O Grande ABC recuperou no ano passado o equivalente a duas fábricas da General Motors de empregos industriais com carteira assinada. Foram 17.048 empregos gerados em 12 meses, segundo dados oficiais do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Ministério do Trabalho. Uma boa notícia que se somou a saldos positivos dos quatro anos anteriores e que elevou o estoque no período para 27.148 postos de trabalho. Mas, mesmo assim, a contabilidade final a partir de 1990, quando começaram os efeitos da abertura econômica, é muito mais estrondosa: o déficit de emprego industrial formal na região nos últimos 15 anos é de 92.154 profissionais. Ou 11 fábricas da GM, que emprega 8,4 mil pessoas em São Caetano.
A expectativa de que o Grande ABC voltará a ser oásis industrial com mão-de-obra farta não ultrapassa os limites da teorização mais engajada dos otimistas inveterados. Exceto se conseguir adicionar às matrizes produtivas tradicionais especialmente do setor automotivo e químico/petroquímico novas vocações da indústria de transformação.
Mesmo assim com sérias restrições à intensividade da mão-de-obra. Os mais de 17 mil empregos industriais de 2004 são a prova disso: num ano em que a indústria automotiva bateu recorde de produção, com mais de 2,2 milhões de unidades, a recomposição do mercado de mão-de-obra se mostrou contingenciada pela racionalidade das linhas de produção cada vez mais tecnológicas e menos empregadoras.
Coração e membros
A indústria automotiva é o coração, os membros e a alma da economia do Grande ABC. Exatamente por isso os anos 90, os mais terríveis da história regional, foram um tormento. Naquele período a abertura econômica, a descentralização automotiva regiamente subvencionada pelo governo federal e a valorização artificial do câmbio levaram as montadoras locais a incrementar novas plantas em regiões de menores custos. E as pequenas indústrias metalúrgicas, em grande parte familiares, conheceram o inferno da desativação ao se defrontar com redes multinacionais de autopeças beneficiadas pelo câmbio no suprimento das montadoras locais ou engolfadas por fusões e aquisições.
O desabamento da economia industrial do Grande ABC ganhou maior influxo no período do governo de Fernando Henrique Cardoso, auge da guerra fiscal, da competição predatória de players internacionais, de exageros de importações e de aniquilamento do pequeno negócio. Foram 39% de perdas do Valor Adicionado, que vem a ser espécie de PIB (Produto Interno Bruto) da região.
Perdas com FHC
Os reflexos no mercado de trabalho foram tão compulsórios quanto dantescos: o Grande ABC acumulou 71.528 empregos industriais formais, ou 77,6% do déficit de 15 anos. A especificação estatística dos estilhaços provocados pelo governo Fernando Henrique Cardoso é providencial na medida em que ainda há agentes econômicos, políticos e sociais que não têm a dimensão do quanto a Era FHC desfigurou o segundo parque industrial mais importante do país, atrás apenas do da capital paulista. Ainda há quem, na tentativa de descaracterizar histórico exclusivamente econômico, vincule os despautérios de FHC a injunções político-partidárias.
Trata-se de surrada tática diversionista. Por mais que os números dos últimos anos sejam positivos, a fotografia do Grande ABC deste começo de 2005 em confronto com 1990, por exemplo, é extraordinariamente preocupante. São quase 500 mil novos moradores espalhados por seis dos sete municípios e constante redução de participação no bolo de distribuição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Somente São Caetano conheceu refluxo demográfico no período.
O repasse do ICMS pelo governo do Estado obedece a ritual legal que confere peso relativo de 76% ao Valor Adicionado. Isso significa que quanto mais produção de valor agregado, na qual a indústria de transformação faz a diferença, mais recursos os municípios arrecadam. Essa fórmula é tremendamente injusta com municípios altamente populosos mas escassamente industrializados. E extraordinariamente privilegiadora de municípios de menor porte que contem com indústrias de elevada capacidade de transformar matéria-prima em produtos. Caso da petroquímica Paulínia, na Grande Campinas, campeã absoluta de receitas orçamentárias por habitante originárias do ICMS e de gastança com funcionalismo público, Legislativo e mordomias típicas de principados.
ICMS desaba
O ICMS continua sendo a principal fonte de dinheiro das prefeituras, mas o peso relativo tem desabado a cada ano. Para se ter idéia mais clara da situação, Santo André perdeu dois terços dos repasses nos últimos 30 anos. Nenhum município brasileiro passou por tamanho martírio orçamentário. Só nos últimos anos a Prefeitura conseguiu comemorar estabilidade real dos repasses que, entretanto, não combinam com o crescimento dos gastos com o funcionalismo e com a disparada do IGPM (Índice Geral de Preços do Mercado), da Fundação Getúlio Vargas, que baliza as despesas de insumos.
