Se você não faz parte é porque não tem o que contar. Sou uma viuvinha bem diferente da maioria, mas os leitores só vão entender após os parágrafos que alinhavo a seguir. Tive essa ideia depois de um acontecimento horroroso que um dia desses posso até contar. Coisa de gente desclassificada, de pau-mandado, de gente sem caráter. Gente, aliás, que tem tudo a ver com muitos dos sentimentos que afloraram com pós-viuvez de Celso Daniel.
Se um dia alguém pretender definir algum adjetivo para tentar resumir minha atividade jornalística provavelmente não cairá em descrédito se me considerar Celsólogo, que se referiria à vida, à obra e principalmente à morte de Celso Daniel. Mas não vou entrar em detalhes sobre isso, para não parecer cabotino.
O que pretendo é escalar um time inteiro, inteirinho, de viúvas de Celso Daniel. Um time que entre prós e contras, entre qualidades e defeitos, é um time que jamais honraria a grandeza daquele homem público que nos deixou há 11 anos e um mês.
Vamos então à Seleção da Viuvez de Celso Daniel?
1. Propagandista – São pessoas a alardear aos quatro cantos que passaram tempo suficiente com Celso Daniel para absorver-lhe conhecimentos e experiência. Ter participado da vida pública de Celso Daniel e, mais que isso, propagar supostos ensinamentos, é o máximo que alguém com viés propagandista pode oferecer a interlocutores. É claro que eles, que são muitos, não entram em detalhes, fantasiam situações, se esmeram em parecer importantes no sistema de poder regido por Celso Daniel. São na maioria dos casos, portanto, propagandistas enganosos. Fossem bons de fato não usariam aquela temporalidade insistentemente como muleta profissional.
2. Inconformados – Esses relutam em aceitar que Celso Daniel tenha viajado para sempre porque tinha tanto a oferecer ao País. São pessoas que viveram a vida pública de Celso Daniel com proximidade suficiente para acusarem para valer as dores da saudade e da orfandade de um gestor público acima da média. Os inconformados não costumam chorar em público nem se integram mesmo que ocasionalmente aos propagandistas porque sabem que a dor a ser chorada é uma dor da reserva, da intimidade, da saudade eterna.
3. Choramingadores – Essa turma é das bravas, porque dramatiza publicamente o infortúnio daqueles dias de janeiro de 2002, alardeando supostas intimidades com Celso Daniel. No fundo, no fundo, o que querem mesmo é chamar a atenção sob o impacto de relações mais emocionais que verdadeiras. São dramalhões mexicanos o que patrocinam, mas se sentem felizes com incautos que acreditam em tudo aquilo que dizem e lamentam.
4. Oportunistas – Esses são os mais numerosos a preencher os espaços públicos, principalmente os espaços públicos, porque Celso Daniel tem o condão de, nessa área sagrada do Poder, imantar uma personalidade sobrenatural de grandiosidade de programas sociais e de inteligência administrativa. Falar em Celso Daniel tem o significado especialíssimo de cavalgar no mesmo potro de rebeldia contra iniquidades que resistem mesmo aos programas de governos de todas as instâncias, os quais, tarde mas não tardiamente, descobriram que o País é uma sucessão de pedaços urbanos e rurais de despautérios humanos.
5. Carreiristas – O que diferencia os carreiristas dos oportunistas é que aqueles, os oportunistas, são amadores na obtenção de vantagens ao utilizar o legado de Celso Daniel como porta-estandarte de marketing pessoal, enquanto estes, os carreiristas, o fazem com tamanho empenho que passam a certeza de que são mesmo nomeados pós-morte para representar aquele grande gerenciador que se foi.
6. Usurpadores – Estes se situam em posição acima dos oportunistas e dos carreiristas, porque, mais que discípulos de Celso Daniel, colocam-se como inspiradores de políticas públicas disseminadas por aquele petista. Está certo que Celso Daniel não detinha o monopólio imaginativo, criativo e executivo de tudo que aflorava em seu governo, mas ao negar onipresença e onipotência que apenas ao Poderoso é permitido relacionar, os usurpadores vão muito além e se colocam acima daquele que os conduzia com a luminosidade dos bens aventurados.
