Sociedade

Nem sistema de cotas se salva
na Universidade Federal do ABC

DANIEL LIMA - 13/03/2013

A UFABC (Universidade Federal do Grande ABC) é um potentado de desperdícios e improdutividades encravado na Província do Grande ABC sem que mereça de uma sociedade apática qualquer acompanhamento sério, independente e desafiador. Sabe-se muito pouco o que acontece em seus interiores, nos campus de Santo André e de São Bernardo. E o pouco que é revelado é tão maltratado em termos de reflexão que causa espanto.


 


Querem um exemplo? O Diário do Grande ABC de domingo último publicou uma rara reportagem sobre a UFABC sob o seguinte título: “Pesquisa com estudantes da UFABC derruba mito sobre cotas”. Corri ávido à leitura, porque não é de hoje que coloquei aquela universidade na alça de mira crítica. Sabem o que encontrei?  A manchete não tem nada a ver com o conteúdo. Há desajustes que me levaram a duvidar que a matéria tenha passado pelo crivo de qualidade dos editores.


 


Vou reproduzir alguns dos parágrafos da matéria principal (há uma matéria auxiliar, sobre a qual também farei observações) e chamo a atenção dos leitores para que acompanhem com cuidado:


 


 O desempenho acadêmico de estudantes da UFABC (...) ao longo dos anos indica que o sistema de cotas – que reserva 50% das vagas para estudantes oriundos de escolas públicas -- não interferiu negativamente na qualidade do Ensino Superior Público. Apesar de os cotistas apresentarem mais dificuldades no aprendizado, principalmente nos primeiros anos de graduação, levantamento realizado em 2011 mostra que o êxito médio de todos os discentes mensurado pelo CR (Coeficiente de Rendimento) que varia de zero a cinco, é considerado satisfatório. De acordo com a pesquisa institucional, os 4.855 estudantes entrevistados têm desempenho médio de 2,06. Na universidade (para que os alunos tenham acesso às bolsas de incentivo) é preciso obter CR a partir de 2.0. Quando avaliados separadamente, no entanto, as notas nos dois grupos mostram que cotistas têm mais dificuldades em aprender. O CR geral, dos alunos que cursaram Ensino Médio em escolas públicas, fica em 1,99, enquanto que a nota dos jovens formados nas escolas particulares é de 2,11. A disparidade, no entanto, não interfere na média geral da universidade.


 


Ora, ora, ora, bastava esse texto para destruir completamente o conceito emitido pela manchete da página, que, repito: “Pesquisa com estudantes da UFABC derruba mito sobre cotas”. Quem tiver dúvidas basta reler os parágrafos acima que simplesmente confirmam não o mito, mas a realidade brasileira que coloca estudantes de escolas públicas de Ensino Médio, além do Ensino Fundamental, em nítida desvantagem em relação às escolas particulares.


 


Deserções preocupantes


 


O texto auxiliar sob o título “Cotistas são minoria entre estudantes que concluem graduação”, agrava o desconforto dos estudantes com origem em escolas públicas em acompanhar a grade curricular da Universidade Federal do Grande ABC, presente com o qual o então presidente Lula da Silva resolveu contemplar a região – embora menos de 30% dos estudantes inscritos tenham moradia familiar aqui. Vamos ao texto do Diário:


 


 Beneficiados com metade das vagas destinadas aos ingressos no vestibular da UFABC, estudantes cotistas representam minoria entre os formados. Levantamento da instituição mostra que o número de alunos oriundos de escolas públicas que concluíram o Ensino Superior até 2012 é 34% menor do que o de jovens que cursaram o Ensino Médio na rede privada. Dos 734 alunos formados até o ano passado, 292 são cotistas e 442 não.


 


Parodiando aquele narrador esportivo enfadonho da Fox, diria o seguinte: para tudo, para tudo. Está ali no Diário do Grande ABC que os estudantes de escolas públicas perdem feio a corrida para os estudantes que vieram de escolas privadas. De cada 100 estudantes que se formaram até o ano passado, na primeira leva da UFABC, nada menos que 34 ficaram no meio do caminho quando se observa a origem escolar. Ou seja: a ineficiência de alunos e professores compromete a igualdade de oportunidades e de formação imposta pelo regime de cotas que não está em julgamento neste texto, embora não deixe de saltar aos olhos que há forte inclinação avaliativa à edulcoração do sistema adotado pela UFABC de forma inédita. Mais um motivo, aliás, para os responsáveis pela escola adotarem mecanismos, processos e monitoramentos que justifiquem a iniciativa além do proselitismo ideológico.


 


Fim de esperança


 


Se a Universidade Federal do Grande ABC já é um disparate regional, porque não tem vocação alguma para contemplar atividades econômicas que nos sustentam e muito menos voltadas a eventuais novas matrizes produtivas, ao menos restava a esperança de que manteria equilibrado um jogo de oportunidades entre estudantes de escolas particulares e estudantes de escolas públicas.


 


Se nem isso a UFABC é capaz de assegurar, o mínimo que se tem a perguntar é o que está fazendo na região? Está bem, está criando cérebros para o Brasil, como não cansaram de repetir ao longo dos anos reitores sem nenhuma intimidade regional. Mas, objetivamente cobrando: por que tanto gataborralheirismo de estufar o peito para dizer que temos uma universidade com selo federal se as unidades instaladas em Santo André e em São Bernardo são apenas entrepostos de outros territórios e economias?


 


O que temos, afinal, é a pior associação possível como síntese da Universidade Federal do Grande ABC: o lustro incessante de um ego curricular que transforma a região em simples depositário temporário de cabeças supostamente brilhantes, principalmente egressas de escolas privadas, e a condenação explícita de um sistema de cotas pretensiosamente democrático e solidário mas que, por não ter controle de qualidade e de inclusão educacional, traumatiza estudantes de escolas públicas e de famílias economicamente de baixa renda.


 


Fosse realmente comprometida com os vetores sociais que tanto desbrava, a UFABC faria do sistema de cotas algo tão obsessivamente doutrinário como o propalado conceito revolucionário de aprendizado modular que valoriza a maturidade dos estudantes até a definição do caminho profissional a seguir.


 


Perguntem aos administradores públicos se a Universidade Federal do Grande ABC e os buracos que revela estão na pauta de debates do Clube dos Prefeitos. Perguntem a qualquer instituição pública ou privada com sede na região se a UFABC está no horizonte de questionamentos? Não é preciso ir adiante para entender as razões que levam a direção daquela escola a desdenhar da Província.


 


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