Economia

Dib decide fortalecer
legado regional de JK

DANIEL LIMA - 13/09/2005

Prefeito de São Bernardo e presidente do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, o médico William Dib pode se consagrar Juscelino Kubitschek regional meio século depois da implantação da indústria automotiva no Brasil. Decidido a recuperar parte da força industrial de um território que depende fortemente de montadoras e de autopeças, William Dib arregimenta parceiros para a maior empreitada de um homem público no Grande ABC. O primeiro painel para debater o que será do setor automobilístico regional e suas repercussões na sociedade está programado para o próximo dia 19 de setembro, segunda-feira.


 


A importância de William Dib em sua cruzada pelo enriquecimento socioeconômico do Grande ABC é espécie de quarta onda com que a região sempre sonhava, sem se dar conta de que estaria relacionada diretamente às três anteriores.


 


A primeira onda foi a chegada das montadoras e das autopeças na esteira do governo Juscelino Kubitschek. A segunda ganhou a forma do movimento sindical, para o bem da valorização do trabalho e para o mal dos excessos reivindicatórios. A terceira chegou com a abertura econômica e, principalmente, se aprofundou nos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso. No período, o Grande ABC perdeu 39% do Valor Adicionado, medida de produção de riqueza que se assemelha ao PIB (Produto Interno Bruto).


 


Não há exagero em imaginar William Dib JK do Grande ABC. A analogia é um desafio à própria agenda do prefeito que venceu as eleições de outubro do ano passado em primeiro turno com 76% dos votos válidos. Um verdadeiro massacre que tornou o deputado federal petista Vicentinho Paulo da Silva menos ameaçador que uma sombra. Para tentar recuperar parte da grandeza industrial da região legada pelo presidente da República da segunda metade dos anos 50, William Dib precisou colocar o ovo em pé. Sim, a constatação de que o Grande ABC não vive sem a indústria automotiva é obviedade que se relaciona em imagem à providencial solução de Colombo. Tal qual o personagem histórico, William Dib rompeu a casca do ovo do fatalismo de que a indústria automotiva era página virada como símbolo do futuro e que, portanto, o melhor caminho seria descobrir novas vocações.


 


Pesos pesados


 


Durante os primeiros 15 dias de setembro a equipe definida por William Dib para preparar o primeiro seminário sobre a indústria automotiva no Grande ABC fará série de contatos com lideranças deste que é o setor mais competitivo do planeta. É certo que virão pesos pesados de montadoras e de autopeças.


 


Os contatos iniciais com representantes dos dois setores deixaram William Dib entusiasmado. Embora discreto, retornou ao Paço Municipal depois de cada encontro com sorriso largo. Mensagens críticas dos interlocutores sobre a situação da região foram assimiladas pelo prefeito. Entretanto, preponderou a senha de que, contrariamente ao que se imaginava em princípio, não faltam autopeças retirantes predispostas a fazer o caminho de volta e, com isso, dar maior densidade ao parque produtivo regional. Os torniquetes de competitividade apertam cada vez mais as disputas que ultrapassam fronteiras nacionais.


 


Um dos pontos mais vigorosos de sensibilização é a proximidade física entre montadoras, sistemistas e autopeças. O sucesso de produção consorciada das plantas da Ford em Camaçari e da Volkswagen Caminhões em Rezende possivelmente estará no centro dos debates. As vantagens relativas do Grande ABC, plantado numa metrópole que responde por metade do consumo do Estado e por mais de 20% do País, entram na contabilidade dos negócios com peso relativamente respeitável.


 


É nesse ponto que o Grande ABC de galpões industriais desocupados e de imensos terrenos à venda pode fazer a diferença. Está praticamente sob controle a febre do sindicalismo arredio dos tempos em que começaram a emergir reivindicações dos metalúrgicos comandados pelo agora presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Há milhares de trabalhadores desempregados que exercem pressão de oferta que reenquadra os valores históricos de salários e conquistas trabalhistas. Há quase que consenso sobre a oportunidade da intervenção de William Dib. O Grande ABC já perdeu o que poderia perder e, portanto, não pode mais esperar.


