O Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra atravessa momento particularmente complexo e desafiador. De um lado, há o compromisso implícito de proteger o trabalhador. De outro, a responsabilidade circunstancial de evitar que pequenas e médias empresas, que formam a quase totalidade da base econômica, tenham no relacionamento capital-trabalho a dose letal de resistência.
Embora aparentemente ambíguo, esse quadro, garante o dirigente Cícero Martinha da Silva, está bem administrado e ocupa boa parte das preocupações da direção. Outra grande inquietação é conservar identidade própria, depois do rompimento com o Sindicato de São Bernardo e Diadema que, de fato, continua a atuar na base territorial.
Confessadamente ex-extremista, desses que chamavam empresários de patrões e relacionava capitalismo com exploração, Martinha afirma que mudou, como grande parte das lideranças sindicais mais à esquerda. “Comecei a mudar há uns sete anos, porque a realidade dos fatos assim exigiu e nada substitui o diálogo” — afirma.
Martinha é apelido herdado dos tempos de Jovem Guarda, quando os companheiros de Mollins, empresa onde trabalhava, não perdoaram os longos cabelos pretos e as pernas grossas, tal qual a cantora de voz melosa que fazia sucesso na época.
Ele diz que o Sindicato tem se esforçado para evitar o agravamento do quadro sócio-econômico da região: “Não nos convertemos ao capitalismo, mas observamos os meios de produção com outros olhos. Sabemos que muitos pequenos e médios empresários vivem momentos difíceis e que a hora é de cooperação. Temos colaborado em vários aspectos para minimizar as dificuldades dos pequenos empreendedores que sofrem com a política econômica e até deixam de cumprir compromissos com funcionários” — afirma.
Se a aproximação com o capital, resumidamente para preservar os postos de trabalho, revela postura pragmática dos diretores do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, o relacionamento com lideranças do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, ligadas à CUT, Central Única dos Trabalhadores, continua efervescente. A breve unificação sindical de 1993, da qual ficaram fora apenas os metalúrgicos de São Caetano, filiados à Força Sindical, foi o estopim de uma crise que ainda vai ter muitos capítulos. E deixou muitas marcas. “A unificação foi um grande equívoco”– explica Martinha.
Agora ele admite que juntar sob a mesma direção trabalhadores de autopeças, indústrias de máquinas e de eletroeletrônicos, caso da base do Sindicato de Santo André, e trabalhadores de montadoras de veículos, que preponderam no Sindicato de São Bernardo, tem o sentido ilógico de pretender misturar e separar em segundos grãos de arroz, feijão e lentilha. “A realidade das montadoras é totalmente diferente da das autopeças. O trabalhador de pequena indústria se sente até constrangido quando está diante do trabalhador de uma montadora. As relações econômicas também diferem muito, principalmente quando se tem um setor protegido, caso das montadoras, e outros não” — explica Martinha.
O dirigente afirma que o quadro associativo dos dois Sindicatos traduz essa incompatibilidade. No Sindicato de São Bernardo prevalecem trabalhadores das montadoras. “Tanto que apenas sete mil dos 30 mil peões das pequenas e médias fábricas de Diadema são associados do Sindicato, enquanto que a maior parte dos 95 mil trabalhadores de São Bernardo representa o chão de fábrica das montadoras. A situação permite, inclusive, que Diadema tenha seu próprio Sindicato, voltado a problemas específicos do perfil metalúrgico local” — argumenta. Em Santo André, que não tem montadora de veículos, da base de 25 mil metalúrgicos, 12,5 mil são filiados ao Sindicato de Martinha.
Martinha considera o rompimento com São Bernardo irreversível. A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que validou a eleição realizada há quase um ano, oferece a perspectiva de vários anos de sustentação, até que novos embates jurídicos venham a ser julgados. “E mesmo assim, temos certeza, sairemos vitoriosos de novo” — diz.
Contando com minguada média mensal de arrecadação de R$ 75 mil, o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André não aceita a proposta formulada por São Bernardo de eliminar as querelas jurídicas com um plebiscito, cujo resultado colocaria ponto final na disputa pela base. “O poder econômico deles simplesmente nos destruiria, porque nos deixaram sem nada, apenas com uma perua velha, enquanto contam com toda infra-estrutura não só do Sindicato, mas também da CUT” — afirma.
Marinho, de São Bernardo, diz que na realidade Martinha e companheiros temem a derrota, “porque estamos com apoio da base”. E garante que lideranças do Sindicato continuam atuando nos quatro Municípios agora sob o comando de Martinha e aliados.
O Sindicato de Santo André espera recuperar todo o patrimônio físico construído a partir de 1933, quando foi inaugurado. Por enquanto, apenas a sede está sendo ocupada. A colônia de férias, em Praia Grande, é um desses bens materiais e, segundo Martinha, simboliza o desastre da unificação rompida. “Um dos problemas para o fim da unificação foi a pressa com que São Bernardo deitou domínio sobre nosso Sindicato. Eles avançaram demais e não respeitaram pontos importantes. Para se ter idéia, a reforma da colônia de férias custou o desaparecimento de duas placas de bronze. Uma, da inauguração, e outra que homenageava o Miguel Guillen, uma das maiores lideranças sindicais da história da região e cujo nome está intimamente ligado a Santo André. Eles simplesmente desapareceram com o material e botaram no lugar uma placa de reinauguração e também, por mais absurdo que possa parecer, uma placa da empreiteira responsável pelas obras” — lamenta Martinha.
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