Depois de constatar série de irregularidades envolvendo players e piratas do mercado imobiliário na Província do Grande ABC, em situações que ainda não resultaram em absolutamente nada, apesar de fartamente documentadas, cheguei à conclusão que o Ministério Público precisa abrir uma nova especialidade para conter a fúria de malandrados juramentados e, com isso, não ser passado para trás por gente extraordinariamente criativa.
Assim como há divisões do MP voltadas ao meio ambiente, ao consumidor, a crimes de prefeitos, a Direitos Humanos, à Infância e Juventude, entre outros, seria interessante se voltasse os olhos e os tentáculos ao setor imobiliário e à construção civil como um todo. Afinal, estamos nos referindo à maior fonte de corrupção de administradores públicos.
O MP, pelo menos o MP da Província do Grande ABC, não está preparado para as jornadas nessa área. Na Capital, há vários casos que fornecem a convicção de que o enredo é diferente. A divisão já contemplada do MP de Urbanismo e Meio Ambiente comportaria uma ramificação do mercado imobiliário e da construção civil?
Possivelmente sim. Quem disser que seria redundante, porque Urbanismo e Meio Ambiente já reuniria a especificidade, provavelmente estaria correto se a prática fosse verdadeira. Há especificidades do mercado imobiliário e de construção civil que passam ao largo de Urbanismo e Meio Ambiente. Atacá-las no nascedouro, nos labirintos do Poder Público, é tão fácil como tomar doce de criança. Basta organizar-se.
Casos emblemáticos
Só para refrescar a memória dos leitores, vou citar três casos denunciados por CapitalSocial e que não saíram da estaca zero porque o Ministério Público não acompanha o rastro dos prevaricadores. Primeiro foi o Residencial Ventura, depois o da Cidade Pirelli e em seguida do Marco Zero. Outros tantos que forem denunciados terão o mesmo destino.
Em todas aquelas situações houve flagrantes desvios, comprovados por documentos fartos, testemunhos inclusive. E olhem que não estou me referindo, ainda, àquelas torres residenciais ao lado do Shopping ABC, no antigo terreno da Casa Publicadora.
Ali, um córrego foi simplesmente soterrado ou escamoteado sem autorização alguma, em flagrante delito. O uso e ocupação do solo, então, foram acintosamente desrespeitados. Tantas torres ali são um acinte que permanece impune, embora o denunciante do escândalo do Semasa, o advogado Antônio Calixto, no centro do fogaréu, tenha afirmado que a liberação da área está recheada de irregularidades.
Nem poderia ser diferente, mas as autoridades públicas que assumiram o Executivo de Santo André em janeiro fecharam os olhos e ouvidos à denúncia. Não lhes interessa perturbar o sono de quem financia os meandros dos poderes paralelos.
Há 15 dias ouvi alguns empresários de pequeno e médio porte do setor imobiliário. Queria conhecer com alguma profundidade pontos que lubrificam a engrenagem de corrupção no setor. Depois de uma hora de conversa fiquei estarrecido. A podridão é muito maior do que imaginam as mentes mais férteis. São fontes valiosíssimas que, ouvidas pelo Ministério Público, poderiam contribuir imensamente para acabar ou pelo menos minimizar a farra do boi dos malandros graduadíssimos que infestam os corredores de repartições públicas e empresas do setor. Não é preciso dizer que quem paga a conta são os contribuintes e a cidadania em forma de recarga de impostos e desvios de recursos públicos.
Dinheiro jogado fora
Para ter uma ideia do tamanho do rombo provocado pelos ladrões engravatados basta ver quanto de dinheiro o prefeito dos prefeitos do Grande ABC, Luiz Marinho, está a solicitar ao governo federal e também ao governo estadual dentro daquilo que se convencionou chamar de plano de mobilidade urbana. São obras e obras para dar fluidez ao tráfego de veículos de passeio e de transporte público. É dinheiro para dedéu que, com o tempo, se tornará inócuo como tentativa de resolução dos dramas do cotidiano nas grandes metrópoles. Afinal, a fome pantagruélica dos mercadores imobiliários é incontrolável. Eles vão continuar a entupir o que resta de canais de irrigação do trânsito.
No fundo, no fundo, a maioria dos administradores públicos não está nem aí com encavalamentos provocados pelo excesso de lançamentos imobiliários nas imediações dos principais corredores viários, sempre mais rentáveis. Afinal, obras supostamente reparadoras têm o condão de unir gestores públicos e empreiteiras, comprovadamente as maiores financiadoras oficiais e oficiosas de campanhas eleitorais e de enriquecimentos ilícitos.
O Secovi foi colhido há quatro anos no contrapé de estratagema que se utilizava de entidade quase fantasma porque lhe era vantajoso contar com estreita parceria de legisladores municipais da Capital. Vereadores e até o então prefeito Gilberto Kassab perderam mandatos, mas a Justiça Eleitoral apareceu para salvá-los, embora no Judiciário Comum os financiadores da entidade fantasma vinculada ao Secovi tenham sido multados em mais de R$ 30 milhões. Tudo porque um promotor criminal não lhes deu a menor trégua.
Mudanças mundanas
Cada mudança na lei de uso e ocupação do solo é um passe a mais à locupletação, embora o Secovi como tantas congêneres tenha discurso pronto na ponta da língua, de supostos desconfortos provocados pela Administração Pública. Geralmente se trata de senha para obterem-se mais vantagens. Para a maioria dos mercadores imobiliários, quanto mais ilimitado for o céu, ou seja, a verticalização, melhor. A sociedade que se dane ao rés do chão com horas e horas desperdiçadas nos translados diários.