 


O desafio que se impõe ao prefeito de São Bernardo é o próprio conceito de que tem potencialmente para o Grande ABC a mesma importância que Juscelino Kubitschek alcançou para a economia nacional com o Plano de Metas. A consagração não depende de eventual futuro político de William Dib fora da órbita do Grande ABC, como poderiam sugerir alguns apressados. Sua importância e a justificativa que a empreitada o remete à imagem de JK estão na efetiva capacidade de consumar em nível regional uma tarefa jamais assumida por nenhum homem público.


 


Óbvio esquecido


 


William Dib enxergou o óbvio que todos os demais dirigentes públicos deixaram escapulir pela omissão dos negligentes, pela imprevidência dos desatentos, pelo despreparo dos carreiristas ou simplesmente pela subestimação de que raízes ainda frondosas do equilíbrio socioeconômico do Grande ABC estão profundamente relacionadas com o setor de montadoras e de autopeças. Por isso, iniciativas que pretendam recuperar o prestígio regional passam necessariamente pela recomposição desses setores, sem os quais, qualquer planejamento para florescimento de outras atividades provavelmente se tornaria inútil. Soaria como negociação à circunferência de uma bola de futebol.


 


A iniciativa de puxar para o âmbito municipal o primeiro de uma série de eventos para esquadrinhar o futuro da indústria automotiva da região revela o pragmatismo de William Dib. A história tem demonstrado que o comandante do Paço de São Bernardo poderia quebrar a cara se preferisse contemplar a arena sempre escorregadia do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos para tratar inicialmente do assunto. Diferenças partidárias, interesses municipalistas, vocação insuperável ao esticamento dos debates e outras anomalias típicas do coletivismo exageradamente vocacionado ao democratismo possivelmente levariam tempo demais para encaminhar resoluções. Há também experiência da Câmara Regional que comprova o processo de enxugamento de gelo quando agentes díspares e numerosos demais se entregam a debater o Grande ABC. Sobram teorias, faltam ações.


 


A paternidade de William Dib não limitará medidas ao âmbito de São Bernardo. Embora capital econômica da região e até mesmo com capacidade de desatar isoladamente o nó górdio do parque de autopeças vitimado nos anos 90 pela abertura econômica e pela guerra fiscal, William Dib decidiu que levará os debates a outros municípios da região, provavelmente com a chancela do Consórcio Intermunicipal. Não faltam também indicativos de que pode se garantir um futuro de articulações a salvo de intempéries político-partidárias.


 


Obra que exige foco, determinação, continuidade e compromisso, a recuperação automotiva da região pode gerar instituição voltada para tratar do assunto nos mais diferentes vetores, inclusive em eventuais parcerias com universidades. Por enquanto, essa alternativa nem é considerada porque William Dib tem mais três anos de mandato e comandará as medidas como prioridades.


 


A perspectiva de que a recomposição do setor automotivo elevará os níveis de emprego, de renda e de tributos coloca sobre os ombros de William Dib dose adicional de atribuições. Mas o dirigente público se preparou para isso. Desde janeiro, quando iniciou de fato o mandato conferido pelas urnas, está se desvencilhando do dia-a-dia sempre desgastante da máquina pública de São Bernardo. Ele entregou a coordenação das secretarias municipais a três supersecretários especiais. Eurico Leite, Gilberto Frigo e Admir Ferro centralizam demandas. Com isso, hierarquizam problemas que eventualmente precisam de intervenção do prefeito. William Dib criou ambiente corporativo que o remete a iniciativas diferenciadas da tradicional burocratização das ações do Executivo.


