Quem tiver a mínima intenção de colaborar com o futuro do Grande ABC não pode perder de vista pelo menos três assuntos-âncora no mar de dificuldades que balança o navio da economia regional: metropolização jurídica, banco de fomento e salvaguardas para pequenos negócios comerciais. Por mais que pareça exercício de reducionismo temático enquadrar as perspectivas da região num estreito gueto de prioridades, o pragmatismo precisa falar mais alto. Faz muito bem a todos que tenham disposição de praticar cidadania incluir várias alternativas emergenciais para o Grande ABC recuperar parte do terreno perdido. Mas o bom senso indica que não há tempo a perder. Ou se ataca para valer os pontos mais vulneráveis ou o Grande ABC continua a dançar o último tango do desenvolvimento econômico.
A iniciativa do Uni-A (ex-Senador Fláquer) de levar a debate a proposta que o professor Paul Singer, da USP (Universidade de São Paulo), mencionou durante encontro organizado pela Agência de Desenvolvimento Econômico é emblemática quebra de barreiras do isolamento entre universidade e sociedade. Tanto quanto foi decisiva a participação de LivreMercado no despertar do tema, quando costurou ampla e inédita reportagem-análise a partir de uma declaração meramente residual do economista petista. Tão residual que nem a platéia presente ao encontro e nem a mídia diária lhe deram maior importância.
A ênfase especial de LivreMercado ao assunto também seria de consequências práticas limitadas se uma instituição educacional com tradição e massa crítica não observasse o trabalho com sensibilidade além do terreno exclusivamente pedagógico. Aliás, nesse ponto, que sirva de lição a ação do Uni-A a outras instituições de ensino que persistem em produzir encontros com temas completamente desvinculados das efetivas exigências imediatas da região. Pior: geralmente os estelares protagonistas desses eventos repetem em condições bem mais adversas, pela limitação de tempo e muitas vezes pela dificuldade de oratória, o que sistematicamente publicam em forma de artigos em jornais e revistas.
Grande desafio
Para quem está conformado com o consagrado jeitinho brasileiro de deixe-como-está-para-ver-como-fica, a intervenção do Uni-A é um desperdício. Para quem acredita que é possível mudar a roda da história com medidas aparentemente utópicas, a perspectiva é de que um banco de fomento para o Grande ABC ganha profundos contornos de desafio. É imensa e estatisticamente impenetrável a gama de recursos monetários produzidos pela economia regional. Uma fresta desse portal foi aberta há alguns anos pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho, relacionada principalmente aos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
Ninguém se debruçou para valer sobre a massa de dinheiro gerada, por exemplo, nas relações entre capital e trabalho e também sobre o volume estratosférico de valores que passam pelos guichês das prefeituras. O sindicalismo regional teria influência decisiva no processo de convencimento de que não há pecado nenhum do lado de cá da Capital financeira do País. Até porque, uma das bandeiras dos discípulos de Luiz Inácio Lula da Silva é o despertar para a cidadania, rompendo os muros do corporativismo.
Mais ocupados com querelas eleitorais, administradores e legisladores públicos do Grande ABC mal se deram conta de que o banco de fomento colocado à mesa de debates talvez seja a única saída para financiar programas públicos e privados de desenvolvimento sustentado. Não há como excluir Poder Executivo e também Poder Legislativo da amarração que fundamentaria a criação do BNDES regional. Não é essa a questão. Até porque, mais dia menos dia todos vão acordar para a imperiosidade do tema e se lançarão com voracidade para obter importantes nacos de participação.
O grande desafio para a sociedade regional é evitar que o banco de fomento seja estatal. É preciso que seja público. A diferença entre estatal é público não é apenas semântica, como incautos poderiam sugerir. É sobretudo de representatividade e competência gerencial e administrativa. Banco estatal, como tantas atividades dominadas pelo Estado em suas várias esferas, é convite à corrupção, à maracutaia, à moeda político-partidária. Só interessa a direitistas e a esquerdistas que dão aos recursos públicos proveito próprio, embora esgrimam discursos radicalmente diferentes. Banco público exige cidadania, equilíbrio de forças entre representantes do Estado, do mercado e da comunidade como recomenda a social-democracia mais avançada. As decisões são compartilhadas e derivam de quadro de necessidades hierarquizadas pelo bom senso e pela maturidade da sociedade.
