O bonde da tecnologia passou e o Grande ABC ficou a ver navios. A região está excluída do projeto dos Parques Tecnológicos do governo do Estado, programados para a partir deste ano em cinco municípios paulistas. A iniciativa planeja capacidade de produção de conhecimento científico e tecnológico de excelência na atividade produtiva privada. A marginalização da região compromete os atores locais na tarefa de combater a desindustrialização.
O governo do Estado, por meio da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, discutiu durante todo o ano passado quais seriam os municípios que abrigariam os parques tecnológicos. O Grande ABC, maior pólo industrial paulista depois da Capital e que sofre há duas décadas efeitos de contínuo processo de desindustrialização, seria potencial candidato.
As cidades inicialmente escolhidas foram Campinas, São Carlos, São José dos Campos e a Capital. Em novembro, às vésperas da definição, outra cidade foi acrescentada à lista: Ribeirão Preto, administrada pelo PSDB mas apadrinhada pelo petista Antonio Palocci, ministro da Fazenda e ex-prefeito local. Palocci manteve entendimento direto com o governador Geraldo Alckmin para incluir Ribeirão Preto.
A decisão mostra que ideologia não conta na defesa de desenvolvimento econômico regional. Na hora de defender a região, lideranças deixam disputas políticas de lado para garantir vantagens estratégicas. "Em Ribeirão Preto, eles fizeram o jogo do ganha-ganha, onde todos os lados saem com vantagem. É o jogo que o Grande ABC ainda não aprendeu a fazer. O fato de nossa região não entrar na lista é um grave erro estratégico, principalmente para o Estado" -- critica o diretor de Desenvolvimento Econômico de Santo André, David Gomes de Souza, que acompanhou a definição da lista dos parques tecnológicos.
Critérios
Se o governo federal petista e o estadual tucano souberam se entender para colocar Ribeirão Preto no bonde da tecnologia, no Grande ABC faltou entendimento. Para o governo do Estado, Campinas, Capital, São José dos Campos, São Carlos e Ribeirão Preto se destacam na área de pesquisa tecnológica, critério para a localização dos novos parques. "São cidades que possuem forte presença de universidades públicas e também o maior número de projetos de inovação tecnológica financiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)" -- argumenta o responsável pelo projeto Parques Tecnológicos, professor João Steiner, membro da Academia Brasileira de Ciências.
O presidente do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, prefeito William Dib, de São Bernardo, ainda tenta consertar a situação. Negocia com o secretário de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado, João Carlos de Souza Meirelles, a criação de um Centro Tecnológico. A proposta não tem o porte do projeto estadual, mas William Dib acredita que dê suporte ao desenvolvimento de pesquisa e produção de tecnologia de ponta. "Não estamos pedindo que o governo faça tudo. Desde já, a Prefeitura se dispõe a fazer a metade. Temos de capacitar nossa comunidade para prestar serviços à grande indústria, fornecendo mão-de-obra qualificada e tecnologia. Com pouco espaço e criatividade podemos fazer ferramentas, moldes e design" -- ressalta o prefeito.
O governo do Estado pretende investir R$ 14,5 milhões nos dois primeiros anos de implantação dos cinco parques. Serão empreendimentos de grandes dimensões, com gestão privada, auto-sustentáveis, tendo em seu núcleo entidades públicas, científicas e tecnológicas. Já foram investidos R$ 6 milhões nos estudos para a implantação do projeto. O custo de implantação será essencialmente privado, com o Estado apenas articulando e incentivando iniciativas. A meta é oferecer tecnologia de forma contínua a partir de núcleos centrais, onde devem coexistir linhas de produção e unidades de pesquisa e desenvolvimento.
A instalação de um parque nesses moldes cairia como uma luva no Grande ABC que convive com a perda gradativa de força industrial. Um ambiente de inovação permitiria a criação e retenção de empregos de alto valor agregado, além da incubação e comercialização de novas tecnologias. Poderia também incentivar a sinergia entre instituições acadêmicas e de pesquisa e a promoção das relações entre indústria, Poder Público e universidades.
Pesquisa e demanda
O secretário estadual João Carlos Meirelles afirma que a proposta possibilita às empresas instalarem centros de pesquisa e desenvolvimento nos parques, de modo a associar pesquisas e demandas práticas do setor produtivo. Se for mesmo excluída da lista dos parques tecnológicos, a região permanecerá na condição de importadora de tecnologia, sob o risco de perder ainda mais plantas industriais, atraídas por locais onde pesquisa e produção convivem de forma mais próxima.
David Gomes de Souza, o diretor de Desenvolvimento Econômico de Santo André, lembra que o Grande ABC tem pontos a favor para abrigar parque tecnológico. "Não só pelo fato logístico, de proximidade com o porto de Santos e da Capital, mas também pelo capital intelectual e a estrutura tecnológica instalada. Temos um conjunto de faculdades e inclusive a recém-criada Universidade Federal, que chega com viés tecnológico. Há a indústria automotiva e o Pólo Petroquímico, que agregam tecnologia" -- defende David de Souza.
O diretor de Desenvolvimento Econômico lembra que o projeto de ampliação do Pólo Petroquímico de Capuava representou investimento de R$ 140 milhões, dos quais R$ 80 milhões em equipamentos importados que poderiam ser produzidos na própria região, caso houvesse estímulo à inovação tecnológica.
O Grande ABC não poderia ser descartado pela falta de ambiente propício à pesquisa e desenvolvimento. Exemplo de que existe vida e atividade inteligente são as incubadoras de base tecnológicas instaladas em São Bernardo e em Santo André, base para o surgimento de empresas que vendem inovações mundiais nas áreas da química de tintas e motores, bem como para estímulo de vários empreendimentos na área de software com produtos mais competitivos que similares estrangeiros.
Os pequenos avanços das incubadoras são uma prova de que a região tem potencial para se renovar. Há 50 anos, o Grande ABC foi escolhido para abrigar as primeiras indústrias automotivas do Brasil, iniciando-se ciclo de desenvolvimento no qual o transporte rodoviário passou a ter papel estratégico. A definição para o Grande ABC abrigar o mais avançado parque industrial da época contou com as bênçãos do governo federal. Assim como nos anos 50 o Brasil se preparava para desenvolver-se sobre-rodas, no início do século XXI procura montar pólos de tecnologias de ponta para não ficar de fora de novo ciclo de crescimento.
A exclusão da lista dos parques tecnológicos é precedente perigoso para as pretensões de reciclagem econômica do Grande ABC.
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