Já que a Associação dos Construtores do Grande ABC é um monumento à improdutividade ética e uma montanha de interesses corporativos que soterram a cidadania, já que as seções locais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) não estão nem aí com o que ocorre extramuros corporativos, já que está tudo dominado por gente que faz do uso e ocupação do solo regional uma grande algazarra urbanística, econômica e financeira, que tal um desafio às pessoas do bem para que se organizem numa entidade que atuaria como xerife?
Se pensam que estou sendo original na proposta, se pensam que saiu da minha cabecinha oca essa ideia, estão redondamente enganados. Essa entidade já existe, só que atua na Capital, palco das grandes manobras imobiliárias e berço de uma imensidão de empresas que atuam na clandestinidade de financiamentos eleitorais que tumultuam a vida de quem precisa de mobilidade viária.
O escândalo envolvendo há quatro anos uma subsidiária informal do Secovi, o Sindicato da Habitação, custou mais de R$ 35 milhões de multas aos implicados e não me deixa mentir sobre os tentáculos dos cordéis imobiliários. Agora mesmo o vereador Aurélio Miguel está metido até a medula em falcatruas denunciadas pelo Ministério Público Estadual.
Aqui na Província, como se sabe, por mais que os escândalos escandalizem (a redundância é proposital, não um descuido do autor), absolutamente nada acontece como desdobramento a sanear o terreno contaminado de malandros. Dá-se como resposta a quem sai na chuva para denunciar irregularidades, como é o caso deste jornalista, adjetivações agressivas, quando não caluniosas, próprias dos sem-razão.
Nada a surpreender, porque os poderosos se sentem intocáveis. Alguns deles até se dão de vítimas na tentativa de calar este profissional.
Voltando à sugestão de construir um xerifão para colocar um mínimo de ordem ética e moral no solo regional tão aviltado legal e ilegalmente, porque a farra se cristaliza também com nós que se dão na legislação, o Ibed (Instituto Brasileiro de Eco-Desenvolvimento) pode ser uma fonte de inspiração.
Tanto que saiu no Estadão de ontem uma notícia que me deixou particularmente esperançoso de que o melhor contraponto à ineficiência da Associação dos Construtores do Grande ABC, essa inutilidade que muitos de boa-fé acreditam ser operante, é a contrapartida de uma instituição em defesa da sociedade na área imobiliária.
Milhares de irregularidades
O Ibed apontou, na reportagem do Estadão, que milhares de novas construções em São Paulo, Capital, são irregulares. Acreditam os leitores que na Província do Grande ABC teríamos algo diferente?
Advogado do instituto, Bruno Brasil disse ao Estadão que em 2008 propôs uma ação civil no Ministério Público Estadual para barrar um desses empreendimentos nos Jardins, na Zona Sul paulistana. No fim de janeiro, a Justiça suspendeu novamente a construção das obras, que haviam recomeçado após decisão favorável do Tribunal de Justiça, em outubro.
Sempre segundo o Estadão, o que o Ibed entende por irregularidade são edificações que ainda levam em conta os parâmetros da antiga Lei de Zoneamento, extinta em fevereiro de 2005. Depois disso, regras como altura dos prédios se tornaram mais rígidas. Também mudaram os critérios para edifícios ao lado de vilas, que teriam de ser muito mais baixos do que antes, para a preservação arquitetônica e urbanística das ruelas fechadas.
Especificamente esse é o problema do Ibed em um prédio projetado para a altura do número 1.389 da Rua Peixoto Gomide. Os incorporadores planejaram uma estrutura de 24 andares, permitida pelo zoneamento anterior. Entretanto, a nova lei só autoriza um prédio de 15 metros de altura, bem menor, com cerca de cinco andares.
