Economia

Leste europeu
é ameaça real

ANDRE MARCEL DE LIMA - 13/09/2005

Não resta dúvida de que associações setoriais existem para defender interesses específicos — ou fazer lobby, para usar o termo predileto dos críticos. Mas nem por isso se deve desclassificar reiterados avisos da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) sobre a vulnerabilidade do setor no Brasil. Nos últimos meses, o presidente Rogelio Golfarb tem se esforçado para convencer o público externo de que o segmento responsável por 70% da economia do Grande ABC não está aquela maravilha sugerida pelos sucessivos recordes de produção e vendas externas. Argumenta que a rentabilidade das exportações é comprometida pela apreciação do real, que a ociosidade do parque fabril continua superior a 30% e que a baixa elasticidade do mercado interno aparta a indústria automobilística da tão sonhada sustentabilidade no longo prazo. “Estamos perdendo investimentos para China, Leste Europeu e outras regiões que oferecem perspectivas mais promissoras de crescimento aos olhos das matrizes” — ressalta o executivo, alvo do coro dos que acham que a Anfavea planta dificuldades para colher facilidades, como a linha especial de crédito a exportações pleiteada ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).


 


Julgamentos à parte, o fato é que o Brasil ocupa — sim — posição retardatária na corrida por investimentos globais. Depois de testemunhar avalanche de inversões em novas fábricas sob o tapete vermelho de incentivos creditícios e fiscais do regime automotivo, o País come poeira do Leste Europeu — a nova Terra Prometida na bíblia das matrizes, ao lado da China. Ruim para os brasileiros e péssimo para o Grande ABC, território que mais perdeu com a descentralização dos anos 90, teoricamente positiva para o Brasil, e agora se vê na iminência de sofrer os golpes mais duros da batalha contra adversários internacionais.


 


Por que o Grande ABC é a região brasileira que mais perde com o avanço da China, do Leste Europeu e de outros países que magnetizam investimentos? A indústria automobilística responde direta e indiretamente por sete de cada R$ 10 em circulação na região. Até o setor petroquímico, visto por muitos como pilar distinto, é parte indissociável da economia sobre-rodas na medida em que insumos plásticos têm participação cada vez mais acentuada em autopeças e na produção veicular.


 


Salário três vezes maior


 


Entretanto, a locomotiva automotiva perde velocidade porque custos trabalhistas inflados nos tempos de mercado fechado colocam a região em situação desvantajosa na comparação com outras áreas de industrialização mais recente. O salário do metalúrgico do Grande ABC é quase três vezes maior que o de um colega empregado no Nordeste, onde a Ford centralizou a produção de automóveis e comerciais leves e para onde multinacionais de pneus como Bridgestone/Firestone e Continental acorrem atrás de produção mais rentável. O comparativo salarial tem fonte insuspeita na medida em que salta de levantamento realizado pela subseção do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos) na CMN (Confederação Nacional dos Metalúrgicos), filiada à CUT (Central Única dos Trabalhadores).


 


O levantamento não foi feito com propósito de detectar e combater deficiências regionais no jogo da competitividade. Está a serviço de plano corporativista que pretende estabelecer piso salarial unificado para a categoria em todo País com base nos vencimentos mais polpudos do Grande ABC. Seria uma forma tão eficiente de eliminar a desvantagem competitiva da região quanto a estratégia do marido enganado que, para não ser surpreendido com a traição na própria cama, buzina e agita o molho de chaves antes de entrar em casa.


 


Em defesa do piso nacional unificado, os metalúrgicos argumentam que não há grandes diferenças no custo de vida entre trabalhadores do Grande ABC e outras regiões brasileiras. Logo, concluem que não deveria existir tamanha disparidade salarial. Só não explicam por que os salários deveriam ser balizados por cima, a partir da região mais cara, e não por baixo, a partir das áreas mais econômicas e competitivas.


