Os dois grandes investimentos anunciados em fevereiro para o Grande ABC ocupam posições diametralmente opostas no espectro produtivo e ajudam a compreender as limitações e as potencialidades econômicas da região. O mega call-center programado pela italiana TIM em Santo André é novidade com ene maiúsculo porque coloca o Grande ABC na rota do terciário de mão-de-obra intensiva, embora de remuneração modesta em relação aos vencimentos dos metalúrgicos. A operadora de telefonia móvel pretende investir R$ 262 milhões e criar 2,5 mil postos de trabalho nos próximos três anos, contingente equivalente a quase uma Bridgestone/Firestone. O complexo de atendimento remoto aos usuários ocupará 30 mil metros quadrados da Pirelli Cabos. O Grupo Pirelli é controlador da TIM.
Já os R$ 500 milhões que a General Motors injetará na produção do novo Vectra são dignos de comemoração, mas não causarão o mesmo impacto socioeconômico porque representam o que pode ser qualificado como investimento de reposição, ou investimento vegetativo: como a versão atual sofre de vendas declinantes e baixa escala produtiva, o remodelamento despontou como única possibilidade de recuperação. Tanto que a GM não prevê boom de contratações por conta da novidade. “Se o novo Vectra ajudar a manter o patamar atual de empregos já estamos no lucro” — considera o vice-presidente José Carlos Pinheiro Neto.
Impulsionada pela liderança de vendas em mercado que bateu recorde histórico de produção no ano passado, a General Motors criou dois mil empregos no Brasil em 2004, dos quais 1,2 mil nas fábricas de São Caetano e São José dos Campos e 800 em Gravataí, no Rio Grande do Sul. O aquecimento provocado principalmente pelas vendas externas é o grande responsável pela geração de postos de trabalho nas montadoras e na cadeia automotiva como um todo.
Especificamente o novo Vectra contribuiu para a contratação de uma centena de profissionais para o centro de desenvolvimento de produtos de São Caetano, já que agregará tecnologia made-in-Grande ABC, em vez de reproduzir o modelo europeu.
Pode ser que após o início da produção, programada para até o final deste ano, a planta mais antiga do País precise incrementar o quadro de trabalhadores. Mas essa perspectiva depende da reanimação do modelo em trajetória decrescente. O Vectra foi lançado em 1994 e teve a última atualização em 1996. Acossado por concorrência mais contemporâneas como Peugeot 307, Sentra, da Nissan, e principalmente o Corolla, fabricado pela Toyota em Indaiatuba — todos na faixa que os executivos chamam de carros médios — o veterano Vectra agoniza vendas de 300 a 400 unidades por mês. Uma gotinha dentro da produção nacional de 2,2 milhões de veículos no ano passado.
A redenção a bordo de upgrades estéticos e de engenharia desponta, portanto, como grande motivo por trás da novidade anunciada pelo chairman e presidente mundial da GM, Rick Wagoner. O principal executivo da maior corporação do planeta visitou a GM de São Caetano no dia seguinte ao encontro com o governador Geraldo Alckmin, quando ficou acertado que a GM poderá aproveitar créditos de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de exportações para abater parte do investimento na produção do novo Vectra. A medida governamental já estimulou a Volks a determinar a produção do Fox Europa na fábrica Anchieta e pesa na balança decisória da Ford, que pode anunciar novo modelo compacto para São Bernardo.
Diferentemente do velho Vectra, restrito ao mercado interno, o novo Vectra é embalado por sonhos de exportações crescentes. Países emergentes são vistos como alvos prioritários para o modelo que, ao incorporar engenharia brasileira, representa alternativa mais acessível à versão européia.
Sobre a continuidade do altíssimo giro das exportações, Rick Wagoner preferiu abordagem realista. Afirmou que o Brasil é competitivo quando comparado aos países da Europa Ocidental de custos inflados pelo euro valorizado. Mas advertiu que a vantagem cai por terra na comparação com China, Coréia e Índia. Poderia ter citado também o Leste Europeu. “O Brasil não é líder em competitividade” — ressaltou.
Parte dos R$ 500 milhões programados para desenvolvimento e produção do novo Vectra seguirá para a fábrica de motores em São José dos Campos. Mais de R$ 100 milhões já foram aplicados na áreas de design e engenharia da GM em São Caetano.
Reposição
O investimento de reposição recém-anunciado pela GM representa espécie de prêmio de consolação para o Grande ABC de custos produtivos mais elevados e é perfeitamente compreensível sob a fria ótica dos negócios. Como é praticamente inviável fechar as portas de fábrica de automóveis, porque o custo financeiro e de marketing social seria demasiadamente elevado, as montadoras do Grande ABC investem o mínimo necessário para manter a forma tecnológica enquanto grandes investimentos em produtos inéditos e com alta geração de empregos são destinados a outras regiões. É como casamento de décadas que se sustenta pelos filhos (funcionários) e pelos altos custos que envolvem uma separação (indenizações por rompimento de contratos), mas consistentemente arejado com deslocamentos mais proveitosos. Além disso, o Grande ABC concentra produtos mais sofisticados e de maior valor agregado para compensar despesas maiores com logística e salários.
A GM é protagonista desse movimento ao projetar mega-investimento de US$ 240 milhões para duplicar a capacidade de produção do Celta. “Serão criados 1,5 mil empregos em Gravataí até o final de 2006” — anuncia o vice-presidente José Carlos Pinheiro Neto.
Quando o plano for concretizado, a fábrica de São Caetano assumirá a lanterna da GM do Brasil em volume produzido. Com 198 mil unidades fabricadas no ano passado, a unidade de São José dos Campos respondeu por 41,2% dos 481 mil veículos que saíram das linhas de montagem da companhia em 2004. São Caetano respondeu por 30,6%, com 147.047 automóveis. A caçula Gravataí cravou 28,3%, com fabricação de 136 mil Celtas.
Se forem agregados os 82 mil kits CKD (sigla em inglês para completamente desmontados) a participação do Grande ABC fica um pouco menor porque São José dos Campos responde por 80% da produção de veículos montados no Exterior — 65 mil contra 17 mil de São Caetano. As informações são de José Eugênio Pinheiro, diretor de Manufatura da GM do Brasil. Contabilizada a produção de CKDs e de veículos prontos, a participação de São José sobe para 46%, com 263 mil do total de 563 mil unidades produzidas, São Caetano fica em 29%, com 164 mil, e Gravataí cai para 25%. A fábrica de Gravataí é a única que ainda não produz CKDs.
Se nas declarações no Grande ABC os executivos da companhia procuram contemporizar diferenças de produtividade entre a septuagenária fábrica de São Caetano e a ultramoderna planta do Celta, no Rio Grande do Sul se pronunciam sem meias palavras. Em visita à fábrica gaúcha durante comemorações de 80 anos de atividades da GM no Brasil, o vice-presidente José Carlos Pinheiro Neto frisou publicamente: “Gravataí é muito mais do que uma fábrica com novas tecnologias. É novo conceito de produção de automóveis”. Referia-se provavelmente aos recursos tecnológicos de última geração, às vantagens logísticas proporcionadas pelo condomínio industrial compartilhado com sistemistas de autopeças e, provavelmente, ao perfil diferenciado da mão-de-obra sem os vícios cristalizados nos tempos de mercado fechado.
O presidente Ray Young também não fazia segredo sobre a predileção pela planta inaugurada em meados de 2000. “Gravataí é benchmark para o mundo” — disse mais de uma vez.
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