Sociedade

MBigucci é campeã de abusos e de
enriquecimento ilícito, afirma MP

DANIEL LIMA - 06/06/2013

A denúncia do Ministério Público do Consumidor de São Bernardo que levou a juíza da 7ª Vara Cível a condenar o Grupo MBigucci por abuso em cobrança de taxas dos compradores de imóveis é uma peça extensa, profunda e cortante que atinge diretamente o presidente do Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC. O grupo empresarial de Milton Bigucci é acusado de liderar práticas de abuso contra a clientela e também de enriquecimento ilícito pelo promotor de Justiça Marcelo Sciorilli. A investigação deveria servir de referência a outras atividades do MP na Província do Grande ABC, sobretudo nos casos denunciados por CapitalSocial envolvendo os empreendimentos Cidade Pirelli, Residencial Ventura e Marco Zero, este também sob responsabilidade de Milton Bigucci e indevidamente mandado arquivar pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão Ao Crime Organizado) de São Bernardo.


 


A denúncia do MP de São Bernardo, encaminhada em julho do ano passado ao Judiciário, não deixa pedra sobre pedra sobre os delitos praticados. Tanto que resultou na decisão judicial de proibir a inclusão de taxas compulsórias por assessoria imobiliária em contratos, entre outras cláusulas abusivas.


 


O ponto de partida da investigação do promotor de Justiça Marcelo Sciorilli foi uma matéria veiculada na edição de 17 de março de 2011 no jornal Metro ABC, sob o título “Cobrança indevida deixa construtoras na mira do Procon”. A reportagem revelou, segundo os termos do promotor criminal, “expressivo aumento (120%) na quantidade de reclamações de consumidores em relação a construtoras e imobiliárias da região, sobretudo quanto à cobrança abusiva de valores, dentre eles o correspondente à denominada taxa SATI ou ATI exigida por supostos serviços de assessoria técnico-imobiliária na comercialização de imóveis”.


 


O promotor Marcelo Sciorilli apurou, em consulta a diversas unidades do Procon, que a MBigucci Comércio e Empreendimentos Imobiliários, “além de apresentar-se publicamente como a maior construtora do ABC Paulista, também é aquela que, com sede em São Bernardo do Campo, revela o mais expressivo número de reclamações de consumidores, além de protagonizar elevada quantidade de ações judiciais neste foro”.


 


O Ministério Público de São Bernardo foi às entranhas contra o conglomerado MBigucci. A denúncia apresentada ao Judiciário transcreve as afirmações da MBigucci na fase de apuração. A transcrição das declarações da empresa de Milton Bigucci e, na sequência, a avaliação do representante do Ministério Público, são elementos importantes à interpretação da fragilidade argumentativa da empresa.


 


Primeiro, o repasse da defesa da MBigucci:


 


 “I - Esclarecendo o questionamento, temos a informar que, nos plantões de venda dos empreendimentos da M. BIGUCCI, o proponente pode contratar a prestação do serviço de assessoria técnica imobiliária se assim desejar, sendo que o serviço está à sua disposição. Este serviço não é prestado pela M. BIGUCCI. É faculdade do proponente contratá-lo ou não e quando o fazem, a contratação é direta com o profissional prestador do serviço, a M. BIGUCCI não interfere nesta contratação, bem como não recebe quaisquer valores referentes a este tipo de prestação de serviços. A M. BIGUCCI não cobra e nem presta serviços de S.A.T.I. II – Cumpre salientar, porque oportuno, que a aquisição de imóveis da M. BIGUCCI não está adstrita à contratação do serviço de assessoria técnico imobiliária, e o proponente, a seu critério, contrata este serviço para que seja analisada a compatibilidade da situação econômico-financeira do proponente com o negócio imobiliário pretendido por ele, bem como o encaminhamento das reivindicações do proponente junto à incorporadora. III – A M. BIGUCCI atua em total consonância com o disposto no Termo de Ajustamento de Conduta nº 49/02 firmado entre o Ministério Público de São Paulo e o SECOVI – Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo, especialmente com o disposto na cláusula 1, Parágrafo Único, item II do referido TAC.”.


 


Agora, o posicionamento do Ministério Público de São Bernardo:


 


