O BNDES regional, que já era pouco promissor com o jogo de xadrez da rarefeita mobilização regional, foi engavetado. Embora tenha animado vários setores do Grande ABC a partir de proposta lançada em LivreMercado pelo professor e economista Paul Singer, o modelo de um Banco de Desenvolvimento Econômico e Social exclusivamente para atender ao Grande ABC naufragou na falta de adesões práticas para ser viabilizado.
Uma coletânea de manifestações entusiasmadas reunidas por LivreMercado e um debate com auditório lotado patrocinado pelo Uni-A (Centro Universitário de Santo André) colocaram a idéia de pé em fins do ano passado, mas acabaram atropelados pelo desinteresse a seguir. "Criar um banco regional próprio implica em muitos custos e um caminho imensurável de burocracia" -- lamenta o diretor do Uni-A e um dos principais incentivadores da proposta, Jaime Guedes.
O BNDES do Grande ABC foi rebaixado, agora, para uma tentativa de linha de crédito regional. A idéia é colocar o Grande ABC no começo da fila das carteiras de fomento do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, do próprio BNDES e da NossaCaixa NossoBanco, que lançou recentemente fundo de aval com garantia do governo do Estado de São Paulo junto com o Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa). "É mais fácil reivindicar um montante para o Grande ABC dentro de instituições financeiras já existentes, a partir de projetos ligados ao desenvolvimento regional" -- defende Jaime Guedes. Ele confia em que a Agência de Desenvolvimento Regional assuma o papel de catalisadora e interlocutora junto aos bancos das demandas públicas e privadas locais.
A Agência de Desenvolvimento, braço estatístico e de estudos da Câmara do Grande ABC, está abrindo um assento em seu conselho para a comunidade acadêmica. Guedes acredita que as universidades vão somar conhecimentos e pesquisas ao organismo, composto de empresários, sindicalistas, representantes de poderes públicos e entidades de classe da região. "É uma instância de fomento, portanto mais indicada para receber e priorizar projetos regionais" -- entende. Outra frente que Jaime Guedes acha possível acionar, e que teria apoio do governo do Estado, segundo detectou, é melhorar a distribuição dos impostos estaduais e federais arrecadados no Grande ABC. "Menos de 10% retornam à região. Deputados eleitos pelo Grande ABC abraçaram a causa pelo aumento desse volume, já que essa é uma pressão no campo político" -- cita o diretor do Uni-A.
O BNDES do Grande ABC foi sugerido em fins do ano passado pelo economista Paul Singer, professor de Moedas e Bancos da USP (Universidade de São Paulo), para que a região tivesse seu próprio agente de fomento e driblasse as dificuldades no mercado de se obter linhas de crédito institucionais e privadas -- como para financiamentos sociais a fundo perdido ou para pesquisas e expansão da livre iniciativa. O banco local também ajudaria micro e pequenas empresas, notoriamente discriminadas nas grandes corporações bancárias. Para garantir sustentação financeira e autonomia em relação ao sistema privado de crédito e também público, de bancos estaduais e federais, Paul Singer sugeriu a captação de recursos na comunidade regional.
Outra forma de lastro do banco regional seria com parte da arrecadação municipal das sete prefeituras. A gestão seria compartilhada entre representantes do poder público, do empresariado e de sindicatos trabalhistas, que estabeleceriam prioridades a projetos vocacionados para a região.
A vantagem desse foco dirigido ao Grande ABC e a possibilidade de o BNDES local fraturar a hegemonia das grandes, caras e burocráticas redes bancárias nacionais animaram a comunidade. Representantes do Fórum da Cidadania, OAB, Sindicato dos Metalúrgicos do ABC/Dieese, Sehal, Ciesp, de escolas particulares e de prefeituras manifestaram-se favoravelmente à idéia, divergindo apenas sobre a forma de estruturar o organismo. A proposta ganhou elogios inclusive do economista Nelson Rocha Augusto, entusiasta de bancos regionais e no comando de uma das poucas experiências do gênero no País, o BRP (Banco de Ribeirão Preto). Nelson Rocha só fez uma ressalva: para evitar conflitos de interesse, seria melhor ao Grande ABC ter uma instituição de fomento tocada pela iniciativa privada, mais ágil, a seu ver, para decodificar e viabilizar projetos.
