A inauguração do Atrium Shopping na manhã de terça-feira foi um abuso econômico e social com a assinatura dos responsáveis pelo empreendimento, a Brookfield, e também do prefeito Carlos Grana, de Santo André. E a Imprensa, de maneira geral, comprou uma mentira aviltante. Até prova em contrário, quando se inaugura alguma coisa é porque alguma coisa está pronta para ser inaugurada. Até um carrinho de pipoca inaugurado tem de estar pronto para servir pipoca, salgada e doce, de preferência.
O Atrium Shopping foi anunciado ao longo dos anos como um megaempreendimento de 350 lojas que ocupariam uma área nobre de antigas instalações da Pirelli. Chegou-se a tentar vender a ideia de que seria a Cidade Pirelli, lançada por Celso Daniel no final dos anos 1990. O Atrium Shopping que conheci ontem pessoalmente é um gigantesco mico. Dos 350 espaços para lojistas, apenas 22, isso mesmo, 22, estavam à disposição dos consumidores que caíram no conto da inauguração. Os demais espaços estão cercados por tapumes coloridos que, naqueles corredores imensos, chegam a sugerir sequência de obras de arte com algum valor, menos um shopping.
Embora nada na Província do Grande ABC deva ser desprezado como potencialmente dramático, quando não anedótico, quando a verdade dos fatos está em jogo, não consegui conter a decepção de conhecer o Atrium Shopping. Mesmo preparado para a empreitada, porque sabia de antemão que não mais de meia centena de lojas estariam abertas, o que vi não foram ilusão. Como é possível expedir alvará de funcionamento de um empreendimento naquela situação.
A Administração Carlos Grana é muito mais irresponsável do que a precipitação dos titulares do empreendimento. As condições de acesso ao Atrium são as piores possíveis, com riscos enormes de acidentes, com omissão de placas de sinalização, com ambiente insalubre aos consumidores ante o cheiro de tinta e de outros produtos químicos, com obras em andamento e com parafernálias internas de lojistas retardatários.
Pequenos maltratados
Duvido que a Administração Carlos Grana dedique um tiquinho sequer de paciência e dedicação ao empreendedorismo privado de pequenos negócios desgarrados dos grandes centros de compras. Os fiscais da Prefeitura não costumam aliviar em condições normais de tempo e temperatura. Todos sabem disso. Como, então, se aliviou tão desmesuradamente o Atrium Shopping?
Quando na tarde de anteontem acompanhei o noticiário da inauguração do shopping nos veículos digitais da região e vi o que vi de convidados mais que manjados a disputar os holofotes, acreditava que a boca livre tinha algum valor de entusiasmo pela economia da Província do Grande ABC. Lá estavam as figurinhas carimbadas de sempre, muitas das quais manjadíssimas nos escaninhos das administrações públicas como representantes do mercado imobiliário sedutor como nenhuma outra atividade -- além das áreas de Educação, de Saúde e de Transporte, é claro.
Circulei pelos três pavimentos do Atrium Shopping. Queria mesmo conhecer de perto e para valer o que se apresentava ao público. A badalação dos dias que antecederam o evento, tal qual na semana passada quando o brilho das manchetes foi reservado ao Golden Square, em São Bernardo, induz qualquer interessado a checar com as próprias pernas as novidades da praça de consumo.
Não exageraram em nada os consumidores que compareceram à festa de inauguração e pespegaram no empreendimento o codinome de Museu Atrium. Seria exagerado dizer Cemitério Atrium, porque se deve respeitar os mortos, mas museu não é exagero. Afinal, 22 lojas abertas num universo de 350 é de lascar. Não ultrapassa a 6% de ocupação.
Resultado decepcionante
Levando-se em conta que não faltaram recursos publicitários para a comercialização dos espaços aos lojistas, com campanhas inclusive em grandes jornais da Capital, o resultado final é muito mais que decepcionante. Até prova em contrário, a lista de reservas não ultrapassa a um percentual razoavelmente respeitável diante aquela visão de corredores desertos de opções.
Não vou arriscar dizer que o Atrium Shopping transpira irregularidades, mas uma ação investigativa de gente especializada com poder de fechar o empreendimento até que as condições de segurança dos consumidores sejam resguardadas redundaria em ações enérgicas e constrangedoras à Administração Carlos Grana. O empreendimento, que abriga obras no entorno em forma de lançamentos de torres de apartamentos e salas comerciais, é uma roleta russa. Tem-se a impressão de que a qualquer momento uma pilastra, um andaime, um tijolo, vai desabar sobre veículos.
Nada disso, entretanto, se rivaliza em decepção com o interior do shopping. Aqueles corredores sem vida, apesar dos tapumes coloridos à espera de logomarcas de empreendimentos supostamente em fase de montagem de lojas, aqueles corredores não têm nenhuma relação com o burburinho tradicional dos centros de compra.
O Atrium Shopping pratica o antimarketing ao propagandear que está aberto ao público, porque quem se dispuser a conhecer aquele espaço não resistirá a lamentações. Nem mesmo o amplo estacionamento para veículos no piso térreo, uma dádiva em confronto com o Golden Square, reduz o impacto negativo que as autoridades públicas de Santo André ousaram subestimar ao participarem de uma encenação típica da Província do Grande ABC.
Na semana que vem vou voltar ao Golden Square com o mesmo espírito de cão perdigueiro da visita ao Atrium Shopping. Quero ver mais detalhes sobre o empreendimento também recheadíssimo de tapumes. Talvez dê uma passada também no São Bernardo Plaza Shopping, no Bairro Ferrazópolis. Há um conluio ditado pela necessidade publicitária da maioria dos veículos de comunicação da região que condiciona a realidade dos fatos a semânticas pouco esclarecedoras, quando não a omissões agressivas. Não é a toa que a Província está infestada de malandros travestidos de benemerentes e de lideranças que só conseguem arregimentar mais que meia dúzia de seguidores da mesma laia, porque a maioria silenciosa cansou de ser enganada.
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