"Retornar à fábrica e caminhar pelos mesmos pátios internos cobertos de mato e lixo e observar apenas as velhas estruturas de ferro, sem telhas e paredes laterais, vazias, praticamente no Centro de Santo André, neste crepúsculo de milênio. Pois essa experiência foi vivida, mês passado, pelo sindicalista e memorialista Philadelpho Braz. A emoção tomou conta do seu coração”.
A transcrição da coluna do memorialista Ademir Medici publicada no Diário do Grande ABC de 8 de junho de 2000 abre a dissertação de mestrado em Administração de Jefferson José da Conceição, defendida em 2001 no Centro de Pós-Graduação do Imes (Centro Universitário de São Caetano). O tema: As Fábricas do ABC no Olho do Furacão -- As Indústrias de Autopeças e a Reestruturação da Cadeia Automotiva nos Anos 90. Trata-se de um mergulho na reviravolta da indústria de autopeças no Grande ABC na década de 90 e que foi reapresentada em dezembro último na Agência de Desenvolvimento Econômico.
Embora seja o pedaço do território brasileiro que mais sangrou com a abertura comercial da década passada e que pegou de sopetão um parque industrial francamente defasado em métodos de produção e em qualificação profissional, o Grande ABC passa longe de estudos acadêmicos aprofundados. O mestrado do economista Jefferson da Conceição é exemplar raro na produção das universidades da região que mantêm programas de pós-graduação em nível strictu sensu (que titulam mestres e doutores) ou lato sensu (que forma especialistas).
Entre as pesquisas trabalhadas, pouquíssimas se dedicam a assunto que parece não ter lugar na agenda de políticos do Grande ABC e de dirigentes empresariais e que LivreMercado denuncia com frequência há 13 anos: a desindustrialização na forma de desconcentração da produção, fechamento de plantas ou simplesmente fuga de indústrias para o Interior de São Paulo e outros Estados. Um processo que só na indústria da região extinguiu 142.890 empregos formais entre 1985 e 2000 -- equivalente a 18,4 unidades como a da General Motors de São Caetano, como constatou LivreMercado na edição de janeiro passado. Apenas no governo Fernando Henrique Cardoso de 1995 a 2001, o Grande ABC viu escoar pelo ralo 34% de seu PIB medido pelo Valor Adicionado do ICMS (referência de riqueza produzida), como apurou LivreMercado em outra análise histórica.
Uniforum ABC
A atenção superficial da academia ao parque econômico do Grande ABC é reconhecida por vários dirigentes educacionais e motivou inclusive o principal foro de estudos da regionalidade -- a Agência de Desenvolvimento Econômico -- a chamá-los para os quadros do organismo. Oito universidades filiaram-se recentemente à Agência com o propósito de auxiliar nas pesquisas e nos projetos de revitalização do Grande ABC.
No curto prazo a idéia é dar um corpo único aos dispersos bancos de dados na região e estimular a pesquisa socioeconômica entre professores e alunos. A médio prazo há outro importante objetivo no centro do alvo: rever os currículos escolares, que formam alunos para profissões ou realidades não mais existentes no Grande ABC. Não é por outro motivo que as mesmas universidades se mexem para lançar neste fevereiro o que batizaram de Uniforum ABC -- Fórum do Grande ABC para o Ensino Superior. Além da qualidade da educação, estão na agenda iniciativas conjuntas com governos locais, empresários e agentes sociais, como antecipa uma das idealizadoras do projeto, Amália Gomes, da Universidade Metodista.
Apesar da falta de números comparativos entre a pesquisa acadêmica sobre desindustrialização e outras sobre assuntos que variam da discussão do sexo dos anjos até experiências em biotecnologia, é fácil verificar como economia regional ocupa poucas discussões nos bancos universitários.
Dos 187 trabalhos inscritos na 1ª Mostra Universitária de Santo André promovida no final de 2001 pelo projeto Cidade Futuro, da Prefeitura, que reuniu monografias, dissertações e teses de estudantes e professores de Ensino Superior do Grande ABC, apenas 13 se dedicavam ao eixo desenvolvimento econômico. Destes, somente cinco versavam sobre geração de empregos e estímulo à criação de novas indústrias: a Fundação Santo André produziu trabalhos sobre Crescimento Econômico Através do Desenvolvimento Tecnológico e Estimativas Sobre as Possibilidades de Geração de Emprego no Grande ABC e Região Metropolitana de São Paulo. A Uni-A encaminhou três: Incentivo Fiscal para Pequenas Empresas de Santo André, Geração de Empregos, Melhoria de Renda e Trabalho, e O Desenvolvimento do Perfil do Empreendedor Para Microempresas do Grande ABC.