É assim que o BRP, criado há seis anos como um dos braços do grupo atacadista A.Coselli, calcula ter ajudado a criar mais de 1,5 mil empregos diretos nos empreendimentos que apoiou com estudos de viabilidade e linhas de financiamento para investimentos na região onde atua.
O BNDES do Grande ABC tropeçou, entretanto, no desinteresse quando o calor dos debates passou para a necessidade de ações. Prefeituras alegaram que já dão seu naco de contribuição a iniciativas regionais com a liberação de microcréditos por meio do Banco do Povo, implantado em Santo André e São Bernardo. Convidadas, as associações de classe empresariais não demonstraram vontade de coordenar o processo. O governo do Estado e o Sebrae, por sua vez, esfriaram os ânimos com o lançamento, em novembro, do fundo de aval para micro e pequenas empresas. A linha está centralizada na NossaCaixa e promete financiar 80% das necessidades da iniciativa privada e de projetos setoriais de regiões que tenham alguma mobilização institucional. São R$ 15 milhões provenientes do fundo de aval do Estado e de igual fundo do Sebrae para todo o Estado de São Paulo.
É nesse fio de esperança que se apegam agora Jaime Guedes, do Uni-A, e Armando Laganá, representante do governo do Estado na Câmara do Grande ABC. Guedes acredita que a Agência de Desenvolvimento Regional poderia vestir o figurino de intermediadora entre projetos da região e instituições financeiras, começando pela NossaCaixa. Laganá entende que, por prometer acesso desburocratizado e por ser também um agente repassador de recursos do BNDES federal, a NossaCaixa é porta aberta a demandas setoriais como dos pólos moveleiro e plástico do Grande ABC.
Experiências de sucesso
Enquanto a região tomba frente à falta de integração, no Interior paulista se sobressaem duas experiências bem-sucedidas de crédito regional. O Banco de Ribeirão Preto surpreendeu ao obter em 2000 lucro líquido de R$ 4,5 milhões, o que significa rentabilidade de 21,74% sobre o patrimônio -- contra média de 15% do sistema privado. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, foi o sétimo banco comercial que mais cresceu no País no ano passado. O BRP trabalha com linhas do BNDES e com captação de recursos de terceiros no mercado. Os depósitos de terceiros cresceram 47,9%. Da carteira total de R$ 59,3 milhões, cerca de R$ 32 milhões vieram do BNDES, que aprovou 248 projetos. Em 1999 haviam sido apoiados 200 projetos, todos dentro do perfil de gerar renda e reinvestir dentro da própria região, destaca o diretor financeiro Nelson Rocha.
Na mesma Alta Mogiana, considerada a sexta praça financeira do País, com PIB regional de US$ 23 bilhões e três milhões de habitantes, o Banco Cruzeiro do Sul acaba de anunciar parceria com a BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros) para dinamizar o agribusiness local. Ativos como boi, açúcar, algodão, álcool, soja e café, que dão o tom da vocação agropecuária de Ribeirão Preto e região, ganham agora garantia de preço em contratos que podem ser negociados por meio da BM&F. O Banco Cruzeiro do Sul, criado em 1989 pelo grupo fabricante do pão Pulmann e adquirido pela família Índio da Costa em 1993, reativou o escritório de representação na cidade em 15 de janeiro último. Além de Ribeirão Preto, tem escritórios em Campinas e Bauru e duas agências, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro. O patrimônio líquido anunciado é de R$ 40 milhões.
