Economia

Somos reféns
do real fraco

ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/01/2005

As exportações responsáveis pelo recorde histórico da produção automotiva no ano passado estão servindo como verdadeiro guindaste para resgatar a economia regional do buraco em que se meteu nos oito anos do governo FHC. Depois de recuperar 5,67% do Valor Adicionado em 2003, é provável que o Grande ABC tenha reconquistado mais um pouco do tônus industrial em 2004 graças ao impulso das vendas externas sobre a principal matriz produtiva.


 


Até que o governo Lula implemente plano de incentivos para vitaminar o mercado interno, como foi anunciado, a perspectiva do Grande ABC automotivo para 2005 pode ser resumida na seguinte equação: na hipótese de a taxa de câmbio permanecer favorável às exportações e os mercados internacionais continuarem aquecidos, a região consolidará o terceiro ano consecutivo de crescimento industrial. Mas se a cotação do real subir demais a ponto de ameaçar as vendas externas e os recursos internacionais minguarem, a economia regional pode andar para trás.


 


A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) se antecipou em acionar o sinal amarelo indicativo de que turbulências internacionais podem afetar o desempenho do setor neste ano. Depois de contabilizar produção recorde de 2,2 milhões de veículos no ano passado, 20% acima do patamar de 2003 basicamente por conta das exportações que explodiram em mais de 40%, a entidade prevê crescimento bem mais modesto de 5,4 % para 2005, com expectativa de produzir 2,3 milhões de unidades.


 


A razão da cautela? Nuvens acinzentadas no horizonte internacional. Os executivos chegaram à conclusão de que a possibilidade de valorização do real atrelada a menor euforia na economia mundial pode minar a competitividade das exportações. Por isso o presidente Rogélio Golfarb prevê incremento modestíssimo de 7% nas exportações em 2005. "Trabalhamos com a perspectiva de uma economia mundial menos aquecida" -- explica Golfarb, que cita a competição de montadoras instaladas no Leste Europeu e na Ásia como fator complicador adicional para o Brasil. 


 


O real desvalorizado é benéfico para todas as regiões produtoras de veículos, mas exerce peso redobrado no Grande ABC sobre-rodas. A região berço da indústria automobilística está longe da hegemonia das décadas de 60 e 70 mas ainda concentra um quarto da produção nacional, de acordo com levantamento inédito de LivreMercado com base em dados da Anfavea e informações das montadoras. Cerca de 70% do PIB regional está direta ou indiretamente relacionado ao ritmo das linhas de montagem de veículos, incluindo vasta cadeia da indústria petroquímica, prestadores de serviços especializados e sistemistas de autopeças. Por isso, um resfriado na produção automotiva brasileira tem efeito de pneumonia na economia regional.


 


Dependência maior


 


Se a indústria automotiva como um todo depende do real excessivamente desvalorizado para compensar a anorexia consumista do mercado interno com arremetidas internacionais, as montadoras instaladas no Grande ABC dependem muito mais.


 


Primeiro, a manutenção da cotação do dólar ao redor de R$ 3 é eficiente forma de aliviar o peso do Custo Brasil. O País tem legislação trabalhista cara e anacrônica, recolhe 37% da riqueza nacional em impostos sem devidas contrapartidas sociais, enfrenta gravíssimos problemas de infra-estrutura rodoviária e aeroportuária, mas essas deficiências estruturais que encarecem o preço dos produtos se dissolvem como num passe de mágica diante da conversão cambial. Ao receber em dólar e gastar em reais, os clientes internacionais fazem negócio da China mesmo em se tratando de veículos brasileiros campeões mundiais em carga tributária.


 


Neste contexto nacional negativo a região se insere de forma ainda mais desfavorável por conta do Custo ABC. Levantamento da CUT (Central Única dos Trabalhadores) mostrou que os salários dos metalúrgicos locais representam o dobro da média nacional. O fato é visto como conquista histórica pelos sindicalistas, mas encarece a produção. Além do custo trabalhista, o estrangulamento logístico típico de adensamento metropolitano coloca o Grande ABC em condição delicada na comparação com praças produtivas mais recentes.


 


Em recente entrevista a LivreMercado, o executivo da consultoria Booz Allen Hamilton, David Wong, apontou a dificuldade de as montadoras da região se adequarem ao moderno figurino do setor. "O maior problema das fábricas da região é o risco logístico. Diferentemente das novas plantas da Ford na Bahia, da General Motors no Rio Grande do Sul e da Volks Caminhões e Ônibus no Rio, as plantas do Grande ABC não têm condições espaciais para trazer os principais fornecedores para dentro do próprio site a fim de tornar o fornecimento de sistemas automotivos mais ágil e preciso. "Essa condição se tornou essencial na era do just-in-time" -- disse o executivo, pouco antes da eclosão da escaramuça jurídica entre a fábrica da Ford em São Bernardo e vizinhos residenciais do Condomínio San Giovani. 


 


"O Grande ABC é a região produtora mais frágil do País em termos de competitividade e, como tal, a primeira afetada com restrição de investimentos diante de quadro macroeconômico ou internacional desfavorável" -- sintetizou o especialista.