 


Sete anos depois


 


A iniciativa de William Dib se dá exatamente sete anos depois da primeira e única tentativa de alterar o rumo da indústria automotiva no Grande ABC nos últimos 50 anos. Em Reportagem de Capa sob o título “Quem desativa a bomba sindical?”, LivreMercado fez análise completa em mais de uma dezena de páginas sobre um trabalho inédito da Câmara Regional do Grande ABC. Liderado pelo então prefeito de São Bernardo, Maurício Soares, coordenador do Grupo de Competitividade do Setor Automotivo, os subgrupos de Relações Trabalhistas, Infra-Estrutura, Impostos e Desenvolvimento Tecnológico praticamente esmiuçaram os principais pontos que simplificadamente definiria a redução do Custo ABC. O resultado final foi vexatório: depois de diagnóstico que comprovava a dificuldade de o Grande ABC competir com os novos pólos automotivos do País, os grupos se dispersaram como peixes à pedra atirada.


 


A expectativa é de que, passados sete anos e agravados os indicadores sociais e econômicos da região, apesar de relativa recomposição nos últimos dois anos, o ambiente hostil do passado já não suportaria entrechoques. Sim, ainda em 1998 e até mesmo nos anos seguintes, o Grande ABC vivia sob o controle institucional de forças triunfalistas. Valia mais o bairrismo vadio de mascaramento do que o regionalismo preto no branco. Raras foram as vozes que se antepuseram à volúpia de um narcisismo doentiamente preocupado com dividendos políticos e financeiros. A ordem era tratar a economia e o social como noticiário de times de futebol.


 


O entrave dos grupos desfeitos na primeira prova de obstáculos de aglutinação se deu exatamente por conta da intocabilidade das chamadas conquistas trabalhistas. O subgrupo de Relações Trabalhistas da Câmara Regional produziu dossiê que colocava a nocaute velhos mitos regionais. O desmanche do Custo ABC do setor metalúrgico passaria necessariamente pelo fim da contradição que nenhum sindicalista ligado à CUT conseguia explicar: o repasse para os preços dos veículos de quesitos tipicamente de responsabilidade do Estado, casos de transporte, educação, saúde e plano de aposentadoria.


 


Chamadas de conquistas históricas do sindicalismo regional, essas obrigações do Estado cristalizaram-se em tempos de mercado fechado. Os consumidores, sem opções, pagavam pelas cláusulas negociadas e repassadas indistintamente entre grandes e pequenas empresas do setor. Só essas atribuições representavam — e ainda representam para montadoras e sistemistas pressionadas pelos sindicatos — perto de 16% de acréscimo do custo trabalhista. Sem contar os salários naturalmente mais elevados em relação ao restante do setor no País.


 


Desmonte


 


Nas pequenas empresas de autopeças que sobraram do vendaval da abertura econômica dos anos 90 a quase totalidade já não oferece essas vantagens adicionais porque estão mesmo é preocupadas com a própria sobrevivência. A sucessão de evasões e de mortalidade empresarial amenizou as relações capital-trabalho nos últimos anos, especialmente nos pequenos negócios.


 


Cícero Martinha Firmino da Silva, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, filiado à Força Sindical, repete declarações de dois anos atrás: não há mais ambiente para embates como nos tempos de emprego farto, tecnologia escassa e blindagem à concorrência internacional.


 


Até mesmo no território cutista de São Bernardo e Diadema, tradicionais redutos do sindicalismo mais engajado ideologicamente e que sempre se comportou mais duramente em relação ao capital, o bicho do desemprego incontrolável pegou para valer para redefinir estratégias. Já se fazem contratações de novos trabalhadores na cadeia automotiva fora das amarras de valores parametrizados pelos mais antigos e valorizados profissionais. Aos poucos, prevalecem níveis contratuais mais próximos aos das plantas que passaram a ocupar o território nacional a partir de 1997 sob diretrizes de competição que colocam os custos salariais diretos e indiretos fora das pressões do Grande ABC e do Vale do Paraíba.


