Economia

Três Pês para
salvar o futuro

MALU MARCOCCIA - 05/01/1999

O P de produção que patrocinou fartas dinastias econômicas no Grande ABC pode ser tomado novamente emprestado para a tripla receita prescrita pela Unicamp (Universidade de Campinas) para revitalizar a região: proximidade, pioneirismo e pré-disposição. Depois de estudar as três vigas de sustentação da economia local, representadas pelos petroquímicos-plásticos, montadoras-autopeças e indústria moveleira, a Unicamp concluiu que essa trinca de Pês joga a favor da região, o primeiro dos quais já consolidado pela posição geográfica do Grande ABC no epicentro do maior pólo consumidor do País, a Região Metropolitana de São Paulo. As duas outras potenciais competências precisam ser conquistadas, mas o passado de empreendedorismo na região se incumbiria de respaldar novas ações, acredita a pesquisadora e professora Maria Carolina de Souza.


 


"O Grande ABC possui experiência e aprendizagem acumuladas, sabe produzir. Por isso não é difícil ser pioneiro em novas frentes, como montar um centro de design. Também conta com empreendedores diversos, nos quais precisamos estimular a pré-disposição para novidades. A idéia de um selo para a região como Centro de Excelência em Plásticos é apenas uma" -- incentiva a pesquisadora, que coordenou junto com o economista Luciano Coutinho estudo da Unicamp encomendado pelo Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) no âmbito do Proder (Programa de Emprego e Renda Regional).


 


Nem tudo, entretanto, é euforia. O mesmo Diagnóstico da Competitividade do ABC, como é denominado o estudo que identifica tendências e potencialidades para o Sebrae oferecer apoio por intermédio do Proder, também radiografou conhecidas pedras no caminho.


 


Pesquisa de campo no setor plástico, que a Unicamp estende às autopeças e fabricantes de móveis, enumera uma dezena de obstáculos apontados pelas próprias empresas como inibidores do crescimento ou da continuidades das atividades. Vão desde o que chamam de concorrência predatória devido ao grande número de fabricantes de um mesmo item, passam pelo alto custo da mão-de-obra e da matéria-prima, e enveredam por caminhos como dificuldade de acesso a novas tecnologias e falta de associativismo entre as empresas, até chegar a fatos antigos e notórios como infra-estrutura deficiente (caos viário, principalmente) e distanciamento do Poder Público local em relação aos interesses empresariais. "Só no decorrer da pesquisa quatro fabricantes disseram que estavam deixando o Grande ABC" -- lamentou a professora Maria Carolina. Esses obstáculos vieram à frente, inclusive, de queixas em relação à abertura comercial que dizimou muitas pequenas empresas.


 


Ação cooperada


 


Mesmo com características próprias, as subcadeias do plástico e de autopeças e o setor moveleiro deveriam, segundo a Unicamp, cimentar ações a partir de conceito inapelável no mundo econômico sem fronteiras: grandes corporações não vão mudar suas estratégias globais em nome de pequenos fornecedores ou da comunidade onde atuam. "Quem tem de se adaptar são os pequenos. A Itália é exemplo de como os distritos industriais de micros e pequenos empreendedores reergueram o país devido às iniciativas coletivas e formação de cooperativas" -- exemplificou Maria Carolina.


 


Se cria problemas urbanos que exigem intervenções do Poder Público e provoca danos sociais maiores diante de crises econômicas cíclicas, a aglomeração empresarial do Grande ABC pode ser metabolizada em vantagem comparativa dentro do princípio cooperativista. Para os plásticos, a Unicamp elenca os benefícios da maior interação com a primeira e segunda gerações representadas pela PQU (Petroquímica União) e pelos transformadores de matérias-primas.


 


Poderia ser na forma de centrais de compras que aumentassem o poder de negociação com fornecedores e clientes ou de laboratórios cooperados de pesquisa para redução de custos, além de convênios conjuntos de capacitação da mão-de-obra. Isto começa a ocorrer a partir deste mês com o programa do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que vai reciclar 12 mil químicos na região por iniciativa de ação conjunta entre sindicato dos trabalhadores e entidades de classe empresariais.


 


Sede de estimados 10% da indústria de plásticos brasileira, composta por seis mil empresas e 190 mil funcionários, o Grande ABC poderia exercitar o inter-relacionamento da cadeia até por conta da vastidão de itens que produz. O problema, segundo detectou o estudo, é que a concorrência é concentrada. Pelo menos 26 empresas fazem peças injetadas sob encomenda, 23 para a indústria automobilística e 17 para o setor eletroeletrônico. "Todos brigam no mesmo nicho e acabamos importando peças de Natal. A diferenciação de itens ainda não foi vista como fator competitivo" -- menciona a pesquisadora.


 


Na linha de tiro de um dos setores mais internacionalizados do mundo -- a indústria automobilística --, às autopeças resta como tábua salvadora a exportação e, no caso das pequenas, na forma de pool.  O estudo da Unicamp mostra que 27 empresas do Grande ABC mandaram para o Exterior US$ 52 milhões em 1990 e seis anos depois esse volume já havia empinado para US$ 327 milhões, com 114 participantes.


 


O levantamento também menciona que a divisão entre fornecedoras sistemistas (que trabalham na própria linha de montagem) e subsistemistas (fornecedores de peças isoladas) é fator incentivador de trabalhos conjuntos. Diz que, embora o Brasil tenha voltado a fazer parte da estratégia automotiva mundial com investimentos fora do Grande ABC, as plantas da região também atraíram recursos com modernização e novos equipamentos. "Da mesma forma que autopeças foram para Minas, Paraná e Santa Catarina, vieram para próximo dos centros produtores do Grande ABC" -- diz o estudo. Grandes autopeças mantêm centros de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) na região e as pequenas poderiam aproveitar o maior custo com a mão-de-obra local criando cooperativas de serviços não só às montadoras, mas para todo o setor metalmecânico, sugere Maria Carolina.


 


Na saia-justa de sequer figurar como um dos pólos moveleiros em alta no País, a diversificação -- representada pelo P de pré-disposição às novidades -- é a providência que mais se enquadra ao Grande ABC da outrora Capital do Móvel. Sobretudo São Bernardo, que fez fama com a qualidade dos móveis sob encomenda, tem na defasagem tecnológica grande inimiga.


 


O estudo da Unicamp recomenda à região potencializar o diferencial dos móveis sob medida, mas acompanhar a linha de produtos seriados que alavancaram pólos como Bento Gonçalves, Votuporanga e Ubá. "É possível abrir o arco para móveis de plástico, grandemente importados, e também para tubulares, aproveitando inclusive a sinergia com os pólos de resinas plásticas e metal-mecânico existentes no Grande ABC" -- diz a professora Maria Carolina Souza.


 


Com 450 empresas e seis mil empregos diretos, o setor moveleiro tenta resgatar o passado de primeira indústria a se instalar na região. Ações de modernização tecnológica e capacitação empresarial reciclam a atividade, que nos últimos anos priorizou o braço lojista em lugar do chão de fábrica.


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