Assim como setores da sociedade com poder de decisão passam ao largo de um debate vigoroso sobre evasão industrial, as universidades não foram estimuladas a dar ao tema a devida importância. Recentemente mais quatro empresas tradicionais da região anunciaram que estão indo embora: Gráfica Bandeirantes, Ferro Enamel, Meto Brasil e Gráfica Probus. Os anúncios vêm na esteira do rebaixamento do Grande ABC de terceiro para quarto lugar no Índice Nacional de Potencial de Consumo em 2002, da Target Marketing e Pesquisas.
A debandada industrial, somada à forte reestruturação das empresas que ficaram, também está na raiz do tombo da classe média regional. Mas só LivreMercado esquadrinhou os números do Ministério do Trabalho e aprofundou a pesquisa -- transformada em Reportagem de Capa de dezembro último -- ao mostrar que estão reduzidos à metade nossos privilegiados trabalhadores com rendimentos em carteira acima de 20 salários. Eram 11,85% da massa de trabalhadores do Grande ABC em 1995 e ao final de 2001 não somavam mais que 5,57% do total. De 60 mil, não passam de 29 mil assalariados com contra-cheques acima de R$ 4.001.
Um passeio virtual pelos sites dos principais estabelecimentos de ensino que oferecem pós-graduação em Administração ou áreas correlatas mostra que há ênfase na formação de especialistas, mestres e doutores para organizações empresariais, mas muito pouco sobre a realidade econômica regional.
A Umesp (Universidade Metodista) oferece cursos de especialização em Administração Financeira, Controle e Gestão, Gestão de Marketing Internacional, Gestão de Recursos Humanos e Psicologia Organizacional, Gestão Empresarial, Marketing e Mercado Financeiro e de Capitais. O mestrado tem área de concentração focada no comportamento e em processos organizacionais. Entre as pesquisas realizadas constam temas como Qualidade de Vida no Trabalho: Um Estudo Sobre Sua Prática em Empresas de Autopeças do ABC, além de Os Indicadores Comerciais das Empresas Que Operam Sob as Normas do Mercosul e Seus Impactos Socioeconômicos no ABC. Também figuram assuntos mais light como O Feminino Nas Organizações: A Mulher Executiva.
Coordenador do programa de Mestrado em Administração da Umesp, Getúlio Akabane acredita que a universidade está saindo do seu âmbito e abrindo canal de comunicação com a comunidade externa ao colocar o foco na especialização para um mercado de trabalho em mutação e cuja empregabilidade requer atualização profissional constante. “Além disso, abrigamos pesquisas que, apesar de não abordarem diretamente a questão da evasão industrial, têm o tema como pano de fundo” -- ressalta. Entre os trabalhos ele menciona os voltados para tendências regionais como formação de cooperativas, bem como estudos que abordam a mudança do panorama industrial do Grande ABC para um cenário de prestação de serviços.
Falta massa crítica
A pós-graduação do Imes (Centro Universitário de São Caetano) é composta de duas áreas. Uma trata de Gestão Empresarial, com linhas de pesquisa sobre gestão de pequena e média empresa e fatores de competitividade empresarial. Outra aborda Regionalidade e Gestão, focada em políticas sociais e desenvolvimento regional, gestões de governo, sociedade e cidadania. Luiz Roberto Alves, coordenador do Laboratório de Regionalidade e Gestão, extensão do Centro de Aperfeiçoamento e Pós-Graduação responsável por aprofundamento de dados e produção de análises sobre o Grande ABC, diz que não há entre os 20 pesquisadores nenhuma dissertação específica sobre evasão industrial na região. Eles pesquisam sobre indústria, recursos humanos, coleta seletiva de lixo, enfim, questões regionais também relevantes, abordando até a desindustrialização, mas não como foco principal.
O coordenador do Ceapog afirma que os dados levantados pelo Imes permitem o que chama de leitura metonímica da realidade regional em profunda modificação para um bom leitor científico, partindo da interpretação de trechos para entender o todo. Mas acha insuficiente. “Precisamos criar uma rede regional que envolva todas as universidades locais no objetivo de promover pesquisas em economia, trabalho e cultura. Não cultura do ponto de vista do entretenimento e sim da política regional, gerando massa crítica para o discurso político” -- defende, parafraseando o prefeito morto Celso Daniel, que num seminário realizado em dezembro de 2001 no Imes, com menos de 20 pessoas presentes, lhe teria dito, entristecido: “Realmente, ainda não temos massa crítica para pensar a região”. Segundo Luiz Roberto, uma vez constituída a rede, os grupos de trabalho poderão obter recursos junto a órgãos fomentadores de pesquisa, como a Fapesp. E poderá ser ampliada gradativamente até uma abrangência em nível metropolitano.
