Uma boa notícia para quem sofreu com o emagrecimento do emprego industrial do Grande ABC nos anos 1990, principalmente no período de oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso: a tendência aparentemente asfixiante de que a região não conseguiria resistir ao esvaziamento econômico ditado sobretudo pela evasão industrial foi razoavelmente revertida nos 41 meses do governo Lula da Silva. Nada extraordinário, é verdade, mas um bálsamo para quem imaginava cenário de destruição lenta e irreversível.
Resumidamente, a indústria regional respira ainda com a ajuda de aparelhos, situação própria de quem merece cuidados de convalescente atingido pelo fortíssimo trauma da chegada de novos competidores principalmente no mercado de veículos de passeio, setor chave do desenvolvimento econômico do Grande ABC. Essa situação é, portanto, bem diferente dos tempos de moribundez no governo de FHC, que comandou os destinos do Brasil entre janeiro de 1995 e dezembro de 2002.
O resultado apresentado com exclusividade por LivreMercado em mais um estudo especial nem de longe, portanto, insinua que essa reação elimina de vez a sombra de inquietação sobre o futuro industrial do Grande ABC e suas consequências comunitárias. Os dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Ministério do Trabalho, indicador que mede o universo dos ocupados com carteira assinada, são aliviadores. Principalmente se forem vistos como prova de resistência da indústria regional, duramente testada em profundos golpes que a colocaram sem a menor apelação na encruzilhada de modernizar ou perecer na arena da globalização.
Os números que confrontam o governo Fernando Henrique Cardoso e o governo Lula da Silva passam distantes de eventuais e maliciosas interpretações político-partidárias de quem vê o fantasma de eleições em qualquer movimento que vise colocar ordem na casa de estatísticas que envolvam o Grande ABC.
Lulacá melhor
O que diferencia a gestão dos dois presidentes? Embora a média de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) dos oito anos do governo FHC tenha sido semelhante à de Lula (2,3% para o primeiro, 2,6% para o segundo), em termos de Valor Adicionado e de geração de empregos o ex-sindicalista que fez fama e carreira no Grande ABC ganha disparadamente.
Tudo porque seria praticamente impossível repetir o descaso de FHC com o território regional, onde só esteve uma única vez durante o mandato e no qual fez os piores experimentos de abertura econômica ao capital internacional associada à descentralização territorial do setor automotivo, coração, pulmões e alma do Grande ABC.
Com Fernando Henrique Cardoso o Grande ABC perdeu mais de um terço do Valor Adicionado (produção de riqueza) enquanto nos dois primeiros anos de Lula recuperaram-se 13,5%. Os números do VA do ano passado ainda não foram divulgados oficialmente pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, mas devem elevar o saldo positivo do governo petista porque o PIB brasileiro cresceu 2,6% com forte contribuição automotiva. Por mais que o Grande ABC venha perdendo participação relativa em veículos de passeio, o ritmo de produção da atividade nos últimos anos tem mantido patamares que, dólar valorizado à parte, garantem a contratação de trabalhadores.
Comparações entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula da Silva são sempre arriscadas à contaminação de meias verdades quando os estudos estão atrelados a uma ou a outra facção partidária. O noticiário dos últimos tempos que coloca esse embate na mídia provoca arrepios na medida em que se aproximam as eleições de outubro. É um festival de contorcionistas numéricos, verbais e contextuais. Por isso, LivreMercado toma o cuidado de, sempre com o suporte do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), seu braço eletrônico de análises, ir a fundo na coleta de dados.
Daí, um passo para aprofundar a conclusão de que os 96 meses em que Fernando Henrique Cardoso conduziu os destinos do País foram os piores da história do Grande ABC. E que os primeiros 41 meses de Lula da Silva (de janeiro de 2003 a maio deste ano), são um alívio diante da deterioração do universo de trabalhadores com carteira assinada.
Perdas e ganhos
Quem acha que há exagero nessa constatação provavelmente vai mudar de idéia com um simples enunciado, que captura os tempos despendidos pelos dois governos.
Com Fernando Henrique Cardoso e sua maluquice de desprezar protecionismo mitigado na inserção industrial do Brasil no mercado internacional, num contexto de moeda nacional valorizadíssima e juros nas alturas, o Grande ABC perdeu em média por mês uma fábrica de 856 funcionários com carteira assinada. Ou, então, nos 96 meses, o equivalente em trabalhadores de seis fábricas iguais à da Volkswagen em São Bernardo e a uma da General Motors em São Caetano.
