A nona edição do boletim Observatório Econômico traz uma constatação transparente e uma análise capciosa como pratos principais. A constatação: a economia de Santo André continua extremamente dependente de poucas e grandes empresas, fato que pode ser traduzido como positivo ou negativo dependendo dos ventos macroeconômicos e setoriais. Já a análise capciosa trata das possíveis razões que explicam o relativo sucesso do Brasil e do Grande ABC no front internacional: por que as exportações crescem tanto e vão superar com folga a barreira dos US$ 100 bilhões este ano, apesar da taxa de juro e da apreciação cambial supostamente desfavorável? -- pergunta em tom festivo o informativo produzido pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Ação Regional de Santo André com suporte técnico da Fundação Santo André.
O boletim mostra que 20 empresas foram responsáveis por 67% do Valor Adicionado de Santo André no ano passado. Isso mesmo. Duas dezenas geraram dois terços da medida de produção industrial que determina em 76% o repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) pelo governo do Estado. São, pela ordem, Pirelli Pneus, Bridgestone/Firestone, Solvay/Indupa, Petroquímica União, Telesp, Eletropaulo, Polietilenos, Rhodia Poliamida, Eluma, Alcoa Alumínio, White Martins Gases Industriais, TRW Automotive, Benteler Componentes Automotivos, DuPont do Brasil, AOL Brasil, Alcan Alumínio do Brasil, Telesp Celular, De Nadai Alimentação, Comgás e Johnson Controls do Brasil. Se forem consideradas apenas as 10 primeiras, a concentração relativa torna-se ainda maior. A fatia no bolo do VA chega a 58% e as 10 seguintes totalizam 9%.
Ao revelar o mapa da mina, o levantamento comprova que o segmento químico/petroquímico irradiado do Pólo de Capuava e a cadeia automobilística formada principalmente por fabricantes de pneus despontam como sustentáculos da cidade que mais perdeu participação relativa no ICMS paulista nos últimos 30 anos. Mas a importância de serviços básicos de telefonia fixa e móvel, energia elétrica e fornecimento de gás não pode ser desprezada.
O quadro de 2004 mudou muito pouco em relação a 2003, quando os 20 principais contribuintes de Santo André participavam com 70% do VA. Apenas duas empresas entraram para o ranking -- Benteler Componentes Automotivos e Comgás -- no lugar de Marfrig Frigorífico e Comércio de Alimentos e Holcim Brasil.
Exportações
A análise sobre o paradoxo do desempenho positivo das exportações diante da apreciação do real e da alta taxa de juro transmite a impressão de que os autores se preocuparam muito mais em festejar e justificar resultados na contramão dos fundamentos macroeconômicos do que vislumbrar prováveis obstáculos no caminho das vendas externas, principalmente de veículos, caso a moeda nacional continue no patamar atual ou se valorize ainda mais.
“A força demonstrada pela economia brasileira desde o ano passado decorre em grande parte do desempenho surpreendente das exportações, que devem chegar a US$ 114 bilhões em 2005. A surpresa é que esse resultado aconteceu à revelia de dois fatores que teoricamente serviriam para brecar as exportações -- juros mais elevados e o dólar muito baixo” -- lê-se na introdução ao artigo.
O trecho está repleto de meias verdades. Apesar do crescimento puxado pelo aquecimento sem precedentes da demanda internacional, a participação do Brasil no comércio internacional ainda é muito acanhada, em torno de 1%. Significa que nações em estágio análogo de desenvolvimento crescem muito mais. A afirmação de que fatores macroeconômicos como juros e câmbio atrapalhariam apenas teoricamente -- não na prática -- é outro exemplo de manipulação verbal. Afinal, é impossível quantificar o volume adicional de exportações e investimentos produtivos num cenário de câmbio favorável e juros minimamente civilizados. Provavelmente o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro se aproximaria do patamar de países como China, Índia e Coréia.
Referindo-se diretamente ao Grande ABC, o artigo afirma que parte da explicação para a sustentação das exportações está relacionada às vendas do tipo intercompany, realizadas de subsidiárias brasileiras para matrizes ou filiais em outras partes do mundo. Para o Observatório, o esquema intercompany serviria como espécie de blindagem à volatilidade cambial, que afetaria mais incisivamente produtos de menor valor agregado remetidos diretamente a consumidores finais. “Organizações multinacionais do setor automobilístico como Volkswagen, General Motors e Ford, detentoras de grande capacidade instalada no Brasil, estão classificadas entre as 10 que mais exportaram em 2004, uma posição que deverá ser mantida neste ano, já que de janeiro a junho as exportações de automóveis cresceram 40% em relação ao mesmo período do ano passado” -- destaca o informativo.
O fato de fornecer diretamente a consumidores estrangeiros ou por meio de matrizes ou filiais em nada altera a lógica soberana de alocação de investimentos em países e regiões de custos mais baixos, os chamados low cost countries. Ou alguém imagina que multinacionais estariam dispostas a absorver alegremente custos adicionais no Brasil porque podem repassar a conta automaticamente aos consumidores de outras partes do globo? Pergunte-se à General Motors e à Volkswagen -- que perderam contratos de exportação para o México porque tiveram de reajustar preços pela elevação de custos internos na esteira da valorização cambial.
Os autores do artigo talvez ignorem o fato de que, na economia globalizada, plantas de uma mesma montadora competem por investimentos como se pertencessem a grupos rivais. E essa competição se dá não apenas em nível internacional, mas também dentro de um mesmo país. Neste cenário, a manutenção do câmbio em patamar atrativo é essencial para proporcionar segurança aos investidores e amenizar parte do Custo Brasil.
Talvez alguns analistas também não tenham se dado conta, mas a valorização da moeda corroeu a rentabilidade das exportações, que continuam elevadas porque as montadoras não têm saída. “Compromissos de fornecimento de produtos de alto valor agregado como automóveis não podem ser cortados da noite para o dia. Levamos anos para desenvolver relações de confiança com mercados internacionais e não podemos por esse esforço a perder” -- explicou Rogelio Golfarb, presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), em recente reportagem de LivreMercado.
Não significa, entretanto, que o propalado vigor das exportações não esteja ameaçado, por mais que sirvam de válvula de escape para elevar níveis de produção e compensar a baixa elasticidade do mercado interno. “É difícil manter vendas que não são lucrativas” -- desabafou Golfarb.
Especificamente um dos parágrafos do Observatório Econômico apresenta incoerência acachapante. “É possível concluir que, nas regiões onde é mais elevado o grau de concentração de indústrias multinacionais, como é o caso do Grande ABC, com o setor automobilístico, a convergência entre as moedas torna-se ainda mais importante, na medida em que isso simplifica e favorece as exportações para outras filiais do mundo, cujos custos de produção são mais elevados”.
Estariam os autores sugerindo a paridade cambial que levou a Argentina à bancarrota e aniquilou o ímpeto do Brasil no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique como suposta ferramenta de facilitação de inserção de produtos brasileiros em destinos internacionais, pela conversão simplificada de valores monetários?
Estariam tão convencidos das condições brasileiras de competitividade no embate com China, Leste Europeu e Coréia do Sul a ponto de acreditar que, mesmo num cenário de convergência entre moedas, ainda levaríamos a melhor apesar da taxa de juro e da carga tributária que atinge quase 40% do PIB (Produto Interno Bruto)?
A contribuição se faz necessária no seguinte sentido: mais importante do que construir teorias que expliquem porque as vendas externas crescem à despeito do câmbio e dos juros é alertar sobre as vulnerabilidades para evitar nova depressão no horizonte indesejavelmente ciclotímico.
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