 


Ociosidade expressiva


 


Embora a produção automotiva tenha crescido 20% em 2004, com recorde de 2,2 milhões de veículos, o parque industrial ainda amarga ociosidade de 30% levando-se em conta a capacidade para 3,2 milhões de unidades. "A maioria das montadoras continua amargando prejuízos no Brasil" -- lembra Rogélio Golfarb.


 


Prova de que padece de custos mais elevados está no mix das montadoras locais, especializadas em produtos de maior valor agregado para diluir parte do Custo ABC. A maior expressão dessa realidade é a concentração de caminhões nas fábricas da Ford, DaimlerChrysler e Scania, em São Bernardo. A trinca responde por quase 70% da produção brasileira de caminhões e nada de braçadas com as exportações anabolizadas pelo câmbio desvalorizado: as vendas externas de veículos pesados mais que dobraram no ano passado.


 


O efeito colateral da desvalorização cambial estimulante para as exportações é a pressão de custos dolarizados, que afeta montadoras e autopeças. A Anfavea mostra que de janeiro a outubro do ano passado o aço subiu 56%, o plástico acumulou alta de 45% e os materiais não-ferrosos ficaram 31% mais caros, enquanto o preço dos veículos no varejo brasileiro tiveram reajuste de 14%. Ao recorrer às exportações, as montadoras driblam restrições do mercado interno impermeável a reajustes mais generosos e consolidam operações de hedge -- seguro cambial -- com obtenção sistemática de reservas em moeda forte para fazer frente às pressões de custos.


 


Entre pagar mais caro por matérias-primas e ter caminho facilitado para o Exterior e pagar mais barato pelos insumos mas não conseguir vender fora do País, as montadoras preferem a primeira opção. Até porque, preços são mais facilmente reajustáveis para cima do que para baixo durante oscilações.


 


Exportações em pauta


 


As exportações ganharam destaque na sexta edição do boletim Observatório Econômico. O informativo trimestral da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Ação Regional de Santo André ressaltou que o Grande ABC nunca desfrutou de conjuntura tão favorável para explorar o comércio internacional. Dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio sustentam a constatação. O Grande ABC exportou US$ 2,99 bilhões de janeiro a setembro de 2004, volume 33,14% superior ao mesmo período de 2003. Detalhe: mais de 70% dos embarques tiveram origem em montadoras e autopeças.


 


O boletim pecou por não fazer referência ao papel da desvalorização cambial no surto exportador brasileiro e também por desprezar o cenário internacional para o futuro próximo. Diferentemente da Anfavea e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o Observatório não levou em conta os fortes indícios de valorização do real e de arrefecimento do comércio mundial, resultantes de prováveis manobras como aumento na taxa de juro dos Estados Unidos.


 


Os perigos no horizonte internacional formam um dos fatores que levou o Ipea, vinculado ao Ministério do Planejamento, a adotar projeção mais modesta de crescimento para o PIB (Produto Interno Bruto) em 2005, de 3,8%. O outro componente é a expectativa de elevação da taxa básica de juro. Como 70% das vendas internas de automóveis são financiadas, o aumento da Selic representa mais uma ameaça para a principal matriz produtiva do Grande ABC.


 


O Observatório acertou em cheio, porém, ao insistir na necessidade de potencializar a infra-estrutura com aproveitamento do modal rodoferroviário. O Grande ABC ocupa posição privilegiada a apenas 60 quilômetros do Porto de Santos, mas não dispõe de terminal ferroviário de cargas que transforme os trilhos legados pela São Paulo Railway em alternativa às rodovias Anchieta e Imigrantes.


 


"O processo de integração ferroviária ao Porto de Santos garante o efeito escala e pode contribuir de forma relevante para o desenvolvimento econômico da região, suportado por custo logístico mais comportado" -- sustentou em artigo escrito para o boletim o engenheiro de produção Carlos Alves de Lima Nascimento, assessor da presidência da Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista) na área de gestão estratégica de negócios.


 


Assunto conhecido


 


O assunto não é novo. Em reportagem de capa publicada em abril de 2004, LivreMercado mostrava que a Cosipa e a MRS Logística buscavam parcerias para materializar projeto voltado à inserção de Santo André no itinerário de embarque e desembarque de cargas por trens. A intenção da Cosipa é diversificar a operação do terminal privativo instalado desde 1978 em Santo André, mas depende da disposição de empresas em compartilhar investimentos em vagões, por exemplo.


 


Apesar de as empresas instaladas no Grande ABC responderem por 30% da movimentação de containeres do Porto de Santos, segundo Carlos Alves, ainda não houve adensamento de interesses para decolar o projeto lançado no final de março de 2004 no auditório da Rhodia, em Santo André, na presença de dezenas de empresários, executivos e representantes públicos e de entidades empresariais. A ferrovia já transporta cargas por meio da MRS Logística, responsável pela malha sudeste que abrange São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mas seria necessário que a iniciativa privada investisse para transformar a rota em enclave logístico.


 


O desafio não é apenas regional, mas estadual. Noventa e três por cento das cargas paulistas trafegaram por rodovias no ano 2000 enquanto apenas 5,2% foram deslocadas sobre trilhos, de acordo com dados apresentados por Carlos Alves, da Cosipa.  


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