7. Detratores – O contingente é imenso quando se trata de procurar manchar a imagem de Celso Daniel, atribuindo-lhe supostos desvios comportamentais, quando não por praticar o direito legítimo de escolher uma agremiação partidária que se opunha com um discurso então incontestável de moralidade e ética na política. Celso Daniel ganhou adjetivos pejorativos às pencas de gente que, vejam só, agora está “assim” com os petistas que tanto combateram. Sem nenhum constrangimento, os detratores procuram mesmo é usufruir do poder político e econômico cada vez mais expressivo de uma agremiação que se tornou igualzinha às demais, com a vantagem de reunir de forma mais organizada os tentáculos da gestão da vida política e econômica -- mesmo que para isso alie-se sem pudor aos adversários de ontem, hoje dóceis como bichanos de estimação.
8. Santificadores – Essa é uma turma reduzida, formada geralmente por gente que não entende muito de política, de jogo pelo poder, de financiamento eleitoral, dessas coisas que leitores espertos sabem do que se trata, não é verdade? A pureza angelical de Celso Daniel como gestor público foi esgrimida convenientemente por quem interessava implantar no seio da comunidade pouco avisada e sempre pronta a acreditar nos contos da Carochinha que o assassinato tem tudo a ver com brigas internas pelos recursos financeiros amealhados como forma de garantir o sucesso nas próximas eleições. Os irmãos de Celso Daniel, afastados da vida do então prefeito por ciúme e ideologia, viraram seus principais defensores, colocando-o bem próximo a Deus quando, por mais brilhante que tenha sido, Celso Daniel era feito do mesmo barro dos mortais pecaminosos, mais pecaminosos quando entram na roda-viva da política partidária.
9. Seguidores – O brilho intelectual de Celso Daniel deixou um rastro do qual pouco se aperceberam porque para tornar o legado duradouro e frutífero era muito menos importante olhar adiante a imagem que se desvanecia com a cronologia inerente da vida que se vai, do que olhar para trás, nos exemplos deixados ao desvendamento analítico e subsequentes replicações progressivamente restauradoras. Quem correu atrás, somente atrás, do espectro de Celso Daniel, do futuro terreno que não veio, perdeu o bonde da história. O segredo de conhecer Celso Daniel e honrar seu legado está na compreensão de sua obra, em vez de especular sobre o futuro interrompido.
10. Indiferentes – Quem não viveu os tempos de Celso Daniel e jamais se preocupou com o Poder Público como agente de transformação, quem não se meteu a ler pelo menos um dos artigos do então prefeito e acadêmico, quem não teve a oportunidade a acompanhar sequer uma reunião de Santo André Cidade Futuro, programa que, como efeito dominó, colocava o Município nos trilhos de um planejamento orquestrado sob-bases técnicas sem deixar de ouvir a comunidade, quem não teve oportunidade de sentir as palavras de Celso Daniel num comício qualquer, quando à falta de carisma convencional dos grandes oradores magnetizava a atenção de todos com elementos básicos de informações pouco disponíveis no cotidiano, quem jamais passou por um desses movimentos é claro que se tornou indiferente à morte de Celso Daniel, entre outras razões porque jamais entendeu a vida de Celso Daniel.
11. Aliviados – Diferentemente dos indiferentes, os aliviados conheceram toda a trajetória de Celso Daniel, ou pelo menos parte substantiva da trajetória de Celso Daniel. Como se fosse autor de mil gols, como se marcasse quando quisesse um gol de escanteio, de falta, de bicicleta, Celso Daniel encantava pela habilidade verbal e cognitiva de resumir e editar reuniões que pareciam um festival de perda de tempo e de contradições. Sem contar que se negava à pressa de uma decisão intempestiva que pudesse comprometer a administração, prorrogando definições que, expostas mais adiante aos pares, ganhavam a forma de coelhos a saltar de cartolas. Os aliviados são aliviados porque não concorrem mais com a grandiosidade de Celso Daniel e, portanto não se tornam minúsculos. Pelo menos até que alguém, inadvertidamente, recupere o passado.
Em quantos desses modelos de viúvas de Celso Daniel o caro leitor se encaixa? Sim, em quantos modelos, porque não há perfis completamente excludentes, não há necessariamente unicidade na ocupação de funções nesse time comportamental. Minha autocrítica me coloca na opção dos “seguidores”. Infelizmente, sou um dos poucos a enxergar os caminhos percorridos por Celso Daniel. Mais lamentável ainda é que a turma dos que se dizem extensão do grande prefeito é muito maior do que a realidade prática. Não é por outra razão, aliás, que somos a Província do Grande ABC.
Minha viuvez de Celso Daniel é visceralmente antipropagandística, alinhadamente inconformista, irritantemente antichoramingados, febrilmente antioportunistas, doentiamente anticarreiristas, drasticamente antiusurpadores, contundentemente antidetratores, compreensivamente antisantificadores, pacientemente antiindiferentes e insuportavelmente antialiviadores.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!