O prefeito de São Bernardo resolveu inaugurar para valer nova etapa político-institucional no Grande ABC. William Dib está decididíssimo a investir fundo na recuperação do setor automotivo regional. O primeiro painel de debates já está programado para 19 de setembro. Outros se seguirão. Mas não se pretende ficar apenas na teorização, por mais que surjam possibilidades de informações mais atualizadas abrirem novas cortinas de conhecimento das transformações que se operam na região.
Paralelamente, a partir do tiro de largada, se darão diagnóstico, planejamento e execução de medidas para recolocar o Grande ABC na rota desenvolvimentista que caiu do céu com Juscelino Kubitschek em meados dos anos 50 do século passado e foi ao inferno em meados dos anos 90, com o autismo de Fernando Henrique Cardoso.
Antes de prosseguir, um parêntese: li com toda a atenção a entrevista do jornalista Eduardo Reina publicada no Diário do Grande ABC de ontem com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Não acompanhei pessoalmente o trabalho nem conversei a respeito dos bastidores do encontro com o jornalista, mas transpareceu na degravação da entrevista levada aos leitores que o tucano mais emplumado sofreu certo constrangimento quando instado a responder sobre os milhares de empregos formais que evaporaram da região durante oito anos de seu mandato.
Fernando Henrique Cardoso transferiu a responsabilidade à macroeconomia internacional. Nada mais oportunístico e irreal. É claro que desde a queda do Muro de Berlim e desde que os sistemas de comunicação se sofisticaram e se popularizaram o mundo passou a girar mais rapidamente, mas nada que sirva de pretexto para a falta de planejamento estrutural da indústria automotiva brasileira. Os chineses estão incomodando o mundo inteiro com vertiginoso avanço econômico em meio ao mesmo mundo globalizado e nem por isso abdicaram de salvaguardas aos investimentos estrangeiros. Não vou me estender sobre o tema. Deixo para outra ocasião, mas parece evidente que Fernando Henrique Cardoso transmitiu a sensação de que não sabe o que fez com o Grande ABC. Ou, então, foi contaminado pelo vírus de dissimular bobagens cometidas por seus assessores tanto quanto Lula da Silva no caso Mensalão.
Gosto pelo temário
Agora, voltando a William JK Dib, é o seguinte: o prefeito de São Bernardo tomou muito gosto pela decisão de remodelar a geografia automotiva do Grande ABC e já faz série de contatos com comandantes de montadoras sediadas no Município que o elegeu com mais de 76% dos votos válidos em primeiro turno. Até que 19 de setembro chegue, muita água há de rolar sob a ponte da reconfiguração da atividade mais importante da região e sobre a qual giram todas as demais e, principalmente, o próprio equilíbrio social.
Dib teve sensibilidade para compreender que o Grande ABC andou em círculos nos últimos tempos, imaginando introdução em novas matrizes industriais e de prestação de serviços sem se dar conta de que o filão automotivo está longe da exaustão. Aliás, muito pelo contrário, porque perspectivas de melhorias logísticas, mercado consumidor, cultura industrial e ambiente político-sindical contemporizado fazem da região campo fértil à recuperação.
Estou particularmente muito confiante na missão liderada por William Dib entre outros motivos porque os demais prefeitos e instâncias essenciais da região acabarão por engajar-se, sob pena de execração pública. A água já bateu nos fundilhos do Grande ABC. Tem-se consciência disso. Acabou a onda de triunfalismo vadio. Os cofres públicos esvaziaram. A exclusão social ameaça o equilíbrio em forma de crescimento quase incontrolável da criminalidade. Não há mais tempo a perder porque nova geração bate com a cara na porta da falta de oportunidade de trabalho, de renda, e nos ameaça a todos com derivativos de atividades à margem das leis.
O tratamento que se tem a dar ao soerguimento do setor automotivo não pode ser festivo. O tom de gravidade precisa imperar não para destilar pessimismo, derrotismo, como alguns poderiam sugerir. Mas para identificar sem sofismas o quadro de precarização sistemática da qualidade de vida no Grande ABC.
Só no ano passado as prefeituras da região deixaram de receber de repasse de ICMS em relação a 1995 o total de R$ 480 milhões, resultado da desindustrialização no período. É muito dinheiro para um território em que um universo de 300 mil novos habitantes se atulhou principalmente nas periferias. Não temos, portanto, mais tempo a perder.
Cruzada automotiva
Desta forma, fica a mensagem no sentido de que o Grande ABC precisa de uma cruzada pela reconquista do brilho da indústria automotiva, de montadoras e autopeças. Sem voluntarismos, sem meias verdades. Temos espaços físicos, dispomos de galpões desocupados e de mão-de-obra com cultura produtiva que pode se adaptar às novas tecnologias. Só não podemos continuar cometendo haraquiri econômico de desprezar nossa principal fonte de mobilidade social.
Velharias conceituais de que regiões metropolitanas estão inexoravelmente fadadas a assistirem o desaparecimento do setor industrial são bruxarias de amadores. Novas tecnologias tornam a produção cada vez mais limpa, mais seletiva, menos empregatícia, é verdade, mas ramificadora de atividades correlatadas na área de serviços de valor agregado.
O prefeito William Dib colocou o dedo numa ferida que estava disfarçadamente escondida entre esparadrapos sociais nos quais os administradores públicos da região se tornaram especialistas. Teve a coragem e o discernimento de abrir o caminho sobre o qual muitos terão de trilhar. Não podemos mais ficar à mercê dos acontecimentos macroeconômicos. Contamos com meios para reorganizar nosso território e reconduzir às nossas fronteiras muitas empresas que debandaram entre outras razões porque o Poder Público foi negligente, as lideranças empresariais omissas, os sindicalistas excessivamente ideológicos e a Imprensa alheia.
Escrevo estas linhas com a emoção de quem sabe que o Grande ABC não pode aceitar passivamente, como até agora, a idéia fixa de que não temos mais nada a ver com o futuro automotivo. Temos sim. Até para que haja futuro em nosso horizonte.
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