Para o coordenador do Ceapog do Imes, as universidades precisam se aproximar mais dos problemas da comunidade. Prestar atendimento dentário a preço simbólico ou gratuito em ambulatórios universitários, entre outros programas de extensão, são insuficientes diante do contexto atual. “Nossas universidades precisam reformular as linhas de pesquisas. Estamos formando pós-graduados para um processo produtivo que não existe mais há pelo menos 20 anos. Não podemos continuar pensando apenas nas corporações privadas. É preciso pensar também no espaço público” -- diz, advertindo para o risco que essas instituições correm de estar preparando mestres e doutores para operarem os caixas dos supermercados que não param de substituir as grandes indústrias que se foram.
A Uni-A (Centro Universitário de Santo André), com cursos de especialização em Administração de Recursos Humanos, Administração de Marketing, Gestão Empresarial e Financeira, Administração de Produção e Administração de Empresas, é uma das instituições que acenam com algumas iniciativas. Instituiu em 2002 programa para alunos do segundo, terceiro e quinto semestres de Comércio Exterior. O objetivo é discutir os entraves brasileiros no comércio internacional tendo o Grande ABC como case de estudo e demonstrar que o potencial inexplorado de exportação das pequenas e médias empresas poderá contribuir de forma significativa para reduzir os problemas econômicos e sociais da região. De acordo com Antonio Nelso Ribeiro, coordenador do curso de Comércio Exterior, os alunos formulam propostas a partir de levantamento de dados sociais e econômicos dos municípios em empresas e órgãos públicos.
“As universidades em geral estão restritas ao campo acadêmico, longe da problemática da comunidade ao redor” -- opina Antonio Ribeiro. Daí a urgência, a seu ver, de investimentos em programas econômicos articulados com o perfil de cada cidade do Grande ABC e em políticas de estímulo à instalação de indústrias tecnológicas levando em conta os recursos logísticos existentes na região, como a malha viária e a proximidade com o Porto de Santos, além do prometido trecho sul do Rodoanel.
Além das pesquisas, o programa da Uni-A promove seminários periódicos. Exemplo é o Propostas de Novos Caminhos Para o Grande ABC, realizado em meados do ano passado. Na ocasião foram apresentadas duas palestras. Uma sobre novos caminhos para pequenas e médias empresas participarem do comércio internacional e que teve como palestrante Eduardo Martins da Cruz, presidente do Dry Port São Paulo. A segunda, sobre Novos Caminhos Para a Solução Econômica e Social do ABC, foi alinhada com a leitura do livro Complexo de Gata Borralheira do jornalista Daniel Lima, que fala sobre o sentimento de inferioridade da região em relação ao poderio econômico da Capital paulista.
Deseconomias
Em sua dissertação-mestrado apresentada no Imes sobre a cadeia automotiva, o economista Jefferson da Conceição aborda o peso dos custos de produção gerado por deseconomias de aglomeração no Grande ABC (salários elevados, impostos locais, restrições de infra-estrutura, preços dos terrenos e regulamentação fundiária) nas decisões locacionais das empresas. Em uma amostra de 200 estabelecimentos, o pesquisador aponta o fechamento de 42. Isso implicou em redução de 25 mil postos de trabalho, ou 48,5% do total, entre 1989 e 1999. Jefferson fundamentou a tese de que a reestruturação do parque industrial de autopeças do ABC nos anos 1990 guardou relação com diversos fatores.
O primeiro refere-se à nova estratégia microeconômica das montadoras para a cadeia supridora de peças e componentes que envolve, entre outros aspectos, compra e cotação em escala mundial, modularização do fornecimento, hierarquização, aproximação física e redução de fornecedores. O segundo é relativo à liberalização das importações no início da década, que escancarou o mercado interno às autopeças globais enquanto preservava as montadoras com rebaixamento gradual de alíquotas para os carros.
Jefferson sugere ao final que, para revitalizar a região, é necessário reforçar os pontos fortes -- que ele acredita estarem no know-how industrial acumulado, na localização entre o principal mercado consumidor e o maior porto do País, na concentração de empresas que ajudaria a reduzir custos de transação e facilitaria processos cooperativos, além da estrutura institucional formada por Câmara Regional, Consórcio de Prefeitos e Agência de Desenvolvimento Econômico.
