Muitas das soluções de que o Grande ABC precisa para fortalecer a competitividade do setor automotivo passam necessariamente pelo governo do Estado. Por isso, o êxito da iniciativa encabeçada por William Dib dependerá, em grande medida, da capacidade de influenciar decisões da esfera superior de poder liderada por Geraldo Alckmin, de quem é aliado. A constatação é clara para quem presta atenção às recomendações de Luiz Moan Yabiku Junior, diretor de Assuntos Institucionais da General Motors do Brasil e um dos maiores conhecedores das nuances que determinam investimentos no setor.
Moan adota postura responsavelmente cautelosa ao ressaltar que não será nada fácil recuperar o brilho do passado, porque a evasão industrial é fato consumado. Mas considera que o Grande ABC pode — sim — fortalecer a cadeia automobilística por meio de plano inédito estrategicamente iniciado por São Bernardo.
O Rodoanel ocupa o topo da lista de prioridades de Luiz Moan quando questionado sobre as principais necessidades da indústria automobilística do Grande ABC. E, como se sabe, a materialização da megaobra viária projetada para dar mais agilidade ao transporte de cargas depende predominantemente de recursos do governo do Estado. Em convergência com o diretor-presidente da gigante de transportes Ryder que, em entrevista historicamente esclarecedora, estimou em 30% o custo adicional de logística às empresas da Grande São Paulo, Luiz Moan ressalta que o encalacramento viário no coração da metrópole é um dos fatores que mais pesou para que indústrias tomassem o rumo do Interior paulista — a transferência do megacentro de distribuição de peças e acessórios da Volks de São Bernardo para Vinhedo, na região de Campinas, é exemplo emblemático.
Quanto mais alto o custo logístico gerado pelo trânsito cronicamente paralisado, maior o desperdício obrigatoriamente incluído nas planilhas de montadoras e autopeças.
Mas Luiz Moan faz ressalva importante. A construção do Rodoanel representa pré-requisito e não solução final para o equacionamento do nó logístico do Grande ABC. Como assim? Simples. Para que a região efetivamente colha frutos socioeconômicos do anel metropolitano, é imperioso que se insira de maneira ativa e estratégica por meio de articulados acessos viários que interliguem redutos industriais à pista expressa voltada ao transporte de carga. Se faltarem conexões ágeis entre as cidades do Grande ABC e o Rodoanel, o tiro pode sair pela culatra. “Neste cenário, o Rodoanel pode atrapalhar, em vez de ajudar, porque autopeças podem sair da região em busca de localidades que, além de estarem na órbita do Rodoanel, ofereçam melhores condições internas de acessibilidade” — resume Moan.
Outra ação fundamental para a competitividade das montadoras, e igualmente dependente do governo do Estado, está relacionada à política fiscal: Moan sugere alteração na forma de devolução de créditos de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) incidentes sobre exportações. “Em vez liberar o crédito somente para investimentos em ampliação ou modernização das fábricas, o governo poderia repassar os recursos para utilização imediata como capital de giro” — explica Moan, que calcula em nada menos de R$ 1,5 bilhão o total acumulado pelas montadoras instaladas no Grande ABC.
Quem se surpreende com a reivindicação por capital de giro desconhece a delicada situação financeira das montadoras no Brasil. Apesar de recordes sucessivos de vendas e produção, que deve atingir 2,4 milhões de unidades neste ano ante 2,2 milhões no ano passado, a maioria das empresas ainda amarga prejuízo porque a capacidade instalada é para 3,2 milhões de unidades. “Particularmente a GM está no vermelho desde 1997” — afirma Moan.
Como o mercado doméstico demonstra restritiva elasticidade por conta da baixa renda per capita e da alta taxa de juro, as montadoras não estão muito interessadas em ampliar o parque fabril, o que explica o desinteresse pelo atual sistema de liberação de crédito mediante investimentos. “Chegamos a uma condição estranha. Temos créditos a receber mas precisamos buscar financiamento em bancos para capital de giro” — ilustra Moan.
