Economia

Falta dinamismo e sobram salas
comerciais no mercado regional

DANIEL LIMA - 03/12/2013

Entre os micos imobiliários espalhados pela Província do Grande ABC estão estoques de salas comerciais. Como tudo que envolve esse setor, há um código de conduta às avessas, ou seja, o mais importante é manter informações relevantes fora do eixo de conhecimento da sociedade civil, tendo a mídia como parceira para lubrificar a engrenagem da torcida organizada de que tudo está às mil maravilhas. Mas não está. Falta dinamismo econômico e sobram salas comerciais na região. Uma equação mais que lógica de uma região movida seletivamente pela indústria automotiva.

 

E não é para menos que o mercado está recheadíssimo de micos comerciais, porque só nos últimos cinco anos, segundo dados da Embraesp (Empresa Brasileira de Estudo de Patrimônio), foram lançados 4.977 unidades, ante um total de 32.484 unidades residenciais.

 

A Província é um mar de micos imobiliários entre outros motivos porque empreendedores da Capital acreditaram em números defasados e pouco específicos sobre a economia regional. Nosso PIB (Produto Interno Bruto) estruturado na plataforma automotiva não é confiável a ponto de se extraírem interpretações lineares como, por exemplo, em relação à Capital tão próxima, contemplada por um terciário muito mais expressivo em agregado de valor. Não contamos com atividades de serviços sofisticados como a Capital. Um exemplo: em gastronomia é limitadíssima a oferta de empreendimentos sedutores. Sem contar que a Capital é um dos centros de atenção do mundo, eixo da globalização econômica e cultural.

 

Um dos maiores micos de escritórios da Província do Grande ABC é o Domo, empreendimento lançado há um bocado de tempo no entorno do Paço Municipal de São Bernardo. À parte o fracasso do empreendimento também na área residencial, se fracasso for entendido algo que não ganha a velocidade de venda anunciada, muito pelo contrário, as salas comerciais redundaram em somatório de desilusões. Não há meio de o Domo decolar. Mas há outros cacarecos na praça, ainda com disfarces. Quem conhece a economia da Província do Grande ABC sabe que, exceto alguns nichos, não há respostas possíveis para tamanha montanha de ofertas de salas comerciais.

 

Bolhas em gestação

 

É claro que mercadores imobiliários fazem de tudo para vender o peixe. Faz parte do negócio mais especulativo do planeta. Mas não há como duvidar do descompasso entre oferta e demanda. O boom imobiliário movido a financiamentos a perder de vista desperta inquietações. Especialistas internacionais engrossam o coro ainda seletivo de que há uma bolha imobiliária em gestação, diferente de bolhas que estouraram no Primeiro Mundo, mas suficientemente robustas para, em algum tempo, explodirem.


Até Nouriel Roubini resolveu meter a colher na temática. Esta semana ele escreveu um artigo para o Project Syndicate, no qual listou o Brasil ao lado da Turquia, Índia e Indonésia como economia em desenvolvimento cujas grandes metrópoles vêm experimentando a emergência de bolhas. Anteriormente, Robert Shiller, ganhador de Prêmio Nobel, fez diagnóstico semelhante. Nouriel Roubini é conhecido na praça mundial como “Doutor Apocalipse”, por prever, em 2006, a crise econômica que, sábio, estourou dois anos depois. É sempre assim: quem se dá à coragem de desvencilhar-se das amarras do bom-mocismo sofre discriminação e tentativas de desclassificação técnica, quando não moral. Até que as projeções fundamentadas acabam por se realizar.

 

É possível que depois do artigo de Nouriel Roubini a percepção sobre a bolha imobiliária no Brasil seja mais apurada e que não se usem seletivos estudos para negar que há algo de estranho numa atividade que cresce persistentemente muito acima do PIB e da massa de renda, só para citar dois pontos cruciais a serem observados com atenção. Roubini disse que os mercados imobiliários estão “espumando”, pois as autoridades monetárias – sobretudo nas economias avançadas e nos mercados emergentes com renda elevada (dentre os quais ele não inclui Brasil) – estão reticentes em elevar os juros e têm apostado em medidas macroprudenciais como um seguro contra bolhas.

 

Efeito limitado

 

Nouriel Roubini contesta os argumentos de quem nega a existência de bolha imobiliária no Brasil, por conta da baixa razão empréstimo/valor. “Para ser claro, restrições macroprudenciais são certamente algo a se exigir, mas são inadequadas para controlar bolhas imobiliárias. Com taxas de juros de curto prazo e longo prazo tão baixas, restrições a concessões de crédito imobiliário parecem ter um efeito limitado nos incentivos a tomar empréstimos para comprar a casa”.

 

Lembrou o economista no artigo disseminado mundo afora que um eventual estouro ou desinflar de uma bolha não ocorreria já, em razão das medidas expansionistas adotadas pelos bancos centrais. Além disso, as condições do sistema financeiro são mais seguras do que no passado – o que permitiria aos bancos lidar melhor com uma eventual queda abrupta de preços – e as famílias detêm, hoje, uma parcela maior dos imóveis do que ocorria nos Estados Unidos à época da crise. “Mas quanto mais os preços dos imóveis subirem, maior vai ser o tombo, e maiores serão os efeitos colaterais e financeiros quando a bolha desinflar” – escreveu Roubini.

 

A Província do Grande ABC há muito tempo vive estrangulamento imobiliário. Brotam lançamentos em proporção semelhante aos encalhes. O processo é tão contraditório quanto inquietante. Sabe-se que os últimos lançamentos de salas comerciais na região deram com burros nágua. E em alguns que pareciam fadados ao sucesso, depois de uma primeira etapa de forte demanda, sobretudo de investidores de olhos fixos em ganhos extraordinários no repasse, o quadro chega a ser desolador.

 

Virtual e real

 

Quem se fia em valores anunciados por sites especializados para esquadrinhar o mercado imobiliário mal sabe na fria em que está se metendo. Entre preço anunciado e preço contratado vai enorme diferença. Esses valores não passam pelo noticiário porque soariam alarmistas. Mas como é impossível segurar as pontas o tempo todo, não faltam megafeirões para desovar estoques. Os jornais paulistanos de domingo apresentaram um quadro de esquizofrenia pura, que sintetiza bem o momento imobiliário do País: enquanto uma das publicações apresentou um suplemento especial nitidamente comercial, embora disfarçado de editorial, para encher a bola das construtoras e incorporadoras, a outra recheava páginas e páginas de anúncio com ofertas de ocasião.

 

As entidades que dizem representar o setor imobiliário de São Paulo e da Província do Grande ABC não passariam por qualquer sabatina que considerasse a ética nos negócios uma questão de cidadania corporativa porque são de fato especializadas em fabricar cenários edulcorados enquanto o bicho pega para valer. O mercado de salas comerciais na Província do Grande ABC é um convite à insanidade empresarial. Alguém vai pagar a conta.



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