 A despeito dessas assertivas, no entanto, os elementos de convicção colhidos no anexo inquérito civil nº 14.0167.0000174/2011-7 revelaram exatamente o oposto. Apurou-se, assim, que em seus empreendimentos imobiliários, requeridos – diretamente ou por meio de “colaboradores”, prestadores de serviços ou congêneres – exigem dos consumidores/adquirentes o pagamento por supostos “serviços de assessoria técnica, imobiliária, jurídica ou para obtenção de crédito”, também conhecida por “taxa SATI ou ATI”, quando da comercialização de seus imóveis. Nesse sentido, foram uníssonos os relatos de consumidores que, quando da aquisição de imóveis em estandes da M. BIGUCCI, arcaram não apenas com o preço do bem em si, mas tiveram que suportar, ainda, o pagamento compulsório de comissão de corretagem e por alegados serviços de assessoria técnica, imobiliária, jurídica ou de crédito. Note-se que, além desses relatos, a tabela de preços e os recibos de pagamento atestam a cobrança automática e inexorável por serviços de “assessoria técnico-imobiliária” (ATI) quando da aquisição de imóveis nos estandes de vendas da ré M. BIGUCCI COMÉRCIO E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. Constata-se, aliás, que além da cobrança por intermédio de “colaboradores” que atuam em seus estandes, a requerida também o faz diretamente, inserindo em seus contratos de adesão a exigência de pagamento, pelos consumidores/adquirentes, de despesas com “assessoria técnico-imobiliária, assessoria jurídica e outras que forem necessárias ou que forem criadas, ou que aqui não tenham sido expressamente mencionadas”. Relevante observar que, nesse mesmo contexto, caso queiram adquirir algum imóvel em empreendimentos promovidos pelas acionadas, os interessados são compelidos a firmar declaração redigida nos seguintes termos: “Após a assinatura do contrato com o agente financeiro e pagamento da parcela de financiamento, se houver algum saldo a ser pago, este será devido por mim e constará em instrumento de confissão de dívida que será assinado por mim, valores estes que referem-se a serviços administrativos de intermediação, assessoria e consultoria imobiliária e assessoria jurídica.” Espantoso verificar, ainda, que mesmo quando o consumidor rechaça, expressamente, a prestação de serviços dessa natureza, a cobrança é incontornável.  Além disso, tamanha é a mixórdia promovida pelas requeridas quanto ao assunto que, por vezes, o numerário é exigido de um mesmo consumidor ora sob o rótulo de “assessoria técnico-imobiliária”, ora de “contrato”. Em outras situações, a exigência se dá ora sob a rubrica assessoria imobiliária/assessoria jurídica, ora a título de “serviços de repasse de financiamento imobiliário”. Desse modo, revelam-se manifestamente inverídicas as informações prestadas pela acionada M. BIGUCCI de que não exige de seus consumidores o pagamento por supostos serviços de assessoria técnico-imobiliária, jurídica ou de crédito. Trata-se, como visto, de prática usualmente empregada pelas requeridas em suas relações de consumo, seja diretamente, seja por intermédio de “colaboradores” ou prestadores de serviço que atuam na comercialização de imóveis em seus estandes.


 


Fugindo de acordo


 


Um dos pontos mais contundentes da investigação do Ministério Público de São Bernardo na denúncia contra o conglomerado de Milton Bigucci refere-se à tentativa de acordo que colocasse fim aos abusos. Eis alguns trechos do documento assinado pelo promotor criminal Marcelo Sciorilli:


 


 À luz desse panorama, propôs-se à M. BIGUCCI a celebração de um compromisso de ajustamento de conduta, a ser firmado nos exatos termos da manifestação por ela apresentada ao Ministério Público. Pela proposta, dentre outros tópicos, a demandada informaria a seus consumidores – tal como fez a esta Promotoria de Justiça, que “não cobra, diretamente ou por meio de terceiros, qualquer valor referente a serviços de assessoria técnica, imobiliária, jurídica ou de crédito.” Sublinhe-se que a proposição foi extraída exatamente das afirmações prestadas pela própria M. BIGUCCI, tendo como objetivo, assim, levar ao conhecimento dos consumidores aquilo que, segundo a requerida, já seria a sua prática habitual no mercado. Surpreendentemente, porém, mesmo tratando-se de ajuste pautado em manifestação da própria requerida, seguiu-se a sua recusa em firmar o compromisso. Tal conduta revela, por conseguinte, o nítido propósito da ré de persistir nas práticas abusivas em questão, ensejadoras de manifesto enriquecimento ilícito em detrimento dos consumidores. 


 


A denúncia do Ministério Público está carregadíssima de acusações ao Grupo MBigucci e toca num dos pontos mais insistentemente abordados por CapitalSocial sobre o mercado imobiliário: a importância social que representa muito acima de valores materiais. Mais alguns trechos do trabalho do promotor criminal Marcelo Sciorilli:


 


 Por todo o exposto, inevitável reconhecer que as práticas adotadas por M. BIGUCCI COMÉRCIO E EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. e ESTRATÉGIA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. revelam absoluto menoscabo à legislação em vigor. Denotam, ainda, profunda insensibilidade em relação à massa de consumidores de seus produtos e serviços, sobretudo quando considerado o manifesto cunho social subjacente aos contratos imobiliários, entabulados exatamente com o propósito de permitir aos adquirentes o acesso à moradia, por vezes, inclusive, atraídos aos estandes de vendas pela publicidade de que alguns dos empreendimentos das rés contam com as facilidades de programas governamentais como o “Minha Casa Minha Vida”.  Como visto, no entanto, valendo-se da condição de vulnerabilidade e desenvolvendo um verdadeiro processo de “desinformação” de seus consumidores, as requeridas e seus “colaboradores” efetuaram (e efetuam), na comercialização de seus imóveis, a cobrança indevida por supostos “serviços de assessoria” que, como consignado, são inerentes ao (i) direito à informação do consumidor, às (ii) atividades desenvolvidas pelos corretores de imóveis, já remunerados pela comissão de corretagem, ou (iii) constituem medidas de interesse preponderante da própria construtora/incorporadora/vendedora. Assim agindo, as requeridas e seus parceiros/colaboradores lograram obter, em detrimento de incontáveis consumidores, manifesto enriquecimento ilícito e sem causa com a cobrança abusiva por “serviços” de assessoria técnica, imobiliária, jurídica ou de crédito como condição para a aquisição de seus imóveis.  A propósito do ocorrido, em sintonia com a Constituição Federal, o artigo 186 do Código Civil estabelece que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” E “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.  Da mesma forma, o art. 6º, inciso VI, da Lei nº 8.078/90 (CDC), assegura aos consumidores o direito básico à “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. Já o art. 1º da Lei nº 7.347/85 confirma, textualmente, que a ação civil pública é o veículo adequado à reparação de danos morais e patrimoniais experimentados pelos consumidores.                 


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