O economista não deixa de alertar, entretanto, para os pontos fracos do Grande ABC, entre os quais o histórico baixo grau de cooperação, o esgotamento da infra-estrutura física de transportes, o custo da água e energia, os baixos índices de escolarização dos trabalhadores e a queda da qualidade de vida.
Se instituições de Ensino Superior da região ainda não aprofundam a pesquisa científica sobre desindustrialização, sugerindo alternativas para estancar e reverter o processo, tampouco o fazem as grandes universidades estaduais, que abrigam linhas de pesquisas em todos os campos do conhecimento humano. Segundo a assessoria do Departamento de Economia da Faculdade de Economia e Administração da USP, não há em andamento nenhum projeto específico sobre o tema.
Veja alguns trabalhos do banco de teses e dissertações defendidas na Universidade de São Paulo e em outras instituições, a maioria carregada de teorias e pouco aprofundamento prático:
A incapacidade do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC de acompanhar as mudanças econômicas e produtivas da região desde a década de 1980, mantendo a atuação direcionada para trabalhadores das grandes indústrias -- especialmente do ramo automotivo --, e a consequente fragmentação da categoria foram o tema da dissertação de mestrado À Margem do Sindicato: Os Metalúrgicos das Pequenas Empresas e o Novo Sindicalismo no ABC “Os sindicatos, em geral, não promoveram ações favoráveis à nova base de trabalhadores das pequenas empresas da região surgida nos anos 90” -- escreve o autor Maurício de Sousa, que defendeu a tese em abril de 2002 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
As Transformações Econômicas no Grande ABC de 1980 a 1999, dissertação de mestrado defendida por Roberto Vital Anau em junho de 2001 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, toma como base pesquisa de dados referentes ao Valor Adicionado, nível de emprego, admissões e desligamentos de pessoal nas décadas de 1980 e 1990. O estudo indica a produtividade do trabalho a partir do grande enxugamento de recursos humanos e o incremento da geração de Valor Adicionado por empregado. O levantamento mostra que os critérios de empregabilidade tornaram-se fortemente restritivos no Grande ABC, descartando trabalhadores de ocupações industriais tornadas obsoletas, de faixas etárias mais avançadas, baixa escolaridade e do sexo masculino. A pesquisa constata a precarização das condições de vida de setores populacionais mais frágeis diante do novo padrão empregatício, refletindo-se na queda dos indicadores sociais do Grande ABC. Roberto Anau menciona a articulação regional que culminou com a criação da Câmara Regional em 1997, mas não entra no mérito desse processo institucional. O estudo sugere alguns eixos para a recuperação social e econômica da região, indicando ao mesmo tempo os limites de tais empreendimentos na presente etapa histórica.
O consenso de que a queda da ocupação na indústria representa grave problema motivou a dissertação Os Determinantes do Emprego na Indústria Paulista Entre 1975 e 1995, defendida em março de 1998 na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Segundo o autor Ronaldo Koji Yamasaki, a preocupação foi analisar o comportamento do emprego industrial, especificamente no Estado de São Paulo no período de 1975 e 1995. Os resultados enfatizam os papéis relevantes desempenhados pela demanda e pelo efeito hysteresis durante o período, enquanto que o salário real não pareceu ser um componente muito significativo.
Investigar as características ambientais de São Caetano, Município com indicadores sociais e econômicos estabilizados que enfrenta a mais pronunciada transformação espacial da região em função da mudança de perfil econômico. Esse é o pano de fundo da dissertação de mestrado A Percepção Visual de Um Urbano em Transição: o Caso de São Caetano, de Ênio Moro Júnior, defendida em março de 1999 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Nem Terceirização Nem Evasão Industrial -- A Economia de Santo André 1988/1995, dissertação de mestrado em política econômica defendida em 1996 na Universidade Federal Fluminense por Miguel Heredia de Sá.
Reflexões Sobre a Desconcentração Industrial em São Paulo, de Oscar Osvaldo Frick. Tese de doutorado em Economia pela Faculdade de Economia e Administração da USP defendida em 1991.
Planejamento Econômico Local, Desenvolvimento e Participação Social: a Experiência das Cidades do ABC Paulista, tese de mestrado em economia pela PUC-SP defendida em 1999 por Edgar da Nóbrega Gomes.
A Questão Regional Brasileira Pós-1980: Desconcentração Econômica e Fragmentação da Economia Regional, tese de doutorado em economia defendida por Carlos Américo Pacheco em 1996, no Instituto de Economia da Unicamp.