Com Lula da Silva bafejado por um quadro internacional sem turbulências e mesmo com a política monetária de juros elevadíssimos (mas sempre, em média, muito menores que os de FHC), política cambial de valorização do real frente ao dólar e evidente desperdício de munição econômica ao deixar escapar ações de reestruturação mais incisivas da microeconomia e da infra-estrutura do País, principalmente por causa dos seguidos escândalos político-administrativos, o Grande ABC gerou por mês o equivalente a uma fábrica de 748 empregos industriais. Se transposta para o período de 41 meses, o Grande ABC ganhou com Lula duas unidades iguais à da Volkswagen de São Bernardo e duas da Bridgestone Firestone em Santo André.
É indefensável qualquer tentativa de relativizar situações tão antagônicas. Pelo menos a ponto de desclassificar as fundas diferenças que as separam. Com Fernando Henrique Cardoso o Grande ABC perdeu 82.231 empregos industriais com carteira assinada, enquanto com Lula da Silva, em menos da metade da soma dos dois mandatos de FHC, o Grande ABC viu brotarem 30.675 carteiras de trabalhadores industriais.
Por mais que se tente encontrar justificativas para cenários tão contrastantes, há tamanha discrepância entre um período e outro que o mais conveniente mesmo é recolher lições. Quem vive ou trabalha no Grande ABC sabe o que significa a perda média mensal de 856 empregos industriais com carteira assinada e, em contraposição, durante 41 meses igualmente seguidos, ganhar média mensal de novos 748 empregos igualmente industriais.
A dicotomia não é obra do acaso. São algumas ações microeconômicas, como a fartura de crédito que movimenta diversas atividades, principalmente a venda de veículos, e também macroeconômicas, como a estabilidade da moeda herdada de FHC e o quadro internacional, que ajudam a compreender o confronto. Sem contar, evidentemente, que o Grande ABC praticamente chegou ao fundo do poço de depauperação econômica na esteira da desindustrialização acelerada pelo governo FHC.
O receio quase generalizado que se tinha de que o Grande ABC havia ingressado numa espiral hemorrágica de emprego industrial de qualidade parece finalmente afastado. A sangria desatada não só foi finalmente estancada como absorve quantidade nada residual, embora também não seja profusa, de novos empregos no setor. Resta esperar pelos próximos tempos para saber até que ponto será possível retirar os aparelhos do convalescente. As anunciadas demissões na Volkswagen de São Bernardo sinalizam que ainda há patologias que minam a competitividade industrial do Grande ABC e que, portanto, os anos 1990 de drásticos cortes de pessoal podem ser reavivados.
Comedimento
Por isso que, mesmo diante dessa transformação, soltar fogos para comemorar a reação seria no mínimo imprevidência. Se o objetivo for outro, de gesto que simbolize a mistura de satisfação de observar um fantasma pelas costas e de encarar a realidade que descortina e exige engenho, nada mais justo. Quem passou pelo sufoco econômico e social do Grande ABC desde a radicalização da abertura econômica combinada com descuidos de gerenciamento da política econômica nacional provavelmente sabe o quanto são providenciais os números dos últimos 41 meses.
O lamentável nas duas situações que separam o Grande ABC do inferno da desindustrialização combinada com perda de emprego do Grande ABC industrialmente estável com recuperação de postos de trabalho com carteira assinada é que o comportamento institucional da região foi semelhantemente sofrível. Sim, durante larga parte do governo FHC a intensa mobilização institucional do Grande ABC foi um fracasso de cenaristas de plantão que procuraram esconder, a qualquer preço, as fissuras do setor industrial e seus reflexos na comunidade. E agora, no governo Lula da Silva, período em que o Grande ABC patrocina completa inércia de suas entidades, principalmente sociais e econômicas, a reação se dá por combustão de vetores externos.
A tradução desses dois períodos distintos do ponto de vista econômico mas semelhantes na fragilidade institucional do Grande ABC é que o primeiro marcou a criação do Fórum da Cidadania, a recomposição do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, o lançamento da Câmara Regional e a fundação da Agência de Desenvolvimento Econômico. O segundo período viveu sob o monopólio de um ainda cambaleante Consórcio de Prefeitos, já que o Fórum da Cidadania vegeta, a Câmara Regional virou lenda e a Agência de Desenvolvimento Econômico segue isolada, sem recursos financeiros à altura da gravidade do setor produtivo da região.
