Economia

Feito com arte e sabor

WALTER VENTURINI - 05/08/2005

A associação da imagem do Grande ABC com o setor industrial existe há mais de 50 anos. O que pouca gente imagina é que a região pode desenvolver também o conceito oposto de produção artesanal. Distante poucos quilômetros de grandes fábricas existem na região nichos de produção de vinhos, chocolate e cachaça que podem ser transformados em roteiros e calendários turísticos para consumidores da Grande São Paulo.


 


Fabricar vinho amassando uvas com os pés pode ser cena de filme mas também acontece todo início de ano no Grande ABC. Para saborear chocolate caseiro feito no alto da serra não é preciso ir até Gramado ou Campos do Jordão. A arte de produzir bebidas, comidas, roupas e outros produtos ainda é desconhecida do consumidor da Grande São Paulo. No entanto é ritualmente praticada em pequenos empreendimentos que começam a se organizar na região. Muito pouca gente sabe que somente em São Bernardo existem 70 produtores artesanais de vinho, que participam da UVA (União dos Vinicultores Artesanais), em sua maioria filhos de imigrantes europeus que preservaram tradições familiares e o interesse pelo cooperativismo. “Tem gente que faz vinho até em apartamento” — revela Aldo Rosa, um dos fundadores da UVA e que aprendeu a fazer vinho com o pai e organizou a cooperativa. A entidade promove compras coletivas anuais de 300 toneladas de uvas para abastecer as quase secretas vinícolas artesanais do Grande ABC. Talvez a menos desconhecida seja a Cantina Stella Alpina, na entrada do Riacho Grande, em São Bernardo, onde Aldo Rosa transforma anualmente 30 toneladas de uvas em 18 mil litros de vinho tinto e branco. O estabelecimento vende também pães caseiros e patês, feitos pela família do vinicultor. A uva vem da cidade gaúcha de Antonio Prado, onde Aldo conta com um fornecedor exclusivo, além de matéria-prima importada da Patagônia, no Sul da Argentina.


 


O vinicultor comprou um triturador de uvas na Itália, com capacidade de esmagar sete toneladas de frutos por hora. A máquina fica ativa de janeiro a março, após o que o produto permanece 200 dias em fermentação. Aldo deixou de usar tonéis de madeira há 20 anos. Prefere armazenar a bebida em tanques de polipropileno e de aço —mesmo material usado nas grandes vinícolas do Sul do País. Como bom descendente de europeus, que nada desperdiçam, o filho de imigrantes também produz pequena quantidade de grappa, aguardente destilada a partir do bagaço da uva fermentada. “A maioria dos clientes vem de São Paulo e são consumidores diferenciados” — explica Aldo Rosa, que forma uma geração de filhos de imigrantes que preservaram tradições e um modo de vida que praticamente desapareceu das grandes cidades.


 


Uva no pé


 


Outro representante da tribo de vinicultores é o português Manuel Almeida. “Nasci fazendo vinho. Quando era pequeno, meu pai me punha dentro do lagar” — conta o vinicultor. Lagar é o tanque onde as uvas são esmagadas com os pés, ritual artesanal raro até mesmo na Europa. Seu Manuel não deixou por menos e fez um lagar nos fundos da madeireira, no Bairro Taboão, em São Bernardo. No início do ano ele reúne os cinco irmãos e amigos para pisotearem as uvas. “Tem que ser amassada com o pés porque é na casca da uva que estão os ingredientes mais importantes do vinho” — ensina seu Manuel, que este ano produziu cerca de 17 mil litros da bebida.


 


Se vinicultura já é quase um segredo no Grande ABC, produzir vinho do Porto é raridade ainda maior. Só pode ser considerado do Porto a bebida da região demarcada no Norte de Portugal. O português que chegou ao Brasil em 1958 quebra convenções e regras. Surpreende com seu Porto de graduação alcoólica entre 18 e 23 graus graças ao acréscimo de álcool vínico. “Tem gente com vergonha de dizer que amassa a uva com os pés, mas isso é turístico porque é diferente. É o que pode atrair muita gente” — conta seu Manuel, ao lado da foto de seu time predileto, obviamente o Futebol Clube do Porto.


 


Seu Manuel e Aldo Rosa e seus produtos podem ser combinados em projeto maior, junto com os outros vinicultores artesanais de São Bernardo. Sem qualquer intenção de competir com circuitos vinícolas europeus, uma Rota do Vinho do Grande ABC poderia unir tradição, paladar e lazer, aliada a um fator estratégico — a proximidade com a Capital. No Brasil há 11 rotas de visitação de vinícolas, do Rio Grande do Sul ao Vale do Rio São Francisco, no Nordeste. Cidades como Jundiaí e Vinhedo, onde já existiu a produção de uvas, também começam a organização de produtores artesanais com a mesma história e tradição dos vinicultores do Grande ABC. “É importante uma estrutura como essa cooperativa de vinicultores. Para movimentarmos alguns projetos, sabemos que já existe capital social disponível” — afirma a gerente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) de São Bernardo, Silvana Pompermayer, que já discute com a Prefeitura o mapeamento das atividades artesanais da cidade com vistas a pequenos empreendedores.


