É isso mesmo: depois de tantos escândalos sincronizados entre mercadores imobiliários e agentes públicos na Província do Grande ABC, denunciados nesta revista digital ou analisados com base em casos noticiados por outras publicações, uma ponta de inveja assalta a todos que acompanharam a prisão de máfias do setor incrustradas em Porto Alegre.
A Polícia Federal realizou uma operação com 150 policiais e cumpriu mandados de apreensão nas secretarias de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre, na Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e no Departamento Nacional de Produção Mineral. Foram presas 18 pessoas no Estado e em Santa Catarina por corrupção, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e crime ambiental. Havia grupos quadrilheiros espalhados por todos os cantos. Os secretários de Meio Ambiente da Capital e do Estado do Rio Grande do Sul foram presos.
A tessitura dos crimes não é nada diferente do que se tem registrado aqui, tanto nas denúncias já conhecidas como potencialmente em gigantescos outros casos. O setor imobiliário, sobretudo de grandes empreendimentos, e poderes públicos municipais da Província do Grande ABC, formam uma coalizão de iniciativas escusas e deletérias que atingem diretamente a qualidade de vida. Que resposta, entretanto, temos nas manchetes? Prefere-se, entre outros caminhos embromadores, por exemplo, responsabilizar apenas a rigidez física das vias públicas como razão do congelamento da mobilidade urbana, com engarrafamentos monstruosos. Esquecem deliberadamente a verticalização imobiliária gananciosa e em flagrantes colisões com a legislação em vigor.
O uso e a ocupação do solo são sufocados por interesses financeiros que alimentam uma rede de corrupção sobre a qual autoridades competentes preferem fechar os olhos. Somente forças policiais federais externas ao jogo de acertos entrelaçados que protegem delinquentes tanto nos escaninhos do Poder Público como de players do mercado imobiliário poderiam acabar com a farra.
Penumbra de favorecimentos
A penumbra midiática da Província do Grande ABC leva as instituições locais mancomunadas numa teia de autoproteção a promoverem uma rede de corrupção que se retroalimenta da omissão generalizada.
O escândalo do Semasa, que ajeitou a vida de muita gente, inclusive de gente graduada, continua a render aos beneficiários e também àqueles que contam com influência social para se locupletarem com ações coercitivas. Embora tenha retratado a mais consistente configuração de uma realidade regional, sintetizada na subversão de valores éticos e morais na relação entre empresas privadas e Poder Público, em prejuízo da concorrência, dos contribuintes e da qualidade de vida duramente atacada pela desqualificação do uso e ocupação do solo, nada, absolutamente nada foi concluído até agora. Diferentemente do que houve no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, cujas investigações começaram em junho do ano passado. Afinal, quantos estão navegando nas águas de conveniências para manter os delinquentes do caso Semana no esquecimento?
O silêncio de grande parte da mídia na maioria dos casos de corrupção incrustrada em empreendimentos imobiliários aprovados ao arrepio da legislação ambiental não é uma realidade que envolva exclusivamente a Província do Grande ABC. É algo generalizado no País. E mais assustador nas áreas urbanas afastadas dos grandes veículos de comunicação e, pior ainda, na beiradas das regiões metropolitanas, localidades onde o poder político deletério se instala e prolifera com intensidade devastadora, transformando-se em laboratórios de operações que não demoram a chegar aos grandes municípios, mesmo as capitais. Até que a Polícia Federal resolva agir passando por cima de orquestrações políticas, partidárias e financeiras. Como no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina.
Nos últimos anos denunciei nestas páginas digitais alguns dos crimes ambientais mais irrebatíveis, sempre com provas, e nada, absolutamente nada, alcançou desdobramento que chegasse aos pés da ação da Policia Federal. O Residencial Ventura, a Cidade Pirelli e o Marco Zero são casos concretos de contravenções previstas no Código de Processo Penal, mas todos estão impunes.
O Residencial Ventura, lançado por Sérgio de Nadai e empresas do ramo, foi erguido fora dos padrões legais numa área apontada pelo Semasa, a autarquia de Santo André que deveria cuidar do chão em que se pisa, como contaminada. Foram 70 anos de uma indústria química naqueles 14 mil metros quadrados. A aprovação do projeto bateu todos os recordes de agilidade. Uma coincidência mais que extraordinária quando se sabe da proximidade do empresário Sérgio De Nadai com a direção da CETESB, companhia estadual que deveria zelar pelo meio ambiente, e tentáculos do governo do Estado.
Investigar mesmo
O mesmo Sérgio De Nadai que, pouco tempo depois, foi condenado pela Justiça por participar ativamente da Máfia da Merenda Escolar. Estou respondendo a processo sobre a denúncia entre outras razões porque o Ministério Público não apurou o caso com a presteza, a agilidade e a profundidade indispensáveis. Limitou-se a ouvir quem cuida do galinheiro. Não é aconselhável chamar aqueles procedimentos de investigação. O ritual técnico e administrativo da CETESB é um convite à malandragem, mas quem vai colocar o guizo no pescoço do gato? A Polícia Federal, claro.
E o que dizer então da Cidade Pirelli, se, entre tantas irregularidades, os administradores públicos de Santo André sumiram com a prestação de contas do dinheiro de um fundo criado especialmente para compensar liberalidades à aprovação imobiliária?
Sobre o Marco Zero, da MBigucci, que está sendo construído numa área pública arrematada de forma fraudulenta, tudo o que temos é o descaso, principalmente por parte da Administração Luiz Marinho para anular aquele certame, sem contar as penalidades que deveriam ser aplicadas aos empresários.
Um outro exemplo de impunidade está naquelas torres de apartamentos luxuosos em fase de construção ao lado do Shopping ABC, em Santo André. Uma operação recheada de transgressões, entre as quais a própria construção ao arrepio da legislação ambiental, porque se sobrepôs inclusive à legislação federal ao sufocar com concreto armado um riacho que jamais poderia ser agredido.
Outros exemplos poderiam ser mencionados e muitos saltariam aos olhos porque estão imersos numa montanha de omissão, silêncio, dinheiro grosso e muito mais. Há testemunhos potenciais nos interiores das prefeituras que dão de ombros às irregularidades porque sabem que denunciar a corrente de safadezas é um risco duplo, de penalidades administrativas e à integridade pessoal.
O que mais surpreende, sabendo-se como se sabe as razões do setor de construção civil a liderar o ranking de financiamento eleitoral de campanhas municipais, estaduais e federais, é que operações como as realizadas no Sul do País ocorram em intervalos longos. Houvesse maior comprometimento de instâncias diversas, esses aparatos especiais que quebram a coluna cervical dos manipuladores regionais típicos da Província do Grande ABC seriam uma rotina no País, até que, por força de consequências criminais de atos, se tornariam raros, porque quase desnecessários.
Como não tomamos mesmo vergonha, ou demoramos a tomar vergonha, temos de conviver com casos que se avolumam e que não são ainda mais cruéis e chocantes somente para quem conhece bem as desgraças que ainda cercam o Residencial Barão de Mauá, de triste memória e de soluções insuportavelmente procrastinatórias.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!