Completamente desacostumado a praticar contraditório que não seja previamente combinado e que por isso mesmo não passa de troca de mesuras, o empresário Milton Bigucci vai se perdendo nas brumas da enrolação a cada entrevista que concede ao Diário do Grande ABC sobre o caso de abusos contra compradores de imóveis da MBigucci e empresas coligadas, conforme decisão judicial da 7ª Vara Cível de São Bernardo.
Na edição desta quarta-feira o jornal tentou amenizar a situação do empresário com um título nada apropriado (“MBigucci garante que vai aprimorar relacionamento inicial no plantão”) e uma reportagem claramente contemporizadora, mas o resultado final foi lamentável para o também presidente do Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC. Tudo porque não é possível passar a perna nos fatos denunciados pelo Ministério Público de São Bernardo.
O histórico de Milton Bigucci na associação delituosa que empreendeu com outras organizações privadas para arrematar um terreno público onde pretende construir o chamado Marco Zero é suficiente para que este jornalista leia cada declaração dele com desconfiança. Não é prevenção, tampouco discriminação. Minha cota de ingenuidade se esgota no campo pessoal, fruto da origem interiorana. Como profissional de comunicação sou cético por natureza.
Milton Bigucci é desses exemplares sobre os quais não se deve dar corda à credibilidade, embora também não se devam negar oportunidades a manifestações. Aliás, esse princípio sempre norteou meus trabalhos. Tanto que por quatro vezes lhe remetemos perguntas para entrevistas e ele sempre fugiu da raia. Milton Bigucci, como tantos outros personagens públicos, se sente incomodado com indagações fora do escopo de boa vizinhança, de tratamento vip, de submissão tácita ou implícita. Encenações jornalísticas são comuns no cenário regional.
Mas, voltando à nova matéria publicada pelo Diário do Grande ABC, Milton Bigucci revela uma de suas principais características, que é a dissimulação, termo que detesta porque não compreende o sentido mais que etimológico que lhe imputo. Alguém que somente após a porta arrombada de uma decisão judicial e que, em seguida, ao ser colhido em delito por manter os procedimentos condenados, decide admitir mudança de relacionamento com a clientela é alguém que não leva a sério os conceitos de ética e moralidade nos negócios.
Não estou exagerando em nada nesse breve relato. A edição de ontem o Diário do Grande ABC publicou com todas as letras que a MBigucci e seus corretores de venda sustentavam procedimentos irregularidades detectados pelo Ministério Público Estadual em São Bernardo, denunciados e condenados pela Justiça.
Confrontando a Justiça
Provavelmente a decisão publicada na edição de hoje do Diário de que pretende mudar as regras que impôs ao mercado seja fruto de uma avaliação mais criteriosa e menos ostensivamente abusiva do dirigente da MBigucci, num confronto suicida com a Justiça. O desrespeito à decisão judicial não só causaria multas cumulativas como também poderia provocar dores de cabeça no futuro, quando de possíveis recursos que venha a interpor para tentar restabelecer ou justificar procedimentos comerciais deletérios.
A reportagem do Diário do Grande ABC de hoje recupera várias informações publicadas anteriormente mas também aponta a uma nova vertente que, no fundo, desmoraliza as declarações de Milton Bigucci. Repetiu hoje o que já antecipara ontem o presidente do Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC que apenas joga um jogo que todos os concorrentes do mercado imobiliário jogam, ou seja, os delitos éticos e morais condenados pela Justiça são uma prática comum no setor.
Mas eis que é desmentido pela representante regional do Sinduscon, Rosana Carnevalli. Ela declarou textualmente não ser procedimento usual as companhias pedirem a entrada de compra de um apartamento dividida em cheques, sendo que alguns são para a empresa e outros para a imobiliária. “Mas acontece. Normalmente, esta é uma forma que a construtora encontra para evitar a bitributação” – disse a empresária.
Prato cheio ao MP
O promotor de Justiça Marcelo Sciorilli, que denunciou as empresas comandadas pela MBigucci, tem um prato cheio para apanhar novos peixes grandes que nadam de braçadas no mercado imobiliário regional. Por mais que acredite na empresária Rosana Carnevalli, e por mais que desconfie dos métodos de Milton Bigucci, francamente fico com o presidente do Clube dos Construtores quando se trata de desvendar as entranhas do setor, mesmo que as declarações dele tenham tido o sentido de dar legitimidade à prática delituosa. Seria estultice desprezar a experiência de Milton Bigucci. Ninguém é tão íntimo de artimanhas na área na Província do Grande ABC.
Se Milton Bigucci disse que é uma prática comum enganar os compradores de imóveis, embora refute que as operações sejam uma grande tapeação, tenho certo que está dizendo a verdade não sobre o conceito particular do modus operandi, mas sobre a generalização dos procedimentos.
Só espero que o Diário do Grande ABC não caia na rede que protege Milton Bigucci e em eventual sequência do noticiário sobre a condenação imposta faça crer aos leitores que o empresário é uma alma pura e santificada que pratica o evangelho da solidariedade permanente, enquanto o Ministério Público e a Justiça estão a lhe perseguir.
Sei muito bem o significado de entorno de figurões da Província do Grande ABC, porque sou vítima permanente de seus integrantes. O GPP (Grupo de Predadores da Província) é tão extenso quanto diversificado.
O Diário do Grande ABC nem sempre resiste a pressões mas não pode deixar afrouxar a linha de coerência com que se tem conduzido nesse caso, mesmo com o mais que explícito anestesiamento crítico da edição de hoje. Ou pode ser visto de outra forma o noticiário que utiliza o verbo “aprimorar” no título da página de Economia quando o correto seria “alterar” ou algo equivalente? Ou seja, “MBigucci garante que vai aprimorar relacionamento inicial no plantão” deveria ser “MBigucci garante que vai alterar relacionamento inicial no plantão”.
Cadê a categoria?
Mas isso ainda é pouco porque como comandante de uma entidade que supostamente representa um setor que faz parte da cesta básica de qualidade de vida da sociedade, Milton Bigucci há muito deverei ter promovido uma assembleia geral para, entre outras deliberações, atender de imediato, no nascedouro da ação do Ministério Público Estadual, as mudanças de cunho moral e ético entre as empresas do setor e os incautos compradores de imóveis.
É claro que essa sugestão é apenas formal, uma maneira de tentar mostrar a Milton Bigucci que os caminhos percorridos pelo coletivo são sempre mais apropriados quando se exerce a presidência de uma organização. Na prática, como não é líder de coisa alguma, Milton Bigucci não sensibiliza mais que meia dúzia de gatos pingados. Afinal, acabou desacreditado ao longo dos anos porque sempre se conduziu de forma individual em nome do coletivo, para usufruir de vantagens institucionais daquela associação. Não é por outra razão que está sendo apeado do cargo. Tomara que seus sucessores não sejam da mesma matriz de isolamento interesseiro.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!