 


No Distrito do Riacho Grande, também em São Bernardo, Prefeitura e Sebrae estão organizando produtores artesanais no Projeto de Desenvolvimento do Turismo Receptivo. Entre as metas do programa estão a criação de um guia turístico e uma agenda de eventos. Com população em torno de 50 mil pessoas, o Riacho Grande contempla área de 200 quilômetros quadrados, o que corresponde a cinco vezes à soma da extensão de São Caetano e Diadema. A maior parte do território é banhada pela Represa Billings. A principal atividade turística é a pesca, sem valor agregado significativo. O principal evento regular do distrito é a chamada Feirinha do Verde, conjunto de 130 barracas organizadas por entidades assistenciais e que reúne de plantas a brinquedos importados.


 


O subprefeito do Riacho Grande, Ramos de Oliveira, quer dar caráter mais artesanal à feira com 70 barracas de produtos produzidos no distrito, como os vinhos de Aldo Rosa, além de queijo, manteiga e cachaça. Com cerca 70 litros de leite tirados semanalmente de uma única vaca, o empresário José Benedicto Martins pode garantir acréscimo no faturamento do parque Manacá Brasil, que há um ano explora o lado radical do Riacho Grande com práticas como arvorismo e tirolesa. “Vender queijo e manteiga reforça o perfil ligado à natureza que pretendo imprimir ao negócio de esporte e lazer no parque” — aposta José Benedicto. Outro empreendedor que ajuda a mostrar o lado bucólico e interiorano do Grande ABC é André Luiz Martins. Ele produz anualmente cerca de oito mil litros de cachaça de alambique, vendida na loja Antiguidades do Senhor Luiz, gerenciada há 40 anos pelo pai de André, Luiz Martins. “Como temos o antiquário, o pessoal acaba comprando a bebida. Vendemos vários tipos, casos das pingas mineira branca e amarela, da bananinha, da coquinho e da de mandioca” — conta André.


 


Nos planos do subprefeito Ramos de Oliveira está a organização de eventos temáticos com produtos do distrito. “Queremos criar um festival do queijo e vinho no inverno, quando a frequência dos turistas é menor” — afirma Ramos. O esforço do administrador do Riacho Grande em potencializar o até agora pouco aproveitado turismo regional não é ato isolado.


 


Na mesma trilha está o secretário de Desenvolvimento Econômico de Ribeirão Pires, Marcelo Menatto. No mês passado ele ficou assustado com o potencial do Festival do Chocolate, que organizou com 15 produtoras artesanais. No primeiro dos três finais de semana do evento, cerca de 20 mil pessoas consumiram toda a produção. As chocolateiras conseguiram pagar o investimento com o faturamento da primeira semana do festival, que custou R$ 120 mil à Prefeitura. O público representa um quinto da população da cidade que começa a buscar formas de ancorar a condição de estância turística, até agora pouco valorizada. “Recebemos do Dade (Departamento de Apoio e Desenvolvimento das Estâncias), órgão do governo do Estado, por volta de R$ 1 milhão por ano, mas precisamos fazer algo do ponto de vista empresarial. No caso da produção artesanal, existe simbolismo que combina com o perfil da cidade” — afirma o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Ribeirão Pires, Marcelo Menatto. Ele pretende implementar ambiente de montanha nos empreendimentos turísticos. Nos planos do secretário estão a construção de um portal em estilo alpino na entrada do Município, na divisa com Mauá, além de duas incubadoras de empresas, uma para chocolateiras e outra para o setor de malhas. “Nossa meta é criar uma marca que associe a cidade ao chocolate e às malhas. Esse é o turismo regional” — garante o secretário.


 


Outro executivo público preocupado com o turismo no Grande ABC é o subprefeito de Paranapiacaba, em Santo André, João Ricardo Caetano, com significativa experiência no assunto. O distrito organiza há cinco anos o Festival de Inverno que, este ano, reuniu cerca de 70 mil pessoas. “O festival se insere na estratégia de recuperar Paranapiacaba para o turismo. Antes do festival não tínhamos estrutura nem segurança. Não havia banheiros e quem se aventurava pelas trilhas corria o risco de ser assaltado” — explica João Ricardo.


 


No esforço de recuperar a imagem do distrito, a Subprefeitura começou a estimular os chamados ateliês-residências, casas de moradores locais que faziam artesanato e trabalhos como escultura e pintura. Outra iniciativa foi incentivar a criação de cooperativa de costureiras que fazem roupas e bolsas com retalhos. Todos os produtos são comercializados no festival. Pesquisa da Prefeitura feita no ano passado registrou que 60% dos frequentadores do evento vieram da Capital. “A proximidade com a Capital nos abre um grande mercado. Temos que organizar essa estrutura de eventos regionais para que não exista competição, mas sim iniciativas complementares. Dessa forma será possível avançar nos próximos anos” — prevê João Ricardo.    


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