Prosseguindo com a matéria do Estadão, o advogado do Ibed, Bruno Brasil, diz que entre a aprovação da atual Lei de Zoneamento, em agosto de 2004, e a sua entrada em vigor, seis meses depois, diversas incorporações, incluindo as responsáveis pelo prédio da Peixoto Gomide, protocolaram projetos na Prefeitura para a obtenção do alvará da obra e para tentarem se beneficiar das velhas regras, mais flexíveis e que permitiriam prédios maiores em várias zonas densamente povoadas.
Preparando o terreno
Dados da Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo, ainda segundo o Estadão, revelam que foram protocolados 1.829 processos de alvará de aprovação de edificação nova e de alvará de aprovação e execução no período citado pelo defensor do Ibed. Duas empresas – a FRC Incorporação e a Sanca Engenharia – registraram pedidos para a construção de um prédio residencial naquele trecho da Peixoto Gomide na mesma data, poucos dias antes da entrada em vigência do novo zoneamento, no início de 2005. Uma ingressou com um pedido para uma área com seis casas e outro para uma área com apenas quatro dessas residências. “Obviamente, não tinham segurança de que conseguiriam comprar todas as casas. Não sabiam como ia acontecer, então entraram com dois projetos” – afirma o advogado Bruno Brasil.
Para encurtar a história relatada pelo Estadão, no mês passado, ao saber que as obras seriam retomadas após decisão favorável do TJ às incorporadoras, o Ibed entrou com recurso para tentar manter as obras suspensas, enquanto o caso não for julgado no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal. Antes de seguir para Brasília, o pedido é avaliado pelo TJ para que se decida se será ou não admitido. Em caráter provisório, o desembargador Samuel Alves Júnior acatou o pedido do Ibed e parou a construção. Isso até que Prefeitura e construtoras se pronunciem e ele possa decidir se a questão subirá para as instâncias superiores.
Para completar a matéria do Estadão, moradores próximos da obra se organizaram para tentar barrar o empreendimento. Na Internet circula um abaixo-assinado para tentar convencer Alves Junior da importância de manter a obra parada.
Posto tudo isso, faço a seguinte projeção-compromisso. Se houver gente disposta a lutar por um ambiente regional menos contaminado por empreendimentos irregulares e principalmente por legislações de uso e ocupação do solo que deixem de ser uma garantia de lucros fáceis, cujos passivos em forma de investimentos em infraestrutura viária são repassados aos cofres públicos, vamos estar juntos numa batalha coletiva. Precisamos reduzir o grau de corrupção nos escaninhos públicos coalhados de infiltradores imobiliários.
Delírio de madrugada
Será que estou delirando ao dedilhar este texto às duas da madrugada desta sexta-feira, quando uma insônia provocada por um desconforto na garganta se manifesta desde segunda-feira e a cama insiste em me rejeitar?
Será que temos nessa Província do Grande ABC um pequeno que seja grupo de inconformados que, compartilhando as iniciativas desse movimento, do movimento de criação de uma entidade assemelhada ao Ibed, mobilizará a sociedade que não sai nas páginas de colunas sociais, porque a maioria dessa turma já está comprometida com as malandragens impostas goela abaixo, para mudar um pouco essa rota de sem-vergonhice generalizada?
Sinceramente, é o que esperamos. Estou me associando desde já ao instituto que esperamos construir. Será um prazer enorme trabalhar intensamente por um ambiente urbanístico que combata diretamente os mercadores imobiliários insensíveis aos desastres de mobilidade. Deixar às autoridades públicas municipais a tarefa de buscar saídas será uma baita ingenuidade, porque a maioria tem em financiamentos eleitorais e assemelhados não oficiais o setor de construção civil como parceiro inseparável.
Vou voltar insistentemente a esse assunto porque acho que encontrei o fio da meada de novos tempos de oposição coletiva aos maus empresários do setor imobiliário. Será, entretanto, que teremos coletivismo onde os as boas individualidades estão dispersas e de alguma forma amedrontadas com represálias dos oportunistas organizados?
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!