O banco de fomento que o Grande ABC necessita é oportunidade de ouro para testar até que ponto o decantado grau de politização da sociedade regional tem lastro, ou não passa mesmo de um dos muitos mitos que ruíram desde que a globalização chegou com a força e a velocidade dos furacões. A massificação do debate, que deve ser pauta obrigatória das entidades mais representativas da região, é o toque mágico que se espera.
Metrópole
Tão importante quanto um banco de fomento para o Grande ABC é a metropolização formal. Metropolização ou submetropolitização, pouca diferença faz, desde que a região possa tratar de questões mais candentes com um mínimo de estabilidade institucional e, evidentemente, não se divorcie do feixe metropolitano da Grande São Paulo. A formalidade da Região Submetropolitana do Grande ABC, como se desenha no Palácio dos Bandeirantes, não é por si só garantidora de que as ações serão empreendidas. Como se sabe, a Baixada Santista já formalizada ainda não conseguiu traduzir em realizações os pressupostos da legislação. E, como também se sabe, a Região Metropolitana da Grande São Paulo, que já completou três décadas de decreto-lei, é a balbúrdia social que todos conhecem.
Por que a submetropolização formal vai ajudar o Grande ABC? Em primeiro lugar porque colocará ordem na casa. Sem retaguarda legislativa, o Grande ABC sofre pela epidemia de siglas e pelo nanismo de organização tática e estratégica. Consórcio de Prefeitos, Câmara Regional e Agência de Desenvolvimento Econômico são quebra-galhos institucionais porque se resumem a participantes locais e também porque de alguma forma são camadas sobrepostas de um mesmo tecido. O governo estadual tem participação apenas na Câmara Regional. Mesmo assim de forma voluntária, o que dá ao jogo um ritmo maneiroso. A submetropolização legal implica em direitos e obrigações de todos os participantes.
Outra qualidade da submetropolização formal é que Estado e prefeituras contribuem com recursos que sustentam estudos e projetos. Hoje os recursos da Câmara Regional são igualmente voluntários e a contribuição é intermitente. Nada mais desanimador quando se trata de buscar a estabilidade do planejamento.
Outra vantagem é que, com a submetropolizacão, Consórcio, Câmara e Agência de Desenvolvimento só não viram museus porque o principal capital de que dispõem são os recursos humanos, automaticamente transferidos à nova instituição. Também deve ser contabilizada como dividendo a garantia de participação sistemática dos principais executivos do governo do Estado, a começar pelo governador. A regulamentação de região metropolitana ou de região submetropolitana que virá por aí é um antídoto contra as derrapagens partidárias de períodos eleitorais.
Exemplo de que a informalidade de instituições de caráter regional é como patinar descalço no gelo é o fato concreto de que a Câmara Regional do Grande ABC está praticamente desativada neste ano de eleições municipais. A grande fissura da legislação sobre metropolização é outorgar aos representantes da comunidade apenas voz, não voto. Nem isso, entretanto, serve de pretexto para se opor à mudança. Basta saber utilizar a voz para ganhar votos. É nesse ponto que o Fórum da Cidadania poderia ter importante papel. Principalmente se levar avante o plano de repaginar ações.
Para completar o tripé sobre o qual se busca o equilíbrio social e econômico do Grande ABC, os pequenos negócios são caso emergencial. Prepará-los melhor e protegê-los da sanha da concorrência canibalizadora dos grandes investimentos do setor comercial são medidas que não admitem novas doses de negligência. Nenhuma autoridade pública ousa colocar o guizo no pescoço do gato do grande empreendedor que gera impostos de forma centralizada, de fácil arrecadação. Ninguém atira a primeira pedra contra a casa de Irene em que se transformou a geografia da região, cujos pontos mais privilegiados foram tomados por supermercados, hipermercados e homecenters.
A diferença entre a vida e a morte dos pequenos negócios está na disciplina do setor, como já fazem os europeus. Medidas que levem em conta restrições aos estabelecimentos e impedimento de concorrência predatória são inadiáveis. A omissão das autoridades públicas está acertando o alvo fácil do equilíbrio social. O quadro de falências e concordatas explicita o genocídio empresarial.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?