Economia

Regionalismo sem
desvios triunfalistas

DANIEL LIMA - 05/05/2001

O que há em comum entre LivreMercado e muitas das conclusões do livro A Cidade-Região, Regionalismo e Reestruturação no Grande ABC Paulista, do economista Jeroen Klink, professor de Economia e de Sociedade Regional do curso de Mestrado de Administração do Imes (Centro Universitário de São Caetano)? A resposta é simples: por mais que esse especialista em experiências internacionais de regionalismo procure amenizar o quadro dos sete municípios que compõem o sexto PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil, há muita convergência e praticamente nada de contraditório em relação às históricas análises de LivreMercado. A diferença está apenas no conteúdo mais contundente da revista.


 


"Em outras palavras, a interpretação dos dados da Paep sobre inovação e modernização tecnológicas das empresas no Grande ABC não corresponde às expectativas do novo regionalismo. Não encontramos indícios convenientes de que existisse um potencial muito forte para proporcionar uma economia regional dinâmica baseada num processo endógeno de aprendizagem, enraizado no próprio território da região e nas normas e convenções de coordenação para a atividade econômica do Grande ABC. Talvez o contrário seja verdade. A dependência da pesquisa e do desenvolvimento elaborados na grande empresa como fonte de inovação sugere uma certa desterritorialização do processo de modernização tecnológico. Isso significa que a integração vertical dessas atividades de pesquisa e desenvolvimento no âmbito da grande indústria fordista faria talvez com que a economia da região perdesse potencial para deslanchar a sua transição para uma trajetória econômica alternativa, baseada nos referidos processos endógenos de aprendizagem" -- escreveu Jeroen Klink, que também é secretário de Relações Internacionais e de Captação de Recursos da Prefeitura de Santo André.


 


A análise desse holandês que se lançou a esmiuçar a realidade do Grande ABC coincide com a posição de LivreMercado sobre o Caderno de Pesquisas Nº 2 da Agência Regional de Desenvolvimento Econômico, apresentado em março do ano passado e baseado em estudos da Paep, da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análises de Dados), do governo do Estado. Na edição de abril do ano passado, com o título Muro de Tecnologia Separa Pequenas e Grandes Empresas, LivreMercado avaliou de forma inédita dados parciais da pesquisa anunciados com certo triunfalismo pela Agência de Desenvolvimento Econômico. Alguns trechos da interpretação de LivreMercado:


 


"Um preocupante Muro de Tecnologia separa as indústrias do Grande ABC. Como no caso dos habitantes cada vez mais divididos entre excluídos e incluídos, também as empresas industriais da região são protagonistas de situações completamente distintas. De um lado está o contingente restrito mas poderoso das grandes e médias empresas, principalmente as relacionadas ao setor automotivo, investindo em tecnologia de produtos e de processos para enfrentar a globalização. De outro lado está o numeroso séquito de pequenas empresas, absolutamente desconectadas das grandes transformações por que passa o setor industrial, no qual produtividade rima com competitividade. Esse verdadeiro Exército de Brancaleone industrial pode estar com os dias contados. O trabalho também confirma a dependência da economia regional da vitalidade da indústria automotiva".


 


LivreMercado reservou cinco páginas da edição de abril de 2000 para analisar a Paep. O estudo se refere à pesquisa das atividades industriais da região durante o período 1994-1996. "Isso significa que o quadro apresentado com quatro anos de defasagem certamente se agravou. Aquele foi o período mais fértil da economia brasileira nos anos 90, a bordo do boom consumista do Plano Real e de uma moeda nacional valorizada e estabilizada, depois de mais de três décadas de inflação epidêmica" -- afirmou a reportagem.


 


A principal observação de LivreMercado à apresentação e avaliação da pesquisa se prendeu à tentativa de membros da Agência Regional de capitalizar como aspecto altamente positivo o fato de um terço das indústrias da região ter realizado algum tipo de inovação de produto ou de processos no período de 1994 a 1996. Embora essas unidades representassem apenas 35% do número total, o peso de sua participação econômica na região é bastante significativo: cerca de 80% do Valor Adicionado da indústria do Grande ABC originaram-se dessas unidades. Ainda segundo os estudos, micro e pequenas indústrias da região são responsáveis por apenas 14% do Valor Adicionado total do setor industrial, enquanto que as grandes geram 60% desse mesmo Valor Adicionado.


 


LivreMercado contestou um vício do relatório: "Ao ressaltar o um terço de indústrias que foram obrigadas a recorrer a investimentos para enfrentar a globalização, e só conseguiram porque de uma forma ou de outra se capitalizaram, o estudo minimiza a grande maioria de 65% do universo produtivo da região à margem do processo de inovação" -- afirmou a reportagem. A dialética acadêmica que o professor Jeroen Klink traduziu agora em forma de livro, lançado em abril, confere selo de precisão ao posicionamento de LivreMercado.


 


Produzida pela DP& A Editora, A Cidade-Região é uma obra de 224 páginas com várias citações bibliográficas às análises de LivreMercado. Jeroen Klink contextualiza o Grande ABC na dinâmica da globalização e faz críticas também ao que chama de corte globalista de projetos aprovados para vitaminar a economia local: "Em vários momentos, o incipiente regionalismo no Grande ABC mostrou embutir semente de corte globalista. Os exemplos mais claros são a aprovação de acordos regionais referentes às leis de incentivos fiscais, a falta de se chegar a um acordo para conter a competição municipal com as alíquotas do imposto ISS e, mais particularmente, algumas das estratégias urbanas do Cenário do Futuro e da Carta do ABC que apontam a necessidade de se criar uma nova centralidade na periferia da área metropolitana, baseada no vigor de um terciário altamente competitivo e capitalizado. Em vários momentos detectamos que a estrutura econômica da região está ainda longe de apresentar um terciário capitalizado e dinâmico que justifique, inclusive, ousadas estratégias para agilizar sua dinamização dentro de uma perspectiva de novas centralidades" -- escreve Jeroen Klink.


 


LivreMercado tem criticado a euforia com investimentos no setor de comércio com a chegada de grandes redes de varejo. Entende, entre outros motivos, que as administrações públicas não prepararam arcabouço legislativo para amenizar os efeitos negativos sobre os pequenos negócios. Também a chegada de shopping centers foi marcada por equívocos. Além de excesso e superposição de oferta de lojas para uma região cuja massa de consumo se contrai a cada ano, o que determinou o fechamento e a precarização de vários centros de compra, o comércio tradicional de rua foi apanhado no contrapé da falta de organização sistêmica. Enfim, da mesma forma que no setor industrial o Grande ABC sofre com a exclusão de investimentos vitais para a manutenção de negócios, também no comércio e nos serviços se vive de vácuos preocupantes.


 


Jeroen Klink não aborda a contraface do setor terciário tradicional na região, mas envereda pela necessidade de o Grande ABC contar com rede de suporte de serviços avançados e próximos da base industrial. Algo que foi proclamado na edição de abril pelo prefeito Celso Daniel, em entrevista de oito páginas a LivreMercado.


 


Comedido, Jeroen Klink só grafou uma vez a expressão guerra fiscal. Sobre o propagandeado sistema de cluster, que teria vários exemplares na região, todos contestados por LivreMercado exatamente pela falta de sinergia entre pequenas, médias e grandes indústrias e serviços ao longo da história da economia regional, o professor do Imes evidencia com a sutileza que lhe é peculiar que a especialidade que consagrou o economista norte-americano Michael Porter é simplesmente uma miragem dos mais afoitos. 


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