Essa autêntica ópera-bufa de capital social é transtorno para o Grande ABC porque tanto as perdas do governo FHC como os ganhos do governo Lula da Silva poderiam ser diferentes, sempre para melhor, se as pregações do prefeito Celso Daniel de fortalecimento da regionalidade não se diluíssem nas idiossincrasias político-partidárias e municipalistas.
Diadema lidera
A proporção de empregos industriais com carteira assinada durante os 41 meses do governo Lula da Silva em relação aos empregos das demais atividades (serviços, comércio, administração pública, agropecuária e construção civil) é liderada largamente por Diadema. Sede de empresas de micro, pequeno e médio porte das áreas metalúrgica, de plástico e de cosméticos, Diadema somou 53,97% de empregos industriais. Ou seja: do saldo de cada 10 empregos gerais Diadema contou 5,3 no setor de transformação. Trata-se de desempenho muito acima da média do Grande ABC, da Região Metropolitana de São Paulo, do Estado de São Paulo e mesmo do Brasil.
O resultado revela que Diadema contrariou a tendência de refluxo de empregos industriais nas regiões metropolitanas do País em relação às demais atividades ao alcançar índice superior inclusive ao de geografias para onde o setor de transformação tem se deslocado. Dos 17.998 empregos formais gerais que Diadema acrescentou nos cadastros do Ministério do Trabalho durante o governo Lula da Silva, 9.715 foram na indústria.
Embora o porte da economia de Diadema seja inferior ao da vizinha São Bernardo, a cidade comandada pelo prefeito petista José de Filippi Júnior conseguiu somar mais empregos industriais porque é menos dependente do setor automotivo que cada vez mais aperta o cerco da produtividade segundo balizas internacionais. São Bernardo registrou apenas 6.757 empregos em fábricas, o que pode ser traduzido em 164,8 postos de trabalho por mês. Com isso, a participação relativa dos novos empregos industriais no conjunto de assalariados com carteira assinada não passou de 17,77% no Município detentor do maior PIB (Produto Interno Bruto) da região.
Os números de São Bernardo estão abaixo da média regional. Sempre considerando os 41 meses do governo Lula da Silva, a média de empregos industriais gerados no Grande ABC alcançou 25,94%. Ou seja: apenas um de cada quatro novos empregos gerais criados na região desde janeiro de 2003 está no setor industrial. A média de Santo André é levemente superior a de São Bernardo (20,17%). São Caetano cada vez mais de serviços alcançou apenas 16,87% de novos empregos industriais em relação ao conjunto de atividades econômicas. Ribeirão Pires chegou a 45,19% do total, depois de experimentar sangria quase irrefreável nos oito anos de FHC. Rio Grande da Serra não está contabilizada porque não consta individualmente dos estudos do Ministério do Trabalho por ter menos de 50 mil habitantes.
Outros endereços
Sedes das três principais regiões metropolitanas que giram em torno da metrópole paulistana e para onde migraram e se instalaram indústrias em busca de competitividade, São José dos Campos, Sorocaba e Campinas apresentam índice de emprego formal da indústria de transformação inferior à média do Grande ABC e por isso mesmo muito aquém ao de Diadema. São José dos Campos obteve a média de 23,33% de empregos industriais do total de saldo de carteiras assinadas no período do governo Lula da Silva. A média de Sorocaba foi melhor, de 35,94%, e a de Campinas muito aquém, de apenas 15,41%, como desdobramento do esvaziamento industrial em direção à chamada Região Metropolitana de Campinas, cinturão de 18 municípios cuja soma populacional é levemente superior aos 2,5 milhões de habitantes do Grande ABC.
Dessa forma, o chamado G-3I, formado por Campinas, Sorocaba e São José dos Campos, capitais interioranas que, somadas, têm praticamente o mesmo número de moradores do Grande ABC, registrou durante os 41 meses de Lula da Silva 85.248 empregos formais de comércio, serviços, administração pública, construção civil e agropecuária, contra 19.795 postos industriais. Com isso, a média geral de empregos formais da indústria de transformação em relação aos demais trabalhadores chegou a 23,22%.
