A principal análise da 12ª edição do boletim Observatório Econômico corrobora um dos principais eixos avaliativos de LivreMercado. O periódico trimestral editado pela Secretaria de Desenvolvimento e Ação Regional da Prefeitura de Santo André mostra que o peso relativo da arrecadação própria das cidades do Grande ABC cresceu 13,4% entre 1999 e 2004. Com isso, a participação dos impostos municipais nas receitas regionais saltou de 52,9% para 60%. A constatação trafega na direção de reportagem da edição de maio último, segundo a qual os valores das receitas sob tutela das prefeituras da região mais que dobraram entre 1994 e 2004: passaram de R$ 366 milhões para R$ 811 milhões em valores corrigidos.
A diferença entre uma publicação e outra, além da extensão do período analisado, diz respeito à interpretação. Enquanto LivreMercardo apontou o aumento de receitas tributárias próprias como resultado de políticas compensatórias ao desabamento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na esteira da desindustrialização, os técnicos do boletim preferiram vincular a alteração da composição orçamentária à adaptação de atribuições municipais.
A disparidade do tom é flagrante. Enquanto o título da matéria de LivreMercado — “Prefeituras recuperam perda de ICMS com receita própria” — diz tudo, o texto do Observatório Econômico toma vereda supostamente menos comprometedora. “Determinada pela Constituição de 1988, a municipalização dos sistemas de educação e saúde criou novas fontes de gastos para os municípios. Para fazer frente a isso, as cidades criaram novas fontes de receitas tributárias e implantaram mudanças visando aprimorar suas estruturas de fiscalização” — lê-se no primeiro parágrafo.
A verdade é que, se a região não tivesse perdido tanto Valor Adicionado a reboque da desindustrialização, novas atribuições municipais em saúde e educação prescindiriam da expansão das receitas próprias. O problema é que, além dos serviços públicos citados, as prefeituras precisaram radicalizar na oferta de políticas de inclusão voltadas a milhares de desempregados. E o tratamento das feridas socioeconômicas demanda recursos públicos que escassearam com a desindustrialização.
Diferenças à parte, a análise do Observatório Econômico é valiosa na medida em que agrega informações ao tema de importância estratégica. O boletim mostra que a participação do ISS no total das receitas municipais da região saltou de 7,9% em 1999 para 11,1% em 2004, enquanto a fatia do IPTU pulou de 8,6% para 12,3% O crescimento do ISS foi impulsionado principalmente por São Caetano, que ampliou em 92% o recolhimento do tributo sob os auspícios da guerra fiscal.
Em relação ao IPTU, o destaque cabe a Santo André. A participação do imposto no total das receitas da cidade dobrou de 9,6% em 1999 para 18,9% em 2004, passando de R$ 43,8 milhões para R$ 98,7 milhões. “A alta se deve à correção da defasagem dos valores cobrados em relação às demais cidades da região” — explica o texto. O mesmo trabalho informa que em São Bernardo a arrecadação de IPTU subiu de 7,1% para 12,2%, diferentemente de Mauá, Diadema e Ribeirão Pires, que praticamente mantiveram o imposto na mesma bitola.
Gráficos em forma de pizza que mostram o alargamento do ISS e IPTU também denunciam o emagrecimento do ICMS nas receitas regionais, de 37,7% em 1999 para 30,2% em 2004. Mas o Observatório parece preferir a morte a relacionar a queda à comprovada debacle industrial. “Apesar da perda de 7,5 pontos percentuais em apenas cinco anos, essa modalidade de transferência ainda é a fonte mais expressiva da região. Isso demonstra que o Grande ABC mantém características produtivas de décadas passadas, levando-se em conta que os setores industriais contribuíram com 71,55% do ICMS regional de 2004” — considera.
A reportagem de LivreMercado de maio último traduziu o rombo do ICMS em valores monetários. “O repasse de ICMS no ano-base 1995 contabilizou em valores atualizados R$ 1,2 bilhão. Em 2005 o imposto estadual caiu para R$ 843,6 milhões, o que fez com que as prefeituras perdessem R$ 415,4 milhões”.
