A defesa da regionalidade e também a lógica de que soluções para esse território passam pelo conjunto de políticas estratégicas que envolvam os sete municípios não podem demonizar a redentora iniciativa do prefeito William Dib de dar um chega-prá-lá no esquartejamento do setor automotivo, como analisamos preliminarmente ontem neste espaço. Tenho sido defensor quase que intransigente de saídas regionais para problemas municipais e multimunicipais do Grande ABC, mas em toda regra cabem exceções. Principalmente se exceções se constituírem harmonizadoras, em vez de fragmentadoras.
Por isso, é muito bem-vinda a iniciativa do prefeito William Dib em realizar neste mês de aniversário de São Bernardo a primeira de uma série de baterias de debates para colocar o setor automotivo num esquadro de desenvolvimento programado depois dos dramáticos anos Fernando Henrique Cardoso que sucederam mais de uma década de sindicalismo bravio, valorizador da mão-de-obra mas, convenhamos, em determinadas situações, extremamente hostil ao capital.
Nos propusemos a ocupar este espaço nestes dias para avaliações da indústria automotiva na região -- montadoras e autopeças -- a partir de São Bernardo, centro nervoso da atividade, e das premissas do ciclo de debates que o prefeito William Dib vai comandar para reenquadrar a atividade num inédito plano de desenvolvimento sistêmico. E é o que estamos fazendo.
São Bernardo não pode esperar que um arranjo regional tão prometido e sempre adiado atrapalhe seus planos. Até porque, seria burrice associada à estupidez. Afinal, como o núcleo da indústria automotiva que carrega o Grande ABC nas costas está em São Bernardo, qualquer medida restauradora repercutirá nos demais municípios. Queiram ou não os agentes políticos que, eventualmente, tenham restrições a William Dib por observá-lo sob a ótica de adversário de eventuais próximos embates eleitorais diretos ou indiretos.
Chega de esperar
Ao decidir por programa que pretende debater a fundo e extrair planejamento estratégico específico para o setor automotivo em São Bernardo, William Dib reproduz ações análogas de Diadema com o Pólo de Cosméticos, de Santo André com o vacilante Projeto Eixo Tamanduatehy, de São Caetano com a guerra fiscal no setor de ISS e de Mauá na ocupação do Pólo Industrial de Sertãozinho.
Nos últimos 15 anos, São Bernardo ficou apenas assistindo a reação dos demais vizinhos, sem se dar conta de que as bases de sustentação de investimentos sociais sofriam evidentes estrangulamentos e derramas. William Dib chega em boa hora para tentar impedir o fatalismo de que São Bernardo das automotivas é caso perdido como provedora da própria resistência econômica, porque estaria inapelavelmente no campo de guerra internacional protagonizado de forma cada vez mais barulhenta por asiáticos da China e da Índia e europeus do Leste, libertos do Muro de Berlim.
Para que não se perpetuem definições apenas no terreno conceitual, nada melhor que levantar dados que apurei no IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos). Nos últimos 10 anos de suposta moeda estável, entre janeiro de 1995 e dezembro de 2004 (portanto, oito anos FHC e dois anos Lulacá), São Bernardo perdeu 34,66% da produção industrial em forma de Valor Adicionado. Essa estrondosa marca só é superada na região por Ribeirão Pires, mas isso não se deve levar em conta porque, enquanto a histórica sede dos metalúrgicos da CUT representa 40% da economia do Grande ABC, Ribeirão Pires não passa de minúsculo 1,5%.
Quem sabe a importância social e tributária do Valor Adicionado provavelmente está de cabelos em pé diante dessa informação. A perda de 34,66%, em termos reais, descontada a inflação do IGP-M do período, é uma calamidade explicitamente comprobatória do quanto a política fernandohenriquista foi destrutiva à região.
Em valores atuais, os R$ 7,3 bilhões de Valor Adicionado que São Bernardo registrou em 1994, primeiro ano do Plano Real, seriam R$ 22,5 bilhões em dezembro de 2004. Sabem quanto foi contabilizado de fato para São Bernardo? Apenas R$ 14,7 bilhões. A diferença é o tamanho do rombo, com reflexos diretos no orçamento da Prefeitura. O Valor Adicionado tem peso relativo de 76% na grade de repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
Chega de perder
Se há dificuldade de entendimento do grau de repercussão da queda do Valor Adicionado às finanças de São Bernardo, basta recorrer, então, aos números oficiais de repasse do ICMS. Faltam-nos dados oficiais da Secretaria do Estado da Fazenda de 1994, para compará-los diretamente com os de 2004, por isso recorremos a números um pouco diferentes, do período de nove anos em vez de 10, entre dezembro de 1995 e dezembro de 2004. Atualizados pelo IGP-M da Fundação Getúlio Vargas, São Bernardo recebeu na temporada de 1995 exatamente R$ 490,2 milhões de repasse do ICMS, contra R$ 307,0 em dezembro do ano passado. A diferença de R$ 182,7 milhões e de 37,37% é praticamente a dimensão do buraco que se abriu com as perdas industriais, base do Valor Adicionado.
Para tornar a situação ainda mais tenebrosa, e mostrar o quanto o Poder Público se encalacrou com o esvaziamento industrial em São Bernardo, o mais grave em valores absolutos no Grande ABC, a transformação desses números em receita do ICMS por habitante é inquietante. Em 1995, a São Bernardo de 566.330 pessoas contava com ICMS per capita de R$ 865,57. Já em 2004, com 703.177, rebaixou para R$ 436,58 a porção individual. Isso mesmo: há adicional de 136.874 pessoas em São Bernardo e o que se perdeu em números absolutos de receita repassada pelo governo do Estado é praticamente o triplo do atual orçamento de Ribeirão Pires. Quem ganha o equivalente a uma São Caetano em população em nove anos e perde três vezes mais que o orçamento de Ribeirão Pires precisa mobilizar o coração de sua estrutura econômico-tributária. Por isso, a viabilidade de William Dib tornar-se o JK do Grande ABC é muito mais que um jogo de letras. Simboliza a expectativa de dias melhores.
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