As facilidades que o Ministério Público do Mercado Imobiliário e da Construção Civil encontraria para enquadrar os malfeitores seriam sopa no mel. Do que ouvi dos empresários com os quais me reuni informalmente a título de estudar a possibilidade de criar uma entidade que zele para valer pelo urbanismo, já seria possível contar com o mapa da mina que estrangularia algumas das principais operações de coerção ostensiva aos empreendedores sérios.
Como são desunidos e, mais que isso, concorrenciais, esses mesmos empresários desconhecem as vantagens de uma ação coordenada para desbaratar as quadrilhas que se formam e se retroalimentam nas administrações públicas. Isolados e tencionados pela busca de resultados financeiros, facilitam a vida dos transgressores, inventivos na imensidão de iniciativas à geração de caixas paralelos.
É claro que esses empreendedores buscam alternativas para escapar dos braços delituosos, mas não colocam no horizonte nada que tenha relação com eventual suporte da Associação dos Construtores, Incorporadoras e Imobiliárias do Grande ABC, perpetuamente dirigida por Milton Bigucci. Consideram a entidade algo estranho e descartável a qualquer tipo de ação colaborativa ou mesmo de pressão classista.
A proximidade mais que suspeita do presidente Milton Bigucci com os gestores públicos, em ações individuais em favor do conglomerado de empresas que representa, desmonta qualquer tentativa de moralização da atividade.
É preciso destruir a barreira de hipocrisia que separa empresários e guetos de servidores públicos muito bem instrumentalizados por camadas superiores da hierarquia municipal.
Senti no encontro com os pequenos e médios empresários de Santo André que o breque de mão está puxadíssimo. Só obtive algumas informações básicas porque fui entronizado naquele encontro por alguém de confiança total deles, embora o trabalho nesta revista digital seja de conhecimento geral.
Questão de confiança
É natural que aproximação entre jornalistas e possíveis fontes de informação seja processo demorado, de respeito mútuo, de confiança mútua, de entendimento mútuo. Coleciono muitas fontes porque jamais abdiquei do fundamentalismo de mantê-las a salvo de qualquer tipo de pressão. Mesmo fontes que por alguma razão se afastaram deste jornalista, por conta de algum posicionamento que não coincidisse com seus interesses, jamais passaram por qualquer tipo de quebra de confiança. Fonte é fonte quanto está próxima ou eventualmente quando se afasta e até mesmo quando se coloca em posição antagônica.
Só quem é jornalista de verdade sabe a profundidade e a dimensão à preservação de fontes de informação. Há situações inusitadas que, para profissionais de outras atividades, não haveria pudor algum em revelá-las. Para quem faz jornalismo é sagrado separar as coisas.
Por isso mesmo creio ter aprendido bastante naquele encontro com representantes do setor imobiliário. Ao longo de 48 anos de carreira jamais me dediquei intestinamente ao setor. Diferentemente de ações em tantas outras áreas. No futebol, por exemplo, tomava conhecimento de determinadas situações por meio de gente que vivia o dia a dia dos vestiários das equipes a que dava cobertura. Gay Talese, extraordinária estrela do chamado Novo Jornalismo, já dizia que repórter tem de estar na rua, tem de ouvir as pessoas. Não à toa escreveu antológica reportagem-documentário sobre Frank Sinatra sem ter entrevistado Frank Sinatra.
O Ministério Público de Crimes do Mercado Imobiliário e da Construção Civil teria de botar os pés nas ruas, nos gabinetes públicos, nas empresas privadas. Não é preciso mais que um curso rápido e prático para entender o jogo de malandragens dos mercadores que dominam os nacos mais preciosos de investimentos públicos e privados na área de construção civil, de saneamento básico, de infraestrutura. Carlinhos Cachoeira não é obra do caso. Como alguns exemplares regionais também não o são. O campo para eles está livre porque faltam autoridades constituídas para barrar-lhes os passos. E quanto pensam que conhecem os passos que estão dando, não têm ideia do quanto poderiam avançar.
É tão óbvio que o Ministério Público do Mercado Imobiliário e da Construção Civil é um buraco no organograma da instituição que causa surpresa a alguém ainda não ter metido a mão na massa para enquadrar os delinquentes que estão aí, livres, leves e soltos.
Notícias do dia
Coincidentemente, o noticiário desta sexta-feira revela duas situações que reforçam minha proposta. A primeira é a denúncia da Folha de S. Paulo de que quase metade das viagens internacionais do ex-presidente Lula da Silva foi paga por empreiteiras. A segunda é da mesma Folha, repercutindo a prisão de um servidor público ao cobrar R$ 10 mil pela aprovação de um projeto imobiliário. O título da matéria é emblemático: “Nada anda na prefeitura sem jabá, diz ter ouvido delator da propina”.
Ouvi relatos semelhantes de empreendedores imobiliários com os quais me reuni. Está na hora de o Ministério Público centralizar o foco nas prefeituras e preservar os empresários do bem. Ainda tenho muito a escrever sobre o mercado imobiliário. Devo inspiração a Milton Bigucci, não minto, mas há mais gente a embalar minha sede de conhecimento do setor.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!