Sociedade

Futebol e cidadania agora juntos
para complicar a vida dos políticos

DANIEL LIMA - 28/06/2013

O que fizeram os brasileiros nas arquibancadas durante a Copa das Confederações logo após a efervescência nas ruas foi muito mais que vibrar com o time de Felipão. O que houve foi um portentoso chute nos fundilhos, um cruzado na mandíbula, um rabo de arraia nas pernas dos sociólogos que jamais entenderam nuances do futebol e por isso mesmo sempre propagaram conceitos separatistas e desclassificatórios, sempre a dano da importância do esporte.  


 


O dueto entre a cantoria a capela do Hino Nacional nos últimos jogos e o barulho das ruas tem tudo a ver. A alienação politica que os supostos entendedores da alma brasileira acreditavam tipificar quem tem paixão por futebol é uma balela antropológica. O povo que cantou nos estádios é o mesmo povo que levantou a voz nas ruas -- não são antagonistas; são complementares, são faces da mesma moeda de engajamento restaurador. São metades da mesma laranja de indignação.


 


Faltava apenas acender o pavio do inconformismo de ter uma história vitoriosa no esporte mais popular do mundo e seguir a bater recorde de desproteção do Estado de fome pantagruélica. Desta vez o futebol serviu de instrumento para vocalizar o desabafo contra a política. Os estádios falaram tão alto quanto as ruas porque as ruas despertaram nos estádios o mesmo sentimento que mutuamente ruas e estádios imaginavam não possuir. Os políticos, senhores da guerra da dissimulação, sempre jogaram com a certeza de congelamento total da sociedade a manifestações que não contassem com seus préstimos em forma de liderança exclusiva.


 


Quero mais Hino Nacional


 


Confesso que sou um dos loucos por futebol que, por conta de vetores que não vale a pena revelar, porque exigiriam muitos parágrafos, não se empolga com a Seleção Brasileira dentro de campo. Ainda mais com uma Seleção Brasileira que, como bem lembrou Paulo Cesar Caju numa recente entrevista, troca o talento por pontapés ao bater recorde de infrações na Copa das Confederações. Uma Seleção que é a cara de Felipão. Não gostaria de ver a Seleção Brasileira ganhar a Copa das Confederações contra os revolucionários espanhóis se o preço ganhar a forma de bordoadas a torto e a direita. Mas torceria pela Seleção Brasileira jogar toda noite em horário nobre de televisão se aquela cantoria nas arquibancadas ganhar aquele ritmo frenético, aquela força espiritual e aquela sincronia de grande coral. Justamente eu que há muitas Copas do Mundo me encantava mais com a Marselhesa, o hino francês.


 


Futebol e cidadania não são água e óleo como querem fazer crer acadêmicos que veem o esporte como doença contagiosa a minar a resiliência cívica dos povos. Por isso aquele canto a capela do Hino Nacional na Copa das Confederações foi emocionante e certamente o será de novo na decisão deste domingo. O povo cantou sim pela Seleção Brasileira, mas, principalmente, pelo Brasil que foi e continua nas ruas. O futebol virou a metáfora de um abraço enorme de regozijo.


 


As vaias no Estádio Mané Garrincha na abertura da competição e que atingiram em cheio a presidente Dilma Rousseff e o presidente da Fifa, Joseph Blater, seguiram um ritual histórico dos latinos em estádios de futebol, de contestar até minuto de silêncio. Ou seja, não tiveram relação direta com as ruas, porque as ruas ainda não tinham ganhado a alma dos inconformados.


 


Já neste domingo, na decisão da competição, a presidente e nenhuma outra autoridade pública terão coragem de expor-se, porque agora a manifestação seria diferente, de repulsa. Entre a abertura e o fechamento da Copa das Confederações um novo Brasil emergiu. Um Brasil que não admite mais a canalhice que parecia perpetuar-se na maioria da classe política.


 


Pouco foguetório, um alerta


 


Tenho andado o suficiente, embora não seja muito, para constatar que há um sentimento difuso de inquietação e de exaltação com o turbilhão das ruas. O apoio é massacrante entre a classe média. Possivelmente não terá a mesma intensidade nas periferias beneficiadas por programas sociais do governo federal, mas eventuais pesquisas constatarão queda preocupante da presidente Dilma Rousseff e do PT, igualmente, também entre os desvalidos.


 


Um comentário de um amigo comerciante não me escapou à análise introspectiva, que agora exponho: somente no gol de Paulinho, ante os uruguaios, ele ouviu alguns fogos de artifício nos jogos realizados até então pela Seleção Brasileira. Não resisti ao comentário ao dizer que possivelmente tenha sido obra de algum corintiano a reverenciar um craque que vai embora.


 


Um Brasil com poucos rojões em jogos da Seleção, quando contraposto àquele cantar do Hino Nacional, é um Brasil que até outro dia não conhecíamos, que até outro dia era motivo de desagrado, que até outro dia fortalecia a ideia de que havia um mar a separar futebol e cidadania. Qual nada: futebol e cidadania estavam no mesmo barco à deriva, dominados por uma apatia dilacerante. Agora reagem complementarmente. São irmãos siameses que só precisam de um empurrão para se mobilizarem.


 


Os políticos estão descobrindo que paixão nas arquibancadas e mobilização nas ruas não são comportamentos contraditórios nem excludentes dos brasileiros. São o encaixe perfeito para que a mensagem não seja esquecida jamais por todos aqueles que detêm algum tipo de poder público, principalmente: a bola que rola nos gramados ganha a forma de bola de fogo a queimar o prestígio dos malfeitores sociais nestes tempos em que, principalmente, as redes sociais destruíram redutos conservadores e excessivamente condescendentes da mídia em geral.  


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