Já o G-3C, formado por São Paulo, Guarulhos e Osasco, cidades vizinhas na Grande São Paulo, a média geral de novos empregos industriais apresenta solavancos: enquanto em Osasco 22,84% foram de postos industriais, São Paulo registrou apenas 11,79% e Guarulhos 32,20%. Nada surpreendente, levando-se em conta que o processo de desindustrialização da Capital é tão antigo e comprometedor quanto o do Grande ABC e que as duas cidades vizinhas são opções para empresários que, de olho na sede da metrópole, dispensam a atratividade da chamada São Paulo Expandida, as regiões de Campinas, Sorocaba e São José dos Campos, e, também, ofertas de guerra fiscal de vários Estados brasileiros.
Os números de Lula da Silva, sempre em confronto com os de Fernando Henrique Cardoso, não são positivos apenas para o Grande ABC. Nos 96 meses do governo tucano encerrados em dezembro de 2002, a contabilidade da Região Metropolitana de São Paulo registrou perda líquida de 388.713 empregos industriais. Já no Estado de São Paulo, numa evidência de que a São Paulo Expandida conseguiu capitalizar os desarranjos da metrópole paulistana, o saldo negativo chegou a 381.295. Ou seja: se forem descontadas as baixas da RMSP, os paulistas praticamente empataram o jogo de empregos industriais no governo FHC. Já no âmbito nacional, o governo FHC apresentou o modesto saldo de 43.057 empregos com carteira assinada na indústria. Excetuando-se o Estado de São Paulo, o saldo ultrapassaria a 400 mil postos de trabalho em 96 meses.
Vitória de Lula
Em muito menos da metade da soma dos dois mandatos de seu antecessor, o governo Lula da Silva exibe números mais vistosos do setor industrial: a Região Metropolitana de São Paulo soma saldo de 124.225 postos de trabalho, o Estado de São Paulo 398.723 e o Brasil 1.006.222. Resumo da ópera: com Lula da Silva o Grande ABC criou o equivalente a uma fábrica de 748 empregos por mês, a Região Metropolitana de São Paulo uma fábrica de 3.029 empregos, o Estado de São Paulo uma fábrica de 9.724 e o Brasil uma unidade de transformação de 24.524 profissionais a cada 30 dias.
Com Fernando Henrique Cardoso os números foram atemorizantes: perda de uma fábrica de 856 trabalhadores a cada mês no Grande ABC, de uma fábrica de 4.049 colaboradores a cada 30 dias na Região Metropolitana de São Paulo e perda de uma fábrica de 3.971 funcionários a cada 30 dias no Estado de São Paulo. No âmbito nacional, as estatísticas do Ministério do Trabalho apontam que o governo FHC criou uma fábrica de 448,5 funcionários a cada 30 dias no Brasil.
Há feixe de explicações para o desbalanço entre os números paulistas — principalmente da Grande São Paulo — e os do Brasil. Mas pesou sobretudo o desequilíbrio da guerra fiscal. O mecanismo que consiste em devolver, isentar ou postergar o recolhimento de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) espalhou-se por vários territórios nacionais e também entre endereços paulistas interioranos. Parte da riqueza da indústria de transformação da Região Metropolitana de São Paulo se esvaiu em direção principalmente à Grande São Paulo Expandida (regiões de Sorocaba, São José dos Campos e Campinas) e também escapuliu rumo a Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás e Estados no Norte e Nordeste.
Tanto que o mapa do PIB industrial sofreu várias mudanças nos últimos 10 anos. Nenhuma outra atividade foi mais duramente descentralizada no período do governo Fernando Henrique Cardoso do que a automotiva. Os novos investimentos foram atraídos por vantagens fiscais, mas também de crédito fácil principalmente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Muitos empregos que desapareceram da geografia da Região Metropolitana de São Paulo e que em parte migraram para os setores de comércio e serviços, ou seus titulares viraram pequenos empreendedores formais e informais, acabaram metabolizados em novos endereços sob condições estruturalmente aquém do padrão trabalhista costurado durante os anos de autarquismo econômico e sindicalismo mobilizador.
A abertura econômica pegou em cheio setores industriais até então protegidos contra a intempérie da competição internacional. Os números do Grande ABC no período FHC são emblemáticos de uma travessia que se fazia necessária entre o Brasil envelhecido e o Brasil moderno. O equívoco foi de calibragem. Escancarou-se demais e repentinamente a disputa no mercado automotivo. Principalmente os pequenos e médios negócios industriais foram atirados na arena da voracidade de players internacionais. Consumaram-se carnificinas em forma de desindustrialização e de desemprego. Principalmente entre pequenas e médias indústrias de capital familiar.
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