Economia

Shoppings chegam à Província
com olhos estatísticos vendados

DANIEL LIMA - 23/10/2013

O ambiente de Copa do Mundo que marcou ontem a inauguração do Golden Square Shopping em São Bernardo, apesar do desempenho de lanterninha no campeonato de atratividade de investimentos, e o que se prepara também para o Atrium Shopping, em Santo André, dão sequência a um ritual típico de gataborralheirismo econômico e social: a Província do Grande ABC é um suposto paraíso dos centros de compras. Uma avaliação que colide com a realidade dos fatos entre outras razões porque investidores desembarcam numa região cujas estatísticas estão defasadas, quando não enviesadas, quando não adulteradas, quando não anabolizadas. No fundo, os empreendedores estão de olhos estatísticos vendados.


 


Tenham certeza os leitores de que numa fila de gargarejo que torce pelo sucesso de empreendimentos na região tenho espaço garantido, mas não sou ufanista. Torço para valer mesmo pelo empreendedorismo privado, mesmo um empreendedorismo avassalador como o dos shoppings.


 


A Província do Grande ABC que se esvaiu em desindustrialização, principalmente nos anos 1990, não comporta tantos shoppings e tampouco é exemplo de harmonia empreendedora quando se avalia o ecossistema de pequenos negócios de comércio e serviços. Deem uma reparada no entorno dos centros de compras da região e observem os estragos nos pequenos comércios e serviços.


 


No passado ainda se faziam estudos para dar formato empírico às ressonâncias provocadas pelos grandes empreendimentos do setor. Entretanto, como pegava mal principalmente porque a mídia é aliada de primeira hora dos centros de compras, nada mais se produziu. Mas as sequelas são visíveis. Quanto mais próximo do raio de atuação de um shopping ou de um supermercado, mais empresas familiares fecham ou sobrevivem aos trancos e barrancos. No Primeiro Mundo é bem diferente. O capital de grande porte não tem a libertinagem do lado de cá do Equador.


 


Porta arrombada


 


Como não sou hipócrita, longe estou de qualquer movimento pró-fechamento de shoppings. A ofensiva seria bobagem, porque impraticável. Medidas conciliatórias e compensatórias deixaram de ser aprovadas. Porta arrombada, não acredito em antídoto. A lei da selva prevalece e estamos acabados. Ao longo dos anos na revista LivreMercado alertamos sobre o os efeitos domésticos dos grandes empreendimentos de comércio e serviços.


 


O Golden Square Shopping que vou conhecer nesta quarta-feira, porque é próximo de minha casa e também porque adquiri o hábito de vasculhar pessoalmente o movimento do comércio da região, não é um empreendimento que possa ser saudado com a ênfase vitoriosa que os jornais da região lhe dedicaram.  Muito pelo contrário.


 


Das 200 lojas reservadas a uma população de classe média-média e de classe média-alta que está longe de ser fluvial na região, não mais que 60 abriram as portas ontem. Repetindo: não mais que 60 abriram as portas ontem. Considerando-se que o empreendimento sofreu vários adiamentos, por conta de cronologia belicosa envolvendo o ritmo das obras e o ritmo de comercialização dos espaços, trata-se de um fracasso na largada que pode comprometer a fita de chegada.


 


Quando leio como li nestes dias que a Província do Grande ABC conta com 58% de habitantes de classe média, de alto poder aquisitivo, não resisto a gargalhadas. São números furados que, inclusive, serviram de base para incorporadoras da Capital quebrarem a cara no mercado imobiliário ao oferecerem produtos completamente fora do perfil de consumo da maioria dos moradores.


 


Basta verificar a dureza dos prélios dos espaços desnudados no Domo, no entorno do Paço Municipal de São Bernardo, daquelas torres de apartamentos, também em São Bernardo, em área de futebol soçaite no Bairro Nova Petrópolis, e tantos outros empreendimentos que traçam um perfil nítido de micos imobiliários. Fosse o mercado imobiliário tão fortemente questionado quanto as equipes de futebol de grandes torcidas, algo como o Corinthians de Tite, não sobraria pedra sobre pedra.


 


Guetos geoeconômicos


 


Há guetos geoeconômicos de classe média na Província do Grande ABC que somente os profissionais sérios do mercado imobiliários transformam em aliados de bons negócios no setor. Quebrou a cara quem chegou à Província com dados furados. Sob a camada de grandiosidade do PIB (Produto Interno Bruto) existem armadilhas perigosíssimas. PIB é uma medida genérica que exige trituração analítica muitas vezes subestimada.  


 


Se o Golden Square Shopping cometeu o pecado capital de chegar a São Bernardo para servir aos ricos e também à classe média-média, o tombo será monumental. Algo possivelmente menos retumbante, mas igualmente decepcionante ao que se observa no shopping localizado no Bairro Ferrazópolis, também em São Bernardo.


 


Aquele empreendimento que ocupa antiga área da fábrica de eletrodomésticos Consul, desertora da economia da região por conta de demandas trabalhistas exageradas, é um espetáculo em arquitetura, em modernidade funcional, em instalações, em alternativas de consumo, em tudo que se pensar. Mas virou um quase deserto durante os dias da semana. Nada sobrenatural, porque está encravado numa área de baixo poder aquisitivo em relação ao perfil dos produtos e serviços que oferece, embora haja grande concentração populacional a sugerir respostas positivas que não chegam.


 


Nem mesmo o embalo do caos metropolitano tem favorecido a Província do Grande ABC no quesito consumista, porque há excesso de oferta de lojas. Explico o que chamo de “embalo do caos metropolitano”: com o nó na mobilidade urbana, por conta de veículos demais e empreendimentos imobiliários insanos em áreas de fluxo potencial menos apropriado, muito mais que no passado de menos veículos e menos opções locais de consumo, a Província do Grande ABC mantém grande parcela de moradores em seus próprios limites territoriais. Fosse mais equilibrada a equação oferta-demanda, associada à harmonia com os pequenos negócios e também ao refluxo de potencial de consumo desde os anos 1990, não teríamos motivos para diagnóstico cético. Os triunfalistas são incorrigíveis, mas são os primeiros a dar no pé ante a imperiosidade de provarem na prática o que falam apenas para estarem bem na fita do politicamente correto.


 


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