Oito anos após ter preparado o que chamei de “Decálogo de Desenvolvimento Econômico” voltado à Província do Grande ABC, sabem os leitores qual seria a nota final tendo como critério o mesmo peso para cada um dos 10 enunciados? Zero, zero, zero, zero. Uma infinidade de zeros. Redescobri o “Decálogo” no feriado desta quarta-feira quando, como sempre em situações análogas, dei continuidade ao que chamarei de limpeza seguida de transferência de parte de arquivos profissionais que ainda estão em minha residência. Estão em menor volume e quase já se esgotaram, porque estou concentrando tudo em meu escritório, pela facilidade de consulta, embora continue a dar metade do expediente em meu domicílio, no período matutino.
O Decálogo de Desenvolvimento Econômico é resultado de observações críticas à frente da revista LivreMercado, e também em fases anteriores, de Diário do Grande ABC e da Agência Estado. Reler aquele material de forma crítica e chegar à constatação de que nada, absolutamente nada, foi efetivado, é mais que uma lástima -- é uma frustração enorme.
O título deste texto como todos os títulos de todos os textos de qualquer veículo de comunicação minimamente organizado é um título escravizante, porque devo obedecer a um número limite de caracteres para sintetizar o que pretendo transmitir aos leitores. Fiquei na dúvida se o adjetivo “estático” era o mais apropriado à baixa institucionalidade regional. O decálogo é, mais que qualquer outra coisa, um desafio às entidades municipais e regionais. “Estático” expressa a fragilidade regional em lidar com questões vitais ao desenvolvimento econômico. Até porque, induz a uma conclusão insidiosamente triste: na medida em que estamos parados como postes, nossos concorrentes nos dão surras sobre surras, como, aliás, temos mostrado na série de matérias que abordam nossa realidade quando confrontada com os principais endereços municipais do Estado, tudo albergado no G-20, o agrupamento que criei para que não ficássemos admirando o próprio umbigo.
Para encurtar, vou reproduzir o Decálogo de Desenvolvimento Econômico exatamente como foi publicado na edição de agosto de 2006 de LivreMercado. Só vou me permitir breve comentário na sequência de cada enunciado.
1. Profissionalização do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos com a coordenação de um executivo de reconhecida experiência em questões metropolitanas. Prefeitos passariam a formar um Conselho de Gestão. Representantes dos governos locais, empresários, sindicalistas e membros da sociedade comporiam o Conselho Consultivo.
Resultado -- Os prefeitos seguem com o manjadíssimo revezamento à frente do que passei a chamar de Clube dos Prefeitos. O prefeito de plantão, ou seja, que está ocupando a presidência do organismo, dá mais tempo na agenda à função, enquanto os demais refluem. Sempre foi assim. Um profissional do ramo, que atuaria como primeiro-ministro, é uma alternativa de profissionalização que o instinto de sobrevivência dos políticos não suporta, mesmo que se elevem as perspectivas de ganharem muito mais visibilidade com resultados a proclamarem.
2. Contratação de consultoria especializada em competitividade para reorganizar todo o sistema econômico do Grande ABC, de modo a enfrentar o mundo globalizado sem perda de tempo.
Resultado – Seguimos à espera de improvável queda da ficha do pragmatismo de que somente um grupo de profissionais sem comprometimento político-partidário e municipalista poderia esquadrinhar a realidade econômica da região e, a partir daí, definir medidas que se estenderiam ao longo dos tempos, estabelecendo-se prioridades associadas a uma cronologia de ações que incentivassem resultados.
3. Definição de cronograma para reduzir gradualmente as despesas com os legislativos locais a níveis dos melhores indicadores das cidades mais importantes do Estado. A conta de chegada para a aferição de reforma de custo dos legislativos é simples: a divisão das despesas gerais, incluindo salários dos vereadores, pela população do Município.
Resultado – Nossos legislativos gastam além da conta. E, como seus representantes são espertos, fazem proselitismo com eventuais devoluções de recursos ao final de cada temporada, como se pautados por austeridade. Nada mais enganoso: o dinheiro é que é excessivo demais. Há dezenas de exemplos no Interior do Estado que poderiam ser seguidos, eliminando-se série de mordomias. Praticamente inúteis, porque não passam de caixas de ressonância dos prefeitos de plantão, os legislativos poderiam servir de exemplo a novos tempos de comedimento.
4. Formação de um conselho regional com representantes governamentais, não governamentais e econômicos para gerar e impulsionar políticas de potencialização do sistema de segurança pública, cuja ressonância atingiria principalmente os governos estadual e federal.
Resultado – Poucos se deram conta que segurança pública é item obrigatório manual de competitividade municipal e regional. A Província do Grande ABC é exageradamente elástica em criminalidade, sobretudo nos quesitos de roubo e furto de veículos. Sem contar que as estatísticas não identificam o ambiente pesado principalmente nas periferias entregues a controladores informais da qualidade de vida, suplantando largamente as instâncias policiais. Quem propagar que a Província do Grande ABC é um lugar seguro para trabalhar e morar provavelmente se faz de autista. Basta deitar os olhos em direção ao Interior mais competitivo para se compreender a diferença.
5. Utilização de parcelas relativamente pré-definidas do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) para execução de planejamento e projetos de valorização das atividades de comércio e serviços de forma descentralizada, principalmente para fortalecer pequenos e microempreendimentos.
Resultado – As administrações municipais são incapazes de criar medidas que construam relação com agrupamentos formados por bairros próximos, de modo a direcionar investimentos de acordo com as respectivas arrecadações de tributos próprios dessas áreas. Cada conjunto de bairros é visto de forma difusa em meio à unidade do próprio Município e os recursos orçamentários eventualmente aplicados não seguem diretriz de eficiência porque não existe microprojetos a guiar as decisões. Os pequenos negócios continuam entregues à própria sorte, em combates cruéis com os grandes empreendedores.
6. Reorganização conjunta do Grande ABC à ocupação e reocupação de espaços físicos que jamais foram objeto de investimentos produtivos ou que sobraram como péssima lembrança da evasão industrial.
Resultado – Atire a primeira pedra qualquer um dos atuais prefeitos ou prefeitos que já passaram pela Província do Grande ABC (exceto Celso Daniel com o Eixo Tamanduatehy) que tenha preparado algo no sentido de tomar por completo a geografia do território pelo qual foi eleito e se debruçado para definir plano de ação voltado ao dinamismo econômico. Algumas ações pontuais só confirmam a sentença de morte à improvisação.
7. Constituição de grupo especial que tratará especificamente da indústria automotiva, com a participação de representantes de governos locais, estadual e federal, executivos, empresários e sindicalistas.
Resultado – O Ministério das Montadoras e o Ministério dos Sindicalistas são mundos à parte da Província do Grande ABC. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso os sindicalistas da região foram enxotados, mas na última década, com o governo petista, nadam de braçadas, como sempre nadaram as montadoras de veículos. Não há interesse tanto das lideranças sindicais quanto das montadoras instaladas na região em dividir o bolo de institucionalidade. E nem existe massa crítica da sociedade regional para mudar as regras de um jogo mais que manjado.
8. Elevar o Rodoanel e o Ferroanel a patamares de providenciais estruturas de transporte, impedindo-se a possibilidade mais que viável de tornarem-se modais prevalecentemente de passagem de riqueza pela geografia do Grande ABC, como ocorreu ao longo da história com a rede ferroviária.
Resultado – O trecho sul do Rodoanel é o caminho mais curto para a Baixada Santista. Os ganhos de produtividade e eficiência logísticas da Província do Grande ABC são pulverizados pela enrascada da mobilidade urbana interna porque há apenas três pontos de intersecção que ligam a região ao traçado dessa obra do governo estadual. O Ferroanel ainda não saiu do papel.
9. Mobilização junto às instâncias estadual e federal para reforço de finanças de municípios locais de acordo com a participação territorial no contexto da Lei de Proteção dos Mananciais.
Resultado – Estamos muito longe de qualquer benefício financeiro razoavelmente substantivo para iniciar uma reviravolta do conceito de sustentabilidade ambiental a partir da redução do grau de deterioração dos mananciais da região.
10. Extensão de ações sistêmicas de empresas do Polo Petroquímico do Grande ABC para o conjunto de interesses econômicos e sociais de Santo André e de Mauá, municípios altamente dependentes dos tributos dessa atividade econômica de modo a que a cadeia de terceira geração de transformadores plásticos contribua para a geração de mão-de-obra intensiva.
Resultado – A Província do Grande ABC jamais formatou e executou plano que extraísse resultados coletivos do sortilégio econômico de contar com um polo petroquímico pouco gerador de empregos nas empresas-mães, mas multiplicadores de postos de trabalho na cadeia de produção praticamente desconhecida e inexplorada. Pouco se sabe sobre as ramificações econômicas do Polo Petroquímico. Diagnósticos realizados há mais de uma década, quando Celso Daniel dirigia o Clube dos Prefeitos, não tiveram sequência após a morte do então titular do Paço de Santo André. Uma disputa política em torno de quem sediaria o que se convencionou chamar de Polo de Moldes, entre Mauá e Diadema, teve como desfecho, nas águas da dispersão de gerenciadores públicos sempre preocupados com a próxima eleição, uma perda dupla, sem efetividade da proposta. A cadeia do plástico da Província do Grande ABC é um quarto escuro no qual alguns supostos especialistas locais, na verdade curiosos, procuram identificar alguns objetos. O setor, vital para a economia regional assim como o parque automotivo, com o qual, aliás, mantém estreita complementaridade, foi solenemente esquecido pelos formuladores do currículo da Universidade Federal do Grande ABC, instituição voltada à formação e exportação de gênios acadêmicos.
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