Sociedade

Província atônita com outras ruas
não consegue reação doméstica

DANIEL LIMA - 26/06/2013

Vamos de mal a pior em matéria de institucionalidade. Nossos prefeitos estão perplexos, como as classes empresarial, social e sindical, com o turbilhão que invadiu as ruas das metrópoles brasileiras. Apenas observamos os acontecimentos macronacionais. Não temos massa crítica para a retomada de agenda perdida no tempo, a agenda da regionalidade deixada por Celso Daniel, incrementada por novas terapêuticas ditadas pela fadiga do material.

 

A incompetência e a inapetência dominam a cena. O Clube dos Prefeitos é um amontado de contradições. As entidades empresariais, envelhecidas e carcomidas, não têm representatividade, embora, como no caso recente da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) cultive o gosto por festas que evocam o passado que não volta mais até porque não serve de referência alguma ao futuro. Eram outros tempos, como se sabe. Os sindicados de patrões e empregados sussurram. A mídia não tem iniciativa. Apenas replica declarações de terceiros.

 

Pensando bem, muito melhor assim. Não seria nada surpreendente se alguma decisão demagógica instrumentalizada pela mídia subserviente levasse ao público algo que mistificasse a paralisia da Província.

 

Colhidos em flagrante delito de ociosidade calculista, entregues a jogos de cena para engabelar os ingênuos, as representações políticas, empresariais, sociais e sindicais da Província do Grande ABC provavelmente estão a imaginar o que fazer.  Todas dormiam no berço esplêndido dos incluídos econômicos, dos bem-aventurados, enquanto a massa insistia em apenas observar e sobreviver, ludibriada pela lorota, lorota boa de nova classe média.

 

Vanguardismo de araque

 

Cadê a mística de vanguardismo democrático que os babacas da mídia paulistana conferiram aos metalúrgicos nos tempos de Lula da Silva, quando, o próprio ex-metalúrgico, então presidente, reconheceu mais tarde, tudo não passava de interesse corporativo, de estabelecer novas bases contratuais entre patrões exploradores do setor automotivo e trabalhadores metalúrgicos?

 

Caímos na conversa fiada de glamourização conferida pela mídia paulistana e nacional e acreditamos por muito tempo – e provavelmente até agora – que somos ponta de lança de modernidade. Pura balela. Somos uma provinciazinha que olha para a Capital como os índios admirados olhavam para os portugueses e seus badulaques.

 

Não temos personalidade como região para, senão impor, pelo menos marcar presença no cenário estadual e regional como polo de cidadania. A prova dos nove posta pelo Movimento Passe Livre, detonador da mais impressionante mobilização civil, não deixa dúvidas sobre isso. Fosse diferente, também os manifestantes locais, que ocuparam as ruas, teriam retirado sem dificuldade uma lista de prioridades domésticas que colocaria legisladores e administradores públicos em situação embaraçosa.

 

Fuabc, bom começo

 

E olhem que uma agenda regional para botar os mandões de sobreaviso sobre o fim da linha a novas estripulias é o que não falta. Tudo poderia começar, por exemplo, com uma tomografia completa da Fundação do ABC, cujo presidente Maurício Xangola Mindrisz se acha tão soberano, indicado e sustentado pela máquina política de São Bernardo. Xangola não se sente constrangido ao fugir de uma prestação de contas em forma de entrevista a esta revista digital. Como nenhum legislativo dos municípios que sustentam aquela instituição tem coragem suficiente para questioná-lo, ele segue nadando de braçadas.

 

Para uma organização sem amarras éticas e morais, porque o tal de Conselho Curador sob encomenda estatutária é um tapete estendido à homologação de todo tipo de barbaridade administrativa, fica mole tocar o barco. Não há organizações sociais mobilizadas a dar um paradeiro nas irregularidades solidamente protegidas da Fundação do ABC. Não protegidas o suficiente, entretanto, se ante a covardia dos incluídos uma massa de deserdados ocupasse as cercanias do Império de Xangola.   

 

Estivessem os prefeitos de Santo André, São Bernardo e São Caetano, aos quais a Fundação do ABC supostamente deve subalternidade gerencial, preocupados com biografias diferenciadas dos antecessores, a iniciativa de abrir aquela caixa-preta seria automática como prova de que estão engajados no ritual do novo Brasil que se pretende como extensão da mobilização das ruas. Qual nada. Eles não se sentem ameaçados por qualquer reação popular específica. E olhem que estamos nos referindo a uma entidade que consome anualmente R$ 1, 2 bilhão de recursos financeiros do SUS (Sistema Único de Saúde). É dinheiro do contribuinte canalizado a uma obscura manipulação orçamentária.

 

Pinço como exemplo paradigmático a Fundação do ABC, por conta do avantajadíssimo orçamento em contraponto às facilidades que seus dirigentes encontram para direcionar os recursos conforme lhes venham à cabeça, mascarando-os em balancetes nebulosos. Fossem apenas os balancetes um dos enormes pontos de interrogação, tudo seria menos complexo. E os negócios mantidos pela Central de Convênios, por onde passa toda a gama orçamentária com dezenas e dezenas de fornecedores?

 

Transporte blindado

 

Se na Fundação do ABC qualquer operação de transparência parece impossível, porque ali a regionalidade deu certo para valer porque o vale-tudo cruzado entre os administradores públicos é uma farra, como pretender, também, que os mesmos prefeitos que ocupam assentos no chamado Consórcio Intermunicipal, metam a mão na cumbuca do setor de transporte coletivo?

 

Nessa área a barra é ainda mais pesada. Qualquer movimentação de peça terá o sentido explícito de xeque-mate nos magnatas do setor que sempre ganham, mesmo quando a tarifa aprovada é reduzida, como agora. E ninguém está minimamente disposto a esse enfrentamento. Haveria desdobramentos midiáticos locais, determinados pelo imbricamento dos dois setores como ramais de negócios complementares que se retroalimentam tanto quanto se distanciam de prerrogativas de transparência.



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