Como o mercado interno não sacia a necessidade de retorno financeiro, montadoras são obrigadas a buscar saída de emergência nas exportações — praticamente um terço dos veículos brasileiros é embarcado para o Exterior. O trajeto para o mercado internacional representa mais um ponto frágil que São Bernardo e o Grande ABC precisam fortalecer com respaldo do governo do Estado e também do governo federal.
O Porto de Santos está longe de atender a contento as expectativas das montadoras. Oneroso e com baixa capacidade, não dá conta da demanda crescente despertada com a desvalorização da moeda em janeiro de 1999 apesar da recuperação parcial nos últimos dois anos. “É incrível, mas com Santos aqui do lado somos obrigados a recorrer ao porto do Rio de Janeiro” — desabafa Moan. Em um sinal ainda mais grave, o executivo da GM afirma que as dificuldades impostas pelo Porto de Santos já influenciam decisões de alocação da produção de veículos para exportação.
“A indústria automobilística se instalou no Grande ABC na década de 1950 principalmente pela proximidade com o Porto de Santos, já que era extremamente dependente de componentes importados. Mas a ineficiência está fazendo a região perder essa vantagem natural” — considera o executivo. A linha conceitual de envolvimento regional nas discussões sobre o desgargalamento do Porto de Santos é idêntica a de Jeroen Klink, secretário de Desenvolvimento e Ação Regional da Prefeitura de Santo André, para quem o Grande ABC joga fora oportunidade de ouro ao não buscar maior integração com o ramal marítimo interligado pelas rodovias Anchieta e Imigrantes.
O reconhecimento de que ações indispensáveis ao fortalecimento do setor automotivo gravitam na órbita do governo do Estado leva a uma consideração automática: o Grande ABC só chegou à situação de debandada de autopeças e debacle de participação relativa na produção veicular nacional por absoluta falta de planejamento do mesmo governo de São Paulo que, a exemplo do Grande ABC, nunca se preocupou em zelar pela competitividade do setor campeão em geração de impostos e ocupações diretas e indiretas.
A reversão dessa inglória trajetória dependerá, em grande medida, da capacidade de mostrar ao governo do Estado que o fortalecimento da cadeia automotiva embute reflexos positivos que extrapolam, e muito, os limites da própria região. A visibilidade proporcionada pela hercúlea empreitada pode ser a recompensa capaz de angariar comprometimento e ativar as engrenagens emperradas no passado de descaso a reboque do mercado cativo.
Teoricamente, William Dib está à altura de desbravar o caminho da integração entre os interesses do Grande ABC e do governo estadual na medida em que foi eleito com 76% dos votos para comandar uma das cidades mais ricas e populosas do País e que concentra fábricas da Volkswagen, Ford, Scania e DaimlerChrysler.
Obviamente, há ações providenciais para o fortalecimento automotivo que não dizem respeito ao governo do Estado — dependem unicamente dos atores locais. “Se a intenção é atrair autopeças, é indispensável que a região ofereça áreas de uso exclusivamente industrial a custos reduzidos” — sugere, repetindo a receita utilizada por cidades do Interior paulista. Caso faça a lição de casa, o potencial de atração é grande já que apenas 20% dos fornecedores da GM, e provavelmente de outras montadoras, estão instalados no Grande ABC.
A moldura cultural do quadro automotivo que William Dib pretende transformar é a percepção generalizada de que o Grande ABC é uma região problemática. “Executivos de montadoras e autopeças lembram do Grande ABC como uma região onde os trabalhadores exigem muito e os prefeitos não dão atenção às empresas. Mas o fato de um representante público se mostrar disposto a ouvir as empresas pode ser o primeiro passo para mudar essa percepção” — comenta Luiz Moan.
Total de 1894 matérias | Página 1
21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?