Sociedade

Caímos no Ranking do IDH e
poucos conseguem explicar

DANIEL LIMA - 20/03/2013

É impressionante como o jornalismo impresso diário está em crise, mesmo nas grandes publicações. A semana que passou com a divulgação do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) foi prova disso. Todos os jornais de papel correram na mesma raia miúda de produzir informações ralas, sem contextualizações mais profundas, sem ponderações que pudessem retirar dúvidas.


 


Já estava jogando a toalha de insatisfação quando apareceu o professor de economia Flavio Comim, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade de Cambridge, para salvar a pátria. Finalmente, o IDH foi desvendado. Pena que tenha sido longe das redações.


 


Antes de voltar ao professor, faço um parêntese. Quando tive a péssima ideia de acreditar que o Diário do Grande ABC estava decidido mesmo a mudar de rumo naquele julho de 2004 e assumi a direção de Redação, planejei e executei a proposta de criar e dar posse ao Conselho Editorial. Reunimos 101 especialistas em diversas áreas de conhecimento, todos com atuação profissional ou residentes na região.


 


A proposta era simples e direta: eles seriam o suporte aos profissionais de Redação num processo de especialização também dos jornalistas. Sem especialização não há garantia de que o jornalismo transmitirá segurança e precisão aos leitores. O Conselho Editorial foi jogado no lixo após minha saída nove meses depois, trocado que fui por uma sentença judicial, e o que se viu em seguida é o que todos veem hoje a cada página virada.


 


De volta ao IDH, o professor Flávio Comim deu um show de informações numa das páginas do jornal Valor Econômico. Explicou tantas coisas que os jornalistas desconhecem ou têm preguiça ou não têm tempo para pesquisar. Vale a pena mencioná-las.


 


Escreveu o professor que dentre os 12 países latino-americanos que estão no mesmo grupo de desenvolvimento do Brasil, mais Chile e Argentina, pode-se notar que temos a taxa de expectativa de vida mais baixa de todos. “Enquanto vivemos em média 74 anos, pessoas que vivem no Chile vivem 79,3 anos, na Argentina 76,1 anos, no Uruguai 77,2 anos, etc”.


 


Percalços seguidos


 


Lembra o professor que o Brasil é um dos países latino-americanos onde a distribuição de expectativa de vida é mais desigual, com perdas de 14,4% no IDH-Saúde. Também é o país com o pior índice de satisfação com a saúde, com apenas 44% de aprovação. Na Educação, temos a maior taxa de abandono do primário (24,3%) e uma das menores taxas de matrícula no terciário (36,1%) dentro os países latino-americanos no mesmo grupo de desenvolvimento.


 


Reparem que o autor do artigo não compara o Brasil com as maiores potenciais mundiais. Ele nos coloca entre os latinos, só entre os latinos.


 


Para aqueles que acham o Brasil uma maravilha e que é impossível construir um País sob a ótica crítica, o artigo do professor Flavio Comim é algo como o satanás antes uma cruz. Ele centra bateria também sobre o período mais recente desse medidor da Organização das Nações Unidas quando se compara que o Brasil já esteve muito melhor posicionado no ranking -- por exemplo, o 51º em 1990, 58º em 1996 e 63º em 2005, ante o 85º em 2012. “Pode-se contra-argumentar que em outros anos não foram incluídos 187 países como em 2012 e 2011 (a média histórica é de 175 países), mas o fato é que a maior parte das inclusões ao longo do tempo foi abaixo do Brasil”. Repararam na observação: “a maior parte das inclusões ao longo do tempo foi abaixo do Brasil”, escreveu o professor. Ou seja, mesmo com as inclusões houve baixíssimo impacto direto na classificação brasileira, na Quinta Divisão em qualidade de vida.


 


Escreveu também Flavio Comim que houve desaceleração do crescimento do IDH do Brasil nos últimos anos de forma mais significativa do que a de outros países latino-americanos e não se vislumbra, segundo ele, possibilidades de alcançar o IDH de Chile, Argentina, Uruguai, Cuba, Panamá, México e mesmo a Venezuela no médio prazo. Sentiram o golpe?


 


O professor vai fundo no strip-tease do ranking do IDH ao contestar argumento do tipo “a taxa de crescimento do IDH brasileiro de 1990 a 2012 foi de 24% maior que a do Chile, Argentina e México”. E explica: “Infelizmente ignoram que, se considerados outros períodos, por exemplo, nos últimos cinco anos, a taxa de crescimento do IDH da Argentina e de outros sete países latino-americanos é superior a do Brasil”. Para o professor, o problema não é que o Brasil não tenha melhorado no longo-prazo, o problema é a desaceleração recente do crescimento do IDH brasileiro, principalmente levando-se em consideração que países como o Brasil na 85ª posição deveriam crescer mais do que países como Chile (40ª) e Argentina (45ª) pela simples razão que têm mais espaço para crescer dentro da escala zero a um do IDH.


 


Nadando de braçadas


 


Enquanto os indicadores nacionais de qualidade de vida avançam em velocidade de cágado quando comparados a países de tipologia semelhante, a presidente Dilma Rousseff nada de braçadas no Ibope encomendado pela Confederação Nacional de Indústria, segundo o que está nos jornais de hoje. A avaliação de ótimo ou bom do governo subiu de 62% em dezembro para 63% em março. A aprovação pessoal da presidente cresceu de 78% para 79%. E a confiança na presidente, de 73% para 75%. Dilma Rousseff ultrapassou pela primeira vez o ex-presidente Lula da Silva. O índice dos que acham seu governo melhor do que o do antecessor subiu de 19% para 20%. Os que acham pior caiu de 21% para 18%. Aumentou os que o consideram igual: de 59% para 61%.


 


A oposição aposta num desgaste da credibilidade e do prestígio de Dilma Rousseff, por conta do baixíssimo crescimento do PIB, das dificuldades de segurar a inflação dentro da meta, do câmbio destruidor da indústria nacional e também dos juros garantidores de uma febre de consumo que já se esvai. Talvez o maior erro da oposição seja apostar demais nos indicadores atuais, sobre os quais a maioria da população não se dá conta até que eventualmente o desgaste chegue a cada residência, a cada fonte de trabalho.


 


Talvez o melhor fosse esquadrinhar o futuro mais próximo mas não tão próximo tendo como instrumentos de operação indicadores como o do IDH. Fere demais o brio nacional um enfrentamento desvantajoso ante argentinos, chilenos e tantos outros hermanos latinos sobre os quais mantemos espécie de arrogância indomável cultivada em áreas diplomáticas, no campo econômico, na cultura e também no futebol. Aliás, o futebol é a síntese de tudo isso, com desprezo à maioria dos adversários brasileiros na Libertadores da América e uma rivalidade que quase chega às raias da estupidez ante os argentinos.


 


Fosse marqueteiro de oposição, não desprezaria os números do IDH como contraofensiva aos rescaldos consumistas do período Lula da Silva.


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