Como qualquer negócio mal-gerenciado e sem foco, banco regional também desmorona. Em janeiro foi a pique o BancoInterior de São Paulo, de São José do Rio Preto. Foi fundado em 1993 pela família Áureo Ferreira, considerada a maior produtora e exportadora individual de café do País, para seguir a trilha do Bradesco nos anos 50, quando foi criado em Marília: atender micro e pequena empresa e pessoas de baixa e média renda. O BancoInterior ganhou o noticiário no mês passado porque, pela primeira vez, o Banco Central se antecipou e liquidou uma instituição financeira antes que nocauteasse os clientes por insuficiência de fundos. Com 9,1 mil correntistas e 14 agências, o banco tinha depósitos de R$ 48 milhões, mas ativos (créditos a receber) de R$ 80 milhões, boa parte em empréstimos duvidosos.
Agência monta fundo
A Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC acredita ter encontrado um atalho para a encruzilhada que distancia pequenas empresas no Brasil dos cofres públicos e dos bancos privados: pretende criar um fundo em parceria com o bolso do próprio empresariado. O Fundo de Capital de Risco, como o nome diz, será formado com recursos de empresários que, em vez de Bolsa de Valores ou CDBs, estejam dispostos a aplicar dinheiro em micro e pequenas empresas emergentes. Seriam sócio-investidores. As pequenas empresas beneficiadas com o dinheiro, por sua vez, abririam o capital na forma de sociedade anônima, trocando o empréstimo do fundo por ações. Isso significa que não precisariam pagar juros, pois o dinheiro vem na forma de um sócio chamado Fundo de Capital de Risco. É mais ou menos o que fazem os fundos de pensão -- sobretudo de funcionários públicos como o Fundef da Caixa Econômica Federal e o Petrus da Petrobras -- ao investir em grandes empreendimentos. O Auto Shopping Global, em Santo André, tem dinheiro do Fundef.
"A rentabilidade de um fundo de risco é calculada entre 12% e 20% ao ano, contra média de 8% das aplicações no mercado financeiro" -- anuncia Carlos Paim, diretor executivo da Agência de Desenvolvimento, com base em experiência que já tem um ano no Rio Grande do Sul e que beneficia pequenos moveleiros e fabricantes de plásticos. A rentabilidade do fundo de risco é proveniente do desempenho das empresas. Acredita-se que essas empresas empinarão os negócios com a capitalização do fundo. Igual projeto foi implantando em Santa Catarina no mês passado e tem como desenvolvedores de software como tomadores. A coordenação dos dois fundos é da gaúcha CRP (Cia. Riograndense de Participação), que também estrutura o fundo no Grande ABC. Segundo Carlos Paim, a princípio o Fundo de Capital de Risco estará aberto a todas as pequenas atividades, e não apenas às relacionadas às vocações da região -- moveleiros, autopeças, plásticos e químicos.
Pelos planos da agência, os sócios-investidores formarão uma bolada de R$ 14 milhões para beneficiar cerca de 30 empresas tomadoras. O BNDESpar, que participa do capital de inúmeras empresas brasileiras, se comprometeu a liberar um terço da quantia se o Grande ABC mobilizar o restante. A Agência de Desenvolvimento já anunciou que participará com parte do capital.
Cada empresa tomadora poderá emprestar até R$ 300 mil e os projetos serão avaliados e decididos por um Comitê de Investimentos. "O fundo não vai ter qualquer ingerência no negócio do tomador. Como sócio e dono de ações, o fundo de risco apenas terá direito de acompanhar o balanço da empresa" -- avisa Carlos Paim, ao admitir que micro e pequenas empresas não têm cultura, no Brasil, de abertura de capital, por isso será feito trabalho de sensibilização. Das 60 potenciais tomadoras visitadas na região, 12 se mostraram receptivas até agora e só quatro foram selecionadas. Entre investidores, 12 foram visitados e ainda não deram resposta.
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