustrada de reconfiguração da linha editorial. O Fórum da Cidadania deu com os burros nágua e morreu de inanição social, enquanto o jornal acelerou o processo de esvaziamento editorial.
Rejeição dos nocivos
É claro que a Rede Nossa São Paulo é malvista principalmente pelos políticos e por todos que gravitam em torno de acordos indecentes para tentar fazer crer à sociedade como um todo que temos uma coleção de gente qualificadíssima no setor público e de dirigentes econômicos e sociais de primeira linha. Ou alguém considera que é café pequeno, como expôs a Rede Nossa São Paulo, que o aumento da criminalidade em São Paulo, registrado nos últimos meses, fez com que a sensação de insegurança do paulistano atingisse seu maior nível desde 2008. Nada menos que 91% dos entrevistados consideram pouco ou nada seguro viver na Capital paulista – em 2008, eram 87%. Entende o leitor que a situação seria diferente na Província do Grande ABC?
Aliás, foi por conta, entre outras ofensivas eleitorais, da percepção geral de que há um desgaste irrecuperável da qualidade de vida na Região Metropolitana de São Paulo, ditado pela fragilização do setor de segurança, que o vereador Paulo Pinheiro elegeu-se prefeito em São Caetano, em outubro último. Ele bateu na tecla errada, porque São Caetano está a quilômetros de distância do que poderia ser sintetizado como núcleo da criminalidade, mas o efeito psicológico sobre quem mora no Município mas vive no turbilhão metropolitana ajudou a definir o voto em favor da oposição. E olhem que São Caetano tem alguns dos melhores indicadores de criminalidade entre os 20 municípios mais importantes do Estado.
Pena, insisto, que a Província do Grande ABC não invista para valer em algo que poderia ser um ramal, uma linha complementar, qualquer coisa produtiva da Rede Nossa São Paulo. Os dados dos Indicadores de Referência de Bem-Estar do Município (Irbem) produzidos por aquela ONG poderiam, se regionalizados, contribuir imensamente com o planejamento estratégico geral da região. Como faz falta um grupo de cidadãos sérios que decidam pensar no futuro dos filhos, dos netos, e de si próprios, mobilizando-se para que uma espécie de Rede Nosso Grande ABC (vamos deixar “Província” de lado para não pegar mal ante os regionalistas empedernidos) seja criada e aprendesse na vizinha Capital a lidar com os sentimentos da sociedade.
Quantos iriam embora?
Sei lá quantos moradores da Província estariam mesmo decididos a ir embora daqui. Arriscaria dizer que possivelmente seriam em índice superior ao da Capital. Afinal, somos Gata Borralheira com todas as desvantagens de Gata Borralheira: reunimos todos os dramas da Capital vizinha e contamos com massa crítica muito reduzida para criar os pontos positivos que arrefeceriam a subalternidade regional em cultura, em esporte, em lazer, em hotelaria, em gastronomia e em tantas outras modalidades.
Aliás, sobre o estado da periferia da Capital, o coordenador da pesquisa da Rede Nossa Cidade, Maurício Broinzi Pereira, menciona alguns infortúnios no site da instituição:
“As periferias de São Paulo sofrem com um total vazio de equipamentos culturais, lazer e de educação, principalmente no Ensino Médio, e com a falta de oportunidades de trabalho (...) Mas de 250 mil jovens entre 15 e 19 anos estão fora do Ensino Médio, e o índice de desemprego entre 15 e 24 anos é elevado (...) Isso é a base do problema. O que nós propomos são medidas – de curto, médio e longo prazo – para enfrentar a violência na raiz de suas causas, e não focar só no combate à criminalidade, para que os jovens tenham mais alternativas que não sejam o crime” – afirmou.
Se isso ocorre na periferia da Capital, imaginem então o quadro na periferia da Região Metropolitana de São Paulo, da qual a Província do Grande ABC faz parte.
Potencialização dos dramas
O que mais entristece quem tem algum sentimento regionalista, mas que não bebe na mesma fonte dos aproveitadores de sempre e de seus novos aliados é que os bons exemplos da Capital não são sequer divulgados aqui. Até parece que vivemos em outro mundo, que nossa geografia distancia-se daquele território, que as consequências dos desequilíbrios paulistanos jamais chegariam até aqui porque, como numa ação cinematográfica, teríamos salvadores da pátria a impor regras que se dissociam da barafunda paulistana. Nada, evidentemente, que resista aos fatos. De fato, os percalços da Capital potencializam-se fortemente na Província.
Só para dar um exemplo no mínimo inquietante para quem entende que temos capacidade de imunizar as loucuras da Capital: estamos perdendo as melhores cabeças profissionais, dos setores que mais agregam valor ao produto, porque o conceito de morar nas proximidades do trabalho tanto esgrimido por mercadores imobiliários só captura quem tem altos salários e não suporta o vaivém diário de Província-Capital-Província. Para esses, deixar a Província é consequência natural.
Diferentemente, portanto, daqueles que moram na região e atuam profissionalmente na Capital mas que, por não contarem com escolaridade, experiência e salários de ponta, vivem pendurados em transportes coletivos ou alucinados no enfrentamento do trânsito.
Só quem já fez ou ainda faz o trajeto Província-Capital-Província diário pode expor o esfacelamento da qualidade de vida e a consequente disposição de procurar um endereço interiorano que garanta uma vida tão decente quanto relativamente tranquila em relação ao salve-se-quem-puder da metrópole. Mas nada disso tem a menor importância para os donos dos cordéis regionais. Eles desfilam garbosamente nas manchetes de jornais ou atuam anônima mas frutiferamente nos escaninhos do Poder Público.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!