 


Embora a constatação seja traumática para sindicalistas que pretendem ver o Grande ABC repassar vantagens históricas a outras geografias nacionais através de contrato nacional de trabalho, não é possível mais esconder que devagar, devagar, as dores do esvaziamento industrial estão impondo novo modelo de relacionamento entre capital e trabalho. Cícero Martinha é especificamente claro: sem parcerias entre sindicato e empresas, não haverá fórmula capaz de reduzir a leva de 700 desempregados que se dirigem diariamente à sede do sindicato, em Santo André, para se cadastrar na Central de Trabalho e Renda sob a bandeira da Força Sindical.


 


Martinha não se surpreende com as dificuldades que a competição globalizada impõe ao setor. Antes que as alfândegas se abrissem de fato no Brasil a partir do início dos anos 90 e se escancarassem no governo Fernando Henrique Cardoso, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André reuniu-se em fábricas com trabalhadores. De volta de viagens internacionais, especificamente à França, onde sinalizavam grandes transformações nos chãos de fábricas, com mais tecnologia e menos emprego, Martinha tentou a todo custo conduzir negociações que evitassem o pior, como a debandada de indústrias. Tudo em vão. A pauta de reivindicações de um sindicato que dependia de deliberações da sede cutista em São Bernardo, acabou prevalecendo. Com isso, o Grande ABC ganhou tecnologia mas perdeu trabalhadores e fábricas para diferentes pólos no País.


 


Cabo-de-guerra


 


Por essas e por outras alterações no rumo das relações entre capital e trabalho no Grande ABC não está fora de propósito que o sindicalismo metalúrgico regional, da CUT e da Força Sindical, que também está em São Caetano, reúna-se com representantes das montadoras e das autopeças sem transmitir a sensação de que disputam cabo-de-guerra. Ou pior, como se apresentou em 1998 na então ativa e há muito inerte Câmara Regional: como inimigos inconciliáveis de granadas de mão. Não fosse assim, os encontros subsequentes não teriam sido retirados da agenda de lideranças de montadoras, autopeças e sindicatos.


 


Essa relação institucional é o nervo sensível para o prosseguimento dos debates que William Dib deverá iniciar provavelmente pelas lideranças de montadoras e autopeças. E nesse ponto o prefeito de São Bernardo leva vantagem sobre seu antecessor, egresso do movimento sindical. Ao contrário de Maurício Soares, que se articulava com os sindicalistas com o cuidado de quem pisa em ovos, William Dib é perfurantemente direto. Tanto que até o final de agosto não se tinha decidido se convidaria ou não representações sindicais para o primeiro evento.


 


Maurício Soares tinha razões de sobra para dar passos cautelosos, já que emergiu para a vida pública no ventre do sindicalismo de São Bernardo. O primeiro mandato como prefeito, 1989-1992, se deu com a estrela vermelha no peito. Já William Dib é diferente. Como funcionário de carreira da Prefeitura, não trafegou jamais pela agora tumultuadíssima centro-esquerda.


 


É claro que diferenças históricas antagonizaram William Dib e o movimento sindical cutista-petista. O próprio esvaziamento industrial de São Bernardo ao longo dos anos, com enxugamento de trabalhadores das montadoras e das autopeças, fornece munição para William Dib colocar-se em posição de controle da iniciativa de reconfiguração do parque industrial automotivo que deve se espalhar pelo Grande ABC. Quem o conhece de perto sabe que está pronto para colocar toda a rede de influência da Prefeitura à disposição de um projeto de chamamento de autopeças e que isso compulsoriamente obrigará o sindicato da CUT a repensar o relacionamento com o empresariado.


 


Como se observa, pela primeira vez na história, de fato, tentativa em 1998 à parte porque frustrada, o cenário institucional se apresenta alvissareiro para o Grande ABC reencontrar-se senão com as riquezas cumulativamente perdidas ao longo de quase duas décadas, pelo menos com o ponto de partida de uma longa jornada de reconquistas.                           


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