A boa e reconfortante notícia é que Santo André perdeu praticamente tudo o que tinha de perder. Afinal, 80% do Valor Adicionado gerador de ICMS resultam das grandes empresas que estão em seu território e que, por arrazoado de ordem administrativa, entre os quais o próprio custo de transferência da planta, não têm por que evadir-se. Ainda mais depois de investirem muito em treinamento, reciclagem, metodologia e tecnologia. Essa equação deságua em menos empregos por Valor Adicionado produzido e não está circunscrita a Santo André. A gênese da competitividade industrial em qualquer canto do planeta nutre-se naqueles pressupostos, entre outros.
Cabem principalmente aos dirigentes públicos e às lideranças econômicas da região a formulação de políticas voltadas ao estancamento da tendência de desindustrialização. Não faltam espaços físicos para a atratividade empresarial. O buraco é mais embaixo. O Grande ABC ainda não conseguiu encontrar um novo rumo que impeça que sua vocação industrial se fragilize. O Pólo Petroquímico de Capuava, que sustenta tributariamente boa parte das finanças de Santo André e de Mauá, ganhará novo impulso com aumento de produção da empresa-mãe, a Petroquímica União.
Grande potencial
O que fazer? A disseminação de empresas de terceira geração químico-petroquímica, no chamado setor de plástico, tem potencial intenso, até porque se trata de segmento já incorporado na geografia regional, principalmente em Mauá e em Diadema. Essas empresas estão penduradas em larga escala no setor automobilístico, que cada vez mais se utiliza desse material.
Um plano estratégico para dar maior adensamento à indústria do plástico, diversificando-a para atender outras atividades além da automotiva, é o mínimo que se espera da engenharia de ocupação do aumento da capacidade industrializadora da Petroquímica União que desencadeará, inclusive, a reprodução de investimentos nas empresas de segunda geração do Pólo Petroquímico de Capuava. Caso já anunciado da Polietilenos União, que investirá US$ 140 milhões. São empresas de segunda geração as grandes companhias químico-petroquímicas que giram em torno da Petroquímica União. Entenda-se por girar em torno de forma literal, já que ocupam espaços contíguos, inseridos na lógica de abastecimento de insumos. A Solvay, na distante divisa com Rio Grande da Serra, é atendida através de dutos.
Como recrutar inteligência organizativa para encaixar as peças essenciais no quebra-cabeça de potencialização de vocações subjacentes ou mesmo de novas vocações industriais no Grande ABC? O Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, a Agência de Desenvolvimento Econômico e outras instituições podem requisitar os préstimos de consultorias especializadas para desenhar o mapa de complementaridade industrial da região.
Modelos demodê
Junte-se a essa alternativa que trata a competitividade regional sob a inspiração de especialistas em mercado o espancamento filosófico de uma Universidade Pública Federal do Grande ABC sob inspiração de modelo fora de moda de cursos que engrossariam a lista de desempregados. A UFABC pretendida pelo relator do projeto de lei, deputado federal Ivan Valente, seria uma peça de adorno econômico, porque contemplaria a formação de profissionais para áreas desvinculadas da geração de riqueza. Se a indústria do plástico tornar-se carro-chefe da retomada do setor de transformação do Grande ABC, a UFABC não poderá seguir outro caminho, pelo menos nos primeiros cursos, senão suprir a demanda que emergiria das plantas industriais.
Há um exército de deserdados de empregos industriais e de candidatos que entram a cada ano no caudalosa População Economicamente Ativa que não pode se alimentar de falsas expectativas universitárias. Um ensino superior doutrinariamente voltado à tecnologia industrial provavelmente não conseguirá fazer frente ao descompasso histórico de enxugamento de mão-de-obra em relação à demanda vegetativa, mas, certamente, impedirá que o estilhaçamento do mercado de trabalho se perpetue com rigores insuportáveis.
Onze fábricas da General Motors de desemprego industrial formal em 15 anos e estimadas 520 mil pessoas que ingressaram na População Economicamente Ativa no mesmo período são elementos inquietantes demais para que se desprezem novas investidas industriais a bordo de planejamento estratégico combinado com desideologização do espectro vocacional da Universidade Federal do Grande ABC.
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