Santo André promocional
A matéria de abertura do Observatório Econômico “Santo André — Qualidade de vida e trabalho atraem pessoas e investidores”, é praticamente uma peça promocional. Os técnicos do Observatório torturam pesquisas para extrair a confissão de que se trata de “uma cidade forte, pujante e que está na rota dos investidores e na lista de um bom lugar para se viver e trabalhar”. Mas a realidade é diversa.
Para consubstanciar a conclusão de que Santo André é ponto obrigatório no itinerário de investidores, os responsáveis pelo boletim se basearam em dados de pesquisa da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) segundo os quais a cidade registrou US$ 1.191,80 bilhão em anúncios de investimentos entre 2000 e 2004, dos quais US$ 483,9 milhões somente no último ano do levantamento.
O problema é que não se trata de investimentos espontâneos em novas indústrias, que geram empregos em proporções dignas de comemoração, como no Interior do Estado. Trata-se, isto sim, de investimentos compulsórios realizados por seleto grupo de grandes indústrias sedentas por atualização tecnológica e ganhos de escala no calor da globalização.
Para conferir precisão, uma dezena de empresas respondeu pelos US$ 483,9 milhões anunciados para Santo André em 2004, como mostra o próprio boletim. O único anúncio que se referiu à implantação, e não à melhoria de produtividade, é relativo aos US$ 6,5 milhões aplicados pelo atacadista Makro na Avenida dos Estados.
Bem diferente, de novo, foi a abordagem de LivreMercado sobre o mesmo tema. Reportagem publicada em abril último alertou sobre a natureza tecnológica dos investimentos no Grande ABC e mostrou que a combalida Região Metropolitana ficou com apenas 32,5% dos investimentos anunciados para o Estado entre 1995 e 2004. Tradução? O Interior e o Litoral deram goleada de atratividade nos 39 municípios com 19 milhões de habitantes.
A pesquisa sobre as 100 melhores cidades brasileiras para trabalhar, compilada pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, também foi cooptada em favor de Santo André. “Quem mora e trabalha em Santo André já sabe — a cidade oferece rede complexa e diversificada de serviços públicos que tornam a vida e o trabalho aqui mais agradáveis. A novidade é que essa informação começou a ultrapassar as fronteiras do Município. Pesquisa da FGV revelou que a cidade ocupa a 37ª posição entre as melhores cidades para se trabalhar” — lê-se, em tom oba-oba.
Mais uma vez, a avaliação de LivreMercado é outra. Matéria publicada na edição de julho levou o seguinte título: “Não ficamos nem entre as 10 melhores”. Parte do texto: “Com exceção de São Caetano, que chegou na 12ª posição, outros municípios da região ficaram muito aquém do sugerido pela densidade histórica e econômica. São Bernardo obteve a 25ª posição, Santo André a 37ª e Diadema a 86ª. Mauá nem ficou entre as 100 e Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não foram avaliadas por não reunir requisito populacional mínimo de 170 mil habitantes. Apenas 126 cidades brasileiras foram avaliadas porque preencheram requisitos mínimos que incluem R$ 210 milhões em depósitos à vista. Prestar atenção ao corte metodológico é fundamental para não cair na conversa de eventuais ufanistas que queiram vender imagem excessivamente rósea do Grande ABC” — alertava o texto.
A negação da desindustrialização não serve como antídoto para deixar de acusar seus efeitos. O mesmo periódico que converte Santo André em terra paradisíaca para investir e trabalhar traz longo artigo sobre os esforços para integrar pelo menos parte dos 57 mil desempregados da cidade, além de 95 mil informais, através da criação do Centro Público de Emprego, Trabalho e Renda, por meio de convênio firmado com o Ministério do Trabalho e Emprego. Da formação de cooperativas a cadastramento de autônomos, vale tudo para tirar parcela expressiva da população do acostamento socioeconômico.
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