 


Alerta da Business Week


 


A constatação de que Rogelio Golfarb não blefa ao colocar o Brasil em situação desvantajosa na disputa por investimentos com o Leste Europeu ganhou detalhamento em reportagem publicada pela revista norte-americana Business Week. Sob o título “Leste Europeu já é a Detroit da Europa”, a matéria mostra como a região que compunha o bloco socialista nos tempos da guerra fria se transformou em alvo preferencial da indústria mais competitiva do planeta.


 


“As primeiras plantas automotivas do Leste Europeu, como a Volks da Eslováquia e fábrica da Opel da GM na Polônia, foram construídas ou remodeladas nos anos 90 e, desde então, se tornaram referências de desempenho para essas montadoras. Agora uma segunda onda de fábricas está entrando em operação, o que vai acrescentar uma capacidade adicional de produção de veículos de quase um milhão de unidades nos próximos 12 meses. Em maio, a Toyota inaugurou uma fábrica de US$ 1,8 bilhão para produzir 300 mil automóveis por ano em Kolin, cidade de 30 mil habitantes ao leste de Praga, capital da República Tcheca. A dupla Peugeot/Citroen vai inaugurar em 2006 mais uma fábrica de US$ 1,3 bilhão para produção de 300 mil automóveis de pequeno porte em Trnava, na Eslováquia. A Hyundai está investindo mais US$ 1,3 bilhão em uma fábrica com capacidade parecida em Zilina, também na Eslováquia, que começará a produzir veículos da marca Kia em 2006. No ano que vem as fábricas de automóveis do Leste Europeu e Turquia vão produzir 2,3 milhões de veículos, incluindo modelos de luxo. Até 2010 a expectativa é de que esse número cresça para 3,8 milhões” — publicou a revista semanal de negócios, que vai mais fundo na radiografia.


 


“A República Tcheca e a Eslováquia são o centro do que muitos chamam de Detroit do Leste (em alusão à cidade norte-americana que mantém fama de capital automotiva, apesar de ter perdido fábricas e empregos por ostentar custos mais elevados). Até o fim de 2006 os dois países estarão produzindo dois milhões de carros por ano, comparados a apenas 170 mil em 1990. A Eslováquia, com população de 5,4 milhões de habitantes, vai produzir quase metade do total, ou um automóvel para cada seis habitantes”.


 


O motivo que leva montadoras européias, asiáticas e norte-americanas a voar na direção do Leste Europeu é o mesmo que fez com que montadoras recém-chegadas ao Brasil como Renault, Peugeot, Citroen, Toyota e Honda, além das radicadas no Grande ABC — Ford, Volks e General Motors — instalassem fábricas além dos limites regionais nos últimos anos: a busca por custos de produção mais baixos.


 


No Leste Europeu o custo da mão-de-obra varia de US$ 3 a US$ 6 a hora, enquanto atinge quase US$ 50 na Alemanha. Além disso, a mão-de-obra nos países da velha cortina de ferro é qualificada e flexível, enquanto os trabalhadores alemães ou franceses são mais exigentes e menos participativos. “As fábricas podem funcionar em turnos normais, 24 horas por dia, sete dias por semana, sem o pagamento de horas extras caras. Os franceses e alemães trabalham 1,440 horas por ano, em comparação a 2.000 na República Tcheca, Eslováquia e Polônia” — expõe a Business Week.


 


Por isso os europeus testemunham transfusão de linhas de montagem do oeste para o leste continental, num movimento ainda mais vigoroso no setor de autopeças. A mão-de-obra representa de 10% a 15% do custo das montadoras, mas nas autopeças a relação é de 20% a 40%.


 


Continuamente pressionados a reduzir custos, fornecedores não vêem alternativa a migrar para o Leste Europeu num êxodo que intensifica perdas de produção industrial, impostos e empregos e coloca ainda mais em xeque o já combalido wel-fare state (Estado de Bem-Estar Social). Somente a Alemanha perdeu mais de 100 mil empregos para o Leste Europeu, o mesmo número evaporado no Grande ABC nos anos 90 de guerra fiscal, reestruturação forçada e mundialização sem salvaguardas.                              


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