A complexidade do mercado internacional foi apresentada sob recortes distintos no Grande ABC. Enquanto empresários e representantes do setor público se reuniram no 97º Encomex (Encontro de Comércio Exterior), promovido pelo governo federal em São Caetano, para discutir prioritariamente os efeitos da desvalorização do dólar na economia nacional, o Centro Universitário Uni-A, de Santo André, rastreava entraves que levam a maioria das empresas do Grande ABC a nem sonhar com vôos internacionais. As situações são específicas, mas se conectam no entendimento de que exportação é assunto de domínio restrito. Entre a lista interminável de dificuldades, sobra boa vontade e falta conhecimento.
A grita quase uníssona dos participantes do Encomex retrata momento de alerta aos exportadores consolidados. O tom do discurso, no entanto, se dissipa em notas diferenciadas na realidade apurada pela instituição de ensino. Apesar de o desempenho positivo da economia do Grande ABC nos últimos dois anos estar atrelado às exportações, cerca de 90% das empresas de 13 segmentos pesquisados pela Uni-A não estão aptas à internacionalização e precisam fazer lição de casa antes de ganhar o direito de reclamar do câmbio, das tarifas alfandegárias e do excesso -- ou ausência -- de medidas protecionistas.
Os primeiros resultados de trabalho iniciado há três anos pela instituição de ensino demonstram a importância da academia no dimensionamento dessa realidade. A Uni-A detectou aproximadamente 60 empresas com potencialidade para exportar e planeja dar orientação técnica a pelo menos 20 nos próximos 12 meses. “Temos de aglutinar todos os agentes e fornecer suporte da informação qualificada” -- enfatiza o coordenador do curso de Comércio Exterior, Antonio Nelso Ribeiro.
O grupo é composto majoritariamente por micro e pequenos e vai pagar taxa individual de R$ 100 pelo know-how de professores e alunos de 38 cursos de graduação. O foco está no mercado internacional, mas o trabalho se tornou interdisciplinar após prospecção que detectou necessidades complementares. Todos os cursos darão suporte ao projeto, mas se a empresa participante tiver necessidade de solucionar questões administrativas, de produção, logística ou venda, será solicitada consultoria das disciplinas especializadas.
O trabalho está subsidiado por questionário de 50 perguntas que ajudou a quantificar limitações que desestimulam as empresas a investir no comércio exterior. A falta de conhecimento do mercado internacional e da legislação alfandegária, além da burocracia governamental, foram os pontos mais citados. “A maioria também não está adequada às próprias normas produtivas brasileiras e sequer sabe interagir com órgãos oficiais de apoio à exportação” -- explica Antonio Nelso Ribeiro.
O professor menciona a experiência do ExportABC, encontro promovido no Teatro Municipal de Santo André entre as primeiras 18 empresas que abraçaram a iniciativa da Uni-A, órgãos públicos e entidades de classe com ações voltadas às exportações como Correios, Banco do Brasil, Ciesp e câmaras de comércio de diversos países. “O encontro foi uma ferramenta para identificar oportunidades” -- explica Antonio Nelso.
A Uni-A mapeou os segmentos de logística, tecnologia da informação, plásticos, máquinas e equipamentos, autopeças, alimentos e bebidas, gráficos, cosméticos, bijuterias, jóias e artesanato e estima que 20 mil pequenas e microempresas estabelecidas no Grande ABC fabricam produtos que podem ser comercializados além das fronteiras nacionais. Também calcula que 90% nunca tenham vendido uma agulha sequer para outros países. A estimativa não foi detalhada por ramo de atividade, mas apresenta resultado bastante parecido com estudo realizado pela B2W Promoção de Exportações especificamente para Ribeirão Pires. Das 143 micro e pequenas locais, apenas 18 têm alguma atividade em comércio exterior. Todas, entretanto, integram a cadeia dos 10 principais segmentos da pauta exportadora brasileira.
Câmbio em foco
A realidade presenciada pelos alunos da Uni-A apenas pontuou as entrelinhas do 97º Encomex. O debate sobre o efeito da desvalorização do dólar nas exportações brasileiras dominou o evento promovido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e deixou em segundo plano a oportunidade de aprofundar questões mais técnicas como o acesso às políticas de apoio e mecanismos de financiamento. Foram excessivas as discussões sobre a possibilidade de as exportações despencarem a partir de 2006, caso persista o descompasso cambial.
Por isso, soou como filme já visto a avaliação do diretor de Relações Internacionais da Fiesp, Roberto Gianetti da Fonseca, de que a queda nos juros, a desoneração da tributação, a divulgação das empresas brasileiras no exterior, além de investimentos em portos e ferrovias são medidas imprescindíveis para tornar as exportações brasileiras menos dependentes do fator preço. André Beer, diretor do Conselho de Desenvolvimento Econômico de São Caetano, também não inovou ao considerar que o dólar ideal para manter a rentabilidade dos contratos internacionais deve oscilar entre R$ 2,70 e R$ 2,80.
O fato de o real valorizado inibir a competitividade dos produtos brasileiros só surpreendeu mesmo quem desconhece a história recente do Grande ABC. Com 70% do PIB atrelado ao setor automotivo, a região torce para que as montadoras consigam sair da sinuca de bico de vitaminar os players locais com vendas externas para compensar custos trabalhistas e produtivos mais elevados. As exportações do Grande ABC aumentaram 28,74% nos seis primeiros meses de 2005 em relação ao mesmo período do ano passado e foram sustentadas pela indústria automotiva.
Cosméticos
Em meio a percalços anunciados, o Encomex abriu espaço para experiência regional que caminha na contramão da dependência dos mercados mundiais. O Pólo de Cosméticos de Diadema atribuiu os avanços na internacionalização da marca à atuação conjunta das empresas. O grupo foi formado há quatro anos e há dois decidiu buscar novos horizontes, primeiro com participação em feiras de negócios internacionais e mais recentemente com rodadas de negócios e projetos especiais com traders.
Os resultados já começam a aparecer. Em 2003 eram quatro empresas exportadoras, agora são 12 e a meta de faturar US$ 3 milhões em contratos internacionais até dezembro está praticamente alcançada, apesar de ainda estarem programadas rodadas de negócios na Argentina, Chile, Peru e Venezuela. O grupo tem o apoio da Apex (Agência de Promoções de Exportações), do governo federal e da Abihpec (Associação das Indústrias de Higiene Pessoal e Cosméticos) e recentemente firmou parceira com o Banco do Brasil. O Pólo também já produziu dois catálogos traduzidos para o inglês e espanhol e se identifica no Exterior com a marca Brazilian City Beauty, Independent Producers Team, expressão em inglês para grupo de produtores da cidade brasileira da beleza. “Estamos rompendo a barreira do desconhecimento em todos os sentidos” -- afirma o coordenador do Pólo, Ricardo Fioravanti.
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