Economia

Sindicalista garante retorno
de autopeças ao Grande ABC

DANIEL LIMA - 26/08/2005

Esperei que conselheiros deliberativos do Prêmio Desempenho e conselheiros editoriais do Diário do Grande ABC se manifestassem sobre três cenários de uma enquete que preparei sobre as perspectivas de a região recuperar-se no setor automotivo. Tempo esgotado na última segunda-feira, sinto-me à vontade para reproduzir alguns pontos sobre o assunto depois de ter almoçado semana passada com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Cícero Martinha Firmino da Silva é um homem inteligente, experiente e sincero o suficiente para não construir ilusões.


 


Por isso, quando Martinha me disse, com todas as letras, vírgulas e pontos finais que o Grande ABC pode sim e deve se mobilizar para a retomada de parte de unidades industriais perdidas nos setores de metalurgia, mais precisamente de autopeças, respirei aliviado. Afinal, o prefeito William Dib, de São Bernardo, está na rota certeira de mobilizar mentes, corações e almas para encetar a maior cruzada socioeconômica que o Grande ABC já viveu e que pode ser sintetizada na constatação de que simplesmente está colocando em pé o ovo de colombo da atividade mais importante da região. Sim, chegar à constatação de que é impossível recuperar a saúde econômica e social do Grande ABC sem levar em conta que tanto as montadoras quanto as autopeças são a peça-chave da equação, é sim um verdadeiro ovo de colombo.


 


Pontos importantes


 


Foi tão bom o almoço com Martinha e seu assessor de Imprensa, o papo foi tão descontraído e os desdobramentos do temário-base foram tão convergentemente amplos que saí feliz do Baby Beef Jardim. Só não levei comigo o jornalista André Marcel de Lima, profissional que há mais de dois anos produziu matéria inédita sobre o gradual desmonte do Custo ABC na área. André Marcel estava ocupado com o levantamento de matérias sobre a indústria automotiva, entre outras, e não pôde comparecer. Procurei, de alguma forma, representá-lo ali, depois de, no dia anterior, ir aos arquivos e recuperar os pontos principais daquela reportagem histórica que, como só poderia ocorrer diante da opressiva pauta diária de veículos impressos, acabou ignorada pelas demais mídias.


 


Basicamente, aquele trabalho jornalístico, baseado em entrevista com Cícero Martinha, revelava que a maioria das pequenas e médias indústrias metalúrgicas da região já não conseguia disponibilizar aos trabalhadores as chamadas conquistas históricas do sindicalismo, consolidadas nas áreas de transporte, educação, alimentação e saúde. Todos deveres do Estado que, contradição das contradições, o sindicalismo estatista da Central Única dos Trabalhadores exigia da livre iniciativa.


 


Pois foi esse edifício de vantagens privadas concedidas nos tempos de mercado fechado que desabou com a abertura econômica. Menos, evidentemente, nas montadoras e nas principais empresas de autopeças, as chamadas sistemistas, cujo poder de negociação de preços com a cadeia de produção e a escala de produção dão suporte à absorção dos custos sem comprometer demais o futuro. Pelo menos enquanto produtores do Leste europeu e da Ásia não tomarem conta da garrafa.


 


Que disse Martinha de mais substantivo naquele almoço? Vou tentar resgatar as informações básicas de memória, porque não tinha sentido dividir-me entre talheres, copos, atenção aos interlocutores e, deseducadamente, registrar anotações. Optei pela memória que, decididamente, jamais recomendei aos jornalistas com os quais trabalhei. Menos em situações especiais, é claro.


 


Vamos então, resumidamente, aos principais pontos da conversa com Cícero Martinha Firmino da Silva, muitos dos quais, em realidade, abordei ao longo dos últimos 15 anos da revista LivreMercado e deste Capital Social:


 


a) O ambiente é propício para o retorno de indústrias de pequeno e médio porte que foram embora da região. Há consciência generalizada de que o sindicalismo já abrandou as reivindicações.


 


b) Erros e exageros foram cometidos ao longo dos anos no sindicalismo da região, sobretudo o petista, que contribuíram para o afastamento do empresariado.


 


c) Os administradores públicos que passaram pelo Grande ABC não tiveram o mínimo interesse em participar das relações negociais entre capital e trabalho, lavando as mãos e entregando os entreveros exclusivamente aos dois lados. Faltou intermediação comprometida com as gerações futuras quando -- afirmou Martinha --, tendências internacionais retiradas de encontros sindicais no Primeiro Mundo já apontavam para o enxugamento dos quadros funcionais por força de investimentos tecnológicos e abertura de mercado.


 


d) O empresariado regional não estava preparado para relacionar-se sob critérios negociais e mesmo humanísticos com os trabalhadores, estimulando-se com isso o radicalismo sindical. Chegou-se ao ponto de chãos de fábricas ganharem a forma e o conteúdo de senzalas, restringindo-se horários para uso de toaletes por meio de espécie de fichas de credenciamento com períodos determinados para necessidades biológicas. Ou seja, o surrealismo de supostamente controlar reações que ultrapassam os limites do previsível, porque o corpo humano não é uma máquina, uma extensão dos equipamentos com os quais conviviam os trabalhadores.


 


e) O prefeito William Dib acerta em cheio ao chamar para si, em primeira instância, a recuperação da indústria automotiva, porque as amarras institucionais do Grande ABC são um empecilho à velocidade com que tem que se definir as mudanças. O Consórcio de Prefeitos deve entrar em seguida, já com a máquina azeitada, porque tem uma vocação incontrolável ao burocratismo, ao partidarismo, ao egocentrismo. Nada diferente de outros grupos de trabalho.


 


f) A excessiva oferta de mão-de-obra industrial desempregada no Grande ABC, refletida num banco de mais de 300 mil trabalhadores cadastrados na central de empregos da Força Sindical em Santo André, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos comandado por Cícero Martinha, é o melhor freio contra exageros sindicalistas à recomposição de níveis salariais em bases sustentáveis.


 


g) Até mesmo a CUT petista de São Bernardo já se deu conta de que não dá mais para desafiar a lei da oferta e da procura e se tem comportado com flexibilidade inclusive na contratação de trabalhadores. Permite, segundo disse Martinha, que novas levas de contratados sejam incorporadas por salários abaixo da média dos trabalhadores mais antigos, algo absolutamente impensável em outros tempos.


 


Para completar, sobre a enquete: tratarei dos resultados na próxima semana. Há uma confiança crítica com relação à iniciativa do prefeito William Dib. Nada mais ajuizado, nada mais instigante. Os outros dois cenários apresentados, de confiança irrefreável e de desconfiança absoluta, foram suplantados pela moderação. O Grande ABC está tomando juízo e saltando do muro.


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