Do Fordismo à Produção Flexível: A Produção do Espaço num Contexto de Mudança das Estratégias de Acumulação do Capital, tese de Adriano Botelho defendida em dezembro de 2000 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Crise e Ajuste da Indústria da Grande São Paulo 1980/1993: Um Estudo de Caso da Região do ABC: dissertação de mestrado defendida em 1994 na Unicamp.
Mestre em regionalidade
Geógrafo e professor de História e Geografia do Trevo Master, o andreense Josué Catharino Ferreira descobriu pelas portas dos fundos como se deram as transformações econômicas que acompanhava nos anos 90 na cidade onde nasceu, mas que poucos se dedicavam a analisar: precisou recorrer ao banco de dados da USP (Universidade de São Paulo), na Capital. Josué pretendia defender trabalho de graduação sobre as mudanças que observava com a saída de grandes indústrias de Santo André e a festejada chegada de redes varejistas. Mas não encontrou absolutamente nada nas prefeituras nem nas universidades da região, onde acreditava estarem as fontes mais óbvias de informações.
“Primeiro foi muito difícil encontrar obras acadêmicas que tratem do tema evasão industrial. Depois, foi um problema obter dados econômicos atualizados na Prefeitura, que não divulga informações alegando questões sigilosas. Nossos acadêmicos ficaram à margem do problema, aliás, pela omissão durante anos do Poder Público no trato da questão” -- considera o professor, que tirou nota 10 na tese Santo André Em Novo Perfil: Da Fábrica ao Supercenter, concluída em meados de 1999 e defendida no início de 2000 junto ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Foi nessa época que o geógrafo tomou mais contato com LivreMercado e começou a acompanhar detidamente as análises históricas da revista sobre regionalidade e desindustrialização. Era tudo o que queria para fazer frente às portas estreitas dos poderes públicos do Grande ABC sobre o tema e transformar a desindustrialização em outra tese universitária, agora de pós-graduação. “Quando as autoridades fizerem um mapeamento detalhado das indústrias que saíram ou fecharam, não teremos só evasão, mas um quadro consolidado de desindustrialização. A devastação do nosso parque foi muito grande” -- lamenta Josué, que está se subsidiando também em literatura britânica e norte-americana para a nova titulação acadêmica. Essas regiões passaram pela mesma reestruturação econômica do Grande ABC e definiram como conceito mundial de desindustrialização quando há queda relativa ou absoluta da produção e dos empregos fabris -- exatamente o que ocorre na região e que muitos metaforizaram como desconcentração industrial e interiorização do investimento.
Dependência
O professor reviu, aliás, o próprio entendimento otimista que deu à tese de graduação, segundo a qual as grandes logomarcas do varejo substituiriam com louvor as fábricas que se foram. “A indústria é a grande geradora de riqueza e renda, pois paga melhores salários e arrecada mais. Sem indústria, não haverá consumidor para tantos centros de compras erguidos na região” -- avalia esse andreense de 37 anos, que enfrentou a falta de literatura regional fazendo levantamento pessoal das indústrias que marcaram sua infância e deixaram Santo André. Numa lista de 50 nomes, enumera, por exemplo, Arames Cleide, Casa Publicadora Brasileira, GE, Swift-Armour e Emulzint. “Tínhamos antes um parque mais diversificado. Agora, além de dependermos somente dos setores automotivo e petroquímico, perdemos força em vocações tradicionais como têxteis e metal-mecânico” -- cita, referindo-se a dados da Prefeitura de Santo André divulgados em LM de julho último e que mostram a queda do principal imposto industrial, o ICMS. Só em Índice de Participação dos Municípios no ICMS do Estado, Santo André desceu de 2,59% do bolo em 1989 para 1,55% em 2001. No Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande, a base somava 50 mil trabalhadores no início dos anos 90. Hoje são menos de 18 mil.
Josué Catharino Ferreira tem um sonho como geógrafo e professor de História e Geografia: especializar-se em regionalidade dentro da globalização e ser um multiplicador desse conhecimento. “Poucas escolas ensinam sobre onde moramos” -- diz ele, um dos primeiros professores a levar para discussão em sala de aula o livro Complexo de Gata Borralheira, do jornalista Daniel Lima. Como acadêmico, Josué quer tirar do economista Paul Singer e do professor Jurgen Langenbuch, ambos da USP, os títulos de melhores autores, a seu ver, sobre o Grande ABC pré-globalização. Singer escreveu em 1968 Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana, antecipando as deseconomias de escala das metrópoles, e em 1971 Langenbuch saiu-se com A Estruturação da Grande São Paulo.
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