Economia

Terciário cresce e
indústria perde

DANIEL LIMA - 05/08/2005

Um dos mais resplandecentes pedaços do capitalismo forjado principalmente pela substituição de importações a partir da segunda metade do século passado voltou a contabilizar saldo positivo de empreendedorismo. A reação do Grande ABC interrompe cinco temporadas seguidas de perda de estabelecimentos. Entre janeiro do ano passado e janeiro deste ano, o Grande ABC aumentou em 3,0% o número de unidades industriais e em 24% de terciário — de comércio e serviços. Os resultados não devem precipitar foguetório. Comparando-se com janeiro de 1999, primeiro ano do segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, o Grande ABC registra baixa de 15% de unidades industriais, enquanto o terciário cresceu apenas 1,5%.


 


Não faltam condicionantes para conter o triunfalismo com estatísticas que extraem quantitativamente o número de empreendimentos formais. Já não está tão distante no tempo a coleção de bobagens vociferadas por agentes públicos e privados que fizeram estardalhaço de suposta pujança regional a partir do quadro de empreendimentos manipuladamente anabolizados por entidades de patentes tão variadas quanto suspeitas. A maquiagem coincidiu com o período em que a produção de riqueza industrial da região já revelava cansaço, nos anos 1990 de abertura econômica sem salvaguardas.


 


Segundo o CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) do Ministério da Fazenda, um dos muitos dados consolidados com que trabalha a Target Marketing, empresa paulistana dirigida por Marcos Pazzini, o Grande ABC registrava em janeiro deste ano 70.989 estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços. Em 2004 eram 58.632 estabelecimentos.


 


Discriminadamente, eram 8.061 indústrias em janeiro deste ano e 62.928 do terciário, contra 7.824 indústrias e 50.808 do terciário no ano passado. O confronto com janeiro de 1999 é desfavorável ao setor industrial da região, que contabilizava 9.489 unidades. O terciário contava com números próximos dos deste ano, com 61.961 unidades.


 


Armadilha


 


A quantidade de empreendimentos formais é armadilha perigosíssima quando utilizada para alimentar teorias de desenvolvimento econômico e social deslocadas de outros indicadores e de conhecimento prático do cotidiano. Nem tudo que aparentemente é certeiro em economia deixa de virar emboscada. O Grande ABC é exemplo emblemático. Sobremodo quando o crescimento do setor terciário gera rompantes. Movido à indústria, principalmente automotiva, o Grande ABC de terciário numericamente crescente durante quase toda a década passada chegou à estabilidade e à queda nos últimos anos.


 


A permanente perda de produção industrial do Grande ABC fez desaparecerem da geografia dos sete municípios 39% do Valor Adicionado em oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. A contraface do emagrecimento industrial foi o inchaço de comércio e de serviços. Desempregados da indústria de transformação viraram pequenos empreendedores. O excesso de competição no terciário, onde boa parte dos 100 mil trabalhadores formais demitidos pelas indústrias nos anos 1990 passou a disputar sobrevivência, acabou ganhando cores ainda mais dramáticas com a chegada das grandes redes varejistas. Deu-se conflito de expansão de oferta e serviços e retração da demanda. Nada mais convidativo à multiplicação de negócios de subsistência. Nada mais favorável à mortandade empresarial.


 


O Grande ABC continua incompetente para medir o tamanho dos estilhaços sociais que atingiram e ainda atingem pequenos empreendedores com a chegada de hipermercados, supermercados e, mais recentemente, de pequenos varejistas das grandes redes em diferentes bairros. Por isso, a movimentação de números do setor terciário evocada pelo Ministério da Fazenda requer cuidados. O crescimento de unidades neste ano em relação ao ano passado revela que mais competidores disputam menos potencial de consumo. Nos últimos 12 anos, segundo a Target, o Grande ABC perdeu 27% de participação por conta do esvaziamento industrial. Nem o Grande ABC, nem o Brasil, beneficiaram-se tão extraordinariamente do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro de 4,9% em 2004, depois de praticamente patinar com os 0,5% do ano anterior.


 


Aperto fiscal


 


Além de mais competidores para um universo de quebra histórica de salário e renda no rastro da desindustrialização, o avanço do número de estabelecimentos comerciais e de serviços pode significar que o aperto de agentes tributários tenha retirado da penumbra da informalidade empreendimentos que cederam à legalidade. A elevada densidade empresarial do Grande ABC, onde desemprego industrial virou negócio próprio em apenas 840 quilômetros de território, facilita intensamente os órgãos de fiscalização municipal, estadual e federal. Em resumo, o custo de fiscalização empresarial no Grande ABC é extremamente vantajoso às instâncias legais.


 


Provavelmente a informalidade na economia do Grande ABC seja distinta da média nacional divulgada em maio deste ano pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). As transações não registradas ou informais que circulam na economia brasileira responderam em 2003 por 12,79% do PIB, equivalentes a R$ 193,8 bilhões. Números semelhantes aos do PIB do Chile.


 


O IBGE contabiliza a parcela não registrada da economia no PIB através do que os técnicos das contas nacionais denominam de “total de expansão do produto”. Para tanto, são rastreadas informações não captadas pelas pesquisas estruturais em geral, principalmente atividades ligadas ao grupo institucional “famílias”, como serviços domésticos remunerados, autônomos e microempresas.


 


Ainda segundo o IBGE, as pequenas empresas informais urbanas e que contam com até cinco empregados representavam em 2003 fatia de 6% do PIB, ou cerca de R$ 90 bilhões. Essa parcela corresponde a menos da metade do tamanho da economia informal ou não registrada do País. Pelos cálculos do IBGE, havia 10.335 milhões de empresas informais urbanas em 2003, que representavam 98% do total de empreendimentos do mesmo porte, formais e informais.


 


Embora menos divulgado que o necessário, o conceito de informalidade do IBGE não é exatamente o de domínio público e acadêmico. O IBGE considera informal o fato de a empresa não possuir sistema de contas separado do da família. A empresa pode até ter registro no CNPJ, mas, se a contabilidade misturar-se com a da família do proprietário, é considerada informal. Outra pesquisa, agora do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) diagnostica que para cada empresa formal no Brasil havia outras duas informais em 2003.


 


É compulsório imaginar que, mesmo menos provavelmente atingido pela informalidade, o Grande ABC reúna caudalosa massa de empreendimentos à margem da legalidade. Ao menor movimento de aperto dos agentes fiscais, os estabelecimentos acabam se convertendo ao sadomasoquismo do sistema tributário nacional.         


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