Economia

Sem Mercedes-Benz, que tal Luiz
Marinho ir de Kombi a Brasília?

DANIEL LIMA - 24/10/2013

O prefeito Luiz Marinho, que perdeu a fábrica de automóveis da Mercedes-Benz para a pequena Iracemápolis, na região de Piracicaba, está revoltado com o governo federal petista como ele. A fábrica da Volkswagen, em São Bernardo, terá de encerrar a carreira de 56 anos da Kombi, em janeiro próximo, por conta de fadiga tecnológica de material. Marinho deu uma entrevista ao jornalista Leandro Amaral, do Repórter Diário, anunciando que poderá ir à “presidenta” Dilma Rousseff, em Brasília, para tentar abortar a descontinuidade de produção do veículo.  Vou fazer uma sugestão a Luiz Marinho na tentativa de sensibilizar a presidente da República.


 


Que sugestão faria? Que Luiz Marinho reencontre-se com a essência de seu DNA social, o de sindicalista que jamais deixou de ser, junte uma turma de metalúrgicos de São Bernardo, um grupo entre os estimados, por ele, quatro mil eventuais desempregados que o encerramento da carreira da Kombi provocaria e, numa serpentina formada especialmente por esse modelo ultrapassado de transporte, engate a quarta marcha (teria o veículo moribundo uma quinta marcha?) em direção a Brasília.


 


Que Luiz Marinho mova céus e infernos para consolidar o obsoletismo tecnológico como símbolo de uma Província que demora em pegar no tranco da modernidade na gestão pública. 


 


Estava crente de que o prefeito-sindicalista de São Bernardo (e não vai nessa dupla identificação nenhum sentido pejorativo, como alguns poderiam sugerir) já dispunha de alternativa para, com a proximidade de interlocução de que desfruta no setor de montadoras de veículos, compensar o fechamento da linha de produção da Kombi. Acreditava piamente que Luiz Marinho se preparara como prefeito e sindicalista para anunciar, quem sabe como presente de Natal, uma nova divisão de veículo na fábrica de São Bernardo. Com isso, contraporia rejuvenescimento tecnológico e mão-de-obra mais qualificada ao falecimento desse modelo de tanto sucesso.


 


E as medidas preventivas?


 


Não imaginava, juro por todos os juros, que tanto o sindicalista como o prefeito de São Bernardo que habitam o mesmo corpo e a mesma mente, tivessem se descuidado de uma operação estratégica elementar. Quem mandou ficar falando bobagem e prometendo aeroportozão que nem aeroportozinho será, quanto muito um terminalzinho de carga?


 


Já imaginaram os leitores se o prefeito-sindicalista liderasse uma reação contra o desligamento dos aparelhos de conveniência corporativista que mantêm a Kombi respirando na fábrica da Volkswagen em São Bernardo?


 


Já imaginaram o quão seria fantástica aquela fila quilométrica de Kombis rumo a Brasília em defesa de uma modernidade do passado que passou? 


 


Que imagem o Brasil e o mundo não teriam de São Bernardo e da Província do Grande ABC? Quantas manchetes de publicações especializadas e não especializadas, porque carro, qualquer tipo de carro, é sempre um convite à atenção, não saltariam para trombetear o quanto o prefeito de São Bernardo está plugado no futuro? 


 


Dependessem de Luiz Marinho e de seu proselitismo em suposta defesa de empregos em detrimento da segurança e do meio ambiente, as carroças dos tempos de Collor de Mello ainda estariam a poluir e a levar insegurança às ruas e estradas. Tudo em nome de um populismo trabalhista que não o largará jamais, porque está prefeito, embora seja e sempre será sindicalista.


 


Quem acredita que este jornalista está a zombar da seriedade de um assunto que envolve, segundo a estatística de Luiz Marinho, pelo menos quatro mil empregos na região, dos quais mil diretamente na fábrica, deveria assistir à gravação da entrevista do prefeito ao Repórter Diário. Está lá a confissão tácita do prefeito-sindicalista de que não tem plano alternativo algum para seduzir os mandachuvas da multinacional de capital alemão de forma a não só evitar que um desemprego em massa seja cristalizado como também uma nova fratura em seu prestígio de interlocutor supostamente privilegiado seja constatada.


 


Afinal, a Mercedes-Benz não lhe deu a mínima bola para que trouxesse à ociosidade espacial da fábrica de caminhões e de chassi de ônibus em São Bernardo o veículo de passeio que sairá da idílica Iracemápolis e de um entorno de fornecedores de peças que a Província do Grande ABC sempre se imaginou monopolista. Dormimos no berço esplêndido de uma das múltiplas faces contraditórias de gataborralheirismo, a da deformidade cultural de que somos bambas em determinadas questões e por isso mesmo jamais deveremos nos preocupar com a concorrência.


 


Crise de gestão pública


 


A crise na gestão pública da Província do Grande ABC é uma doença grave que só encontrou algum lenitivo e mesmo uma terapia com possibilidades de dar novo impulso a um tecido esgarçado durante o período em que Celso Daniel se travestiu de bobo da corte e animou um processo de integração regional associado a estudos e propostas de fortalecimento das cadeias produtivas.


 


Luiz Marinho goza de condições políticas, institucionais, econômicas e financeiras incalculavelmente superiores à aridez vivida por Celso Daniel naquele período pós-metade da década de 1990, até ser abatido por criminosos comuns. Mas, lamentavelmente, o prefeito-sindicalista converte-se em desanimador macroexemplo de improdutividade institucional, produtiva, administrativa e política. O que temos é uma Província mais dividida do que nunca, mais abatida do que nunca, mais entregue às baratas do que nunca.


 


Uma caravana de Kombis a Brasília seria o autorretrato de nossa pequenez. Que o prefeito Luiz Marinho não leve a sugestão a sério, embora as declarações indignadas ao Repórter Diário transmitam a sensação de que este jornalista, num repente que a psicanalise poderia explicar, possivelmente capturou por telepatia o desejo íntimo do entrevistado. Tomara que este texto tenha, nesse sentido, o poder de dissuadir Luiz Marinho de uma empreitada vexatória, mesmo que prescinda na prática do comboio de